quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

E Quando se Descobre um Irmão Fruto da Traição Paterna à pessoa que você tanto ama, sua mãe?

Esta bonita crônica retrata o sentimento de quando se descobre que seu pai, seu herói, teve um relacionamento extra-conjugal e gerou um meio-irmão. O que fazer com a dubiedade de sentimentos?

Por Christiane Reis

Meio-Amor?


Tudo começou com o toque da campainha. Estava com a filha recém-nascida no colo e fazíamos um churrasco para comemorar o meu aniversário, o primeiro sem a presença física de  papai, como havia constatado logo que abri os olhos na manhã daquele dia.

Observei mamãe no portão da nossa casa com duas pessoas. Fez com que entrassem e eu imaginei que fossem vendedoras. A conversa estava demorando e, de repente, mamãe me pediu que entregasse o bebê ao pai e fosse até elas. Ao chegar, ouvi: Essa é a sua irmã!

Foi um susto, embora nós já soubéssemos da existência dessa meio-irmã, fruto de um relacionamento extra-conjugal  de papai. Não sabia o que fazer. Abracei-a. Era meu pai em forma de mulher. Idêntica. Teste de DNA pra quê?  A mais parecida com ele.

Chegou ali a procura do homem que não a registrou, não alimentou, não deu amor, nem colocou no colo. Foi em busca de um pai. Do meu, do nosso. Ele já não estava mais entre nós há alguns meses, feliz ou infelizmente. Não sei qual seria a reação da família diante do ato adúltero, de forma tão explícita. Era a traição em forma de filha.

Minha outra irmã não estava em casa. Quando abriu o portão para entrar com o carro, fui até ela, deixando a filha recém-nascida no colo da irmã recém-nascida (para mim), mamãe, e uma tia da moça. Antes que entrasse, ainda na rua, contei com poucas palavras o que estava acontecendo. Ela se sentou no meio-fio e chorou, um tanto indignada com a situação.


As apresentações foram feitas. Não sabíamos ao certo o que pensar, mas esperávamos o melhor. A avó e as primas foram chamadas, pois moravam perto da nossa casa. Então, em poucas horas, alguém entrou em nossa família. Isso normalmente demora nove meses para acontecer, mas para nossa nova irmã o tempo esperado foi de vinte e nove anos.

Minha mãe... Que ser humano! Recebeu a filha do marido morto como sua, parte dele, visita inusitada que o trazia de volta. Veio com a cor morena de índio, os cabelos negros, o formato do corpo e, para espanto nosso, o jeito daquele com quem nunca conviveu.

Ele falava nela quando bebia e as barreiras da censura eram derrubadas pelo álcool. Eu pedia que parasse, pois mamãe podia ouvir e não queria vê-la magoada. Sem dúvida, sofria por não poder agir com ela da mesma forma que conosco. Era um pai carinhoso, abraçava, beijava e dizia que nos amava o tempo todo. Imagino sua dor, ao arcar com as consequências dos deslizes cometidos, dos erros não reparados.

Estávamos em novembro. Ela e o marido, pouco mais de um mês depois, vieram passar o Natal conosco. Buscava família e encontrou. Era apresentada a cada um dos nossos amigos e parentes. Mamãe sempre com a cabeça erguida, mostrando a filha de papai. Como ela conseguiu? Lembro que não escondeu. Hoje, treze anos passados, ninguém se espanta mais. Acabou a novidade e as pessoas devem ter parado de comentar.

Nasceu minha sobrinha. Somos padrinhos da menina e mamãe a consagrou. A comemoração do batizado foi em nossa casa. A avó verdadeira eu nunca vi, mas sei que não se dão bem e minha irmã mais nova foi mesmo criada pela tia. Teve uma vida difícil, estudou pouco e nossas afinidades quase não existem. Permanece o laço de sangue.

A situação é difícil... Alguém cai de para-quedas em sua vida. Vocês não têm uma história, amigos, assuntos em comum. Só o pai. Basta? E o amor, por que não veio no mesmo embrulho? Não poderia ser instantâneo, à primeira vista, ao abraço inaugural. Não acontece assim, mas deveria.

Amanhã iremos nos reunir no apartamento da mamãe. Um almoço para celebrarmos antecipadamente o Natal, pois vai haver uma festa na rua onde mora minha meio-irmã, com a chegada do Papai Noel, então  nossa sobrinha-afilhada preferiu ficar lá, com os amiguinhos. Natural que seja assim.

Preferimos ficar ao lado das pessoas mais próximas, com quem temos uma intimidade maior. Essa intimidade também não nasceu entre nós, por faltarem os liames básicos, as longas conversas, as risadas espontâneas ao longo de uma história  que se cria a cada encontro. Faltam-nos, pois, as afinidades. Sem elas, relacionamentos verdadeiros não existem.

Gostaria que fosse diferente. Escolheria, se pudesse, ter amado essa irmã desde o primeiro dia, mas o que existe é um gostar, carinho, afeição, cumplicidade no sentido de que se precisarmos uma da outra, sabemos poder contar, mas pra mim isso ainda é pouco. Amaria intensamente, se pudesse, como a irmã criada comigo, os primos e os amigos de longa data.

Como não costumo desistir de ninguém, espero que ao longo dos anos - e com uma vontade maior - o laço de sangue faça também valer sua força e germine esse sentimento que deveria ter sido herdado, recebido geneticamente, transmitido como tantas outras características, do nosso - preciso lembrar que o pronome correto é esse, não “meu” - pai. Para isso, é preciso confiar no tempo ou deixar que tudo se mantenha como está: morno, um meio-amor entre meio-irmãs.


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