Uma mulher ajuizou ação de
indenização por danos morais pela surra que levou da outra namorada do homem
com quem estava, com direito a puxão de cabelo e unhada.
Ao julgar o caso, o juiz de
Direito Carlos Roberto Loiola, do JECiv de Divinópolis/MG, dá uma verdadeira
lição sobre as novas leis de mercado no que se refere aos namoros. Ponderou:
"Ele nem prá dizer que estava numa pescaria com os amigos! Foi logo entregando
que estava com a rival. Êta sujeito despreocupado! Também, tão disputado que é
pelas duas moças, que nem se lembrou de contar uma mentirinha dessas que a
gente sabe que os outros contam nessas horas só prá enganar as namoradas.
Talvez porque hoje isso nem mais seja preciso, como era no meu tempo de
pescarias. Novas Leis de mercado."
Na audiência, o homem que fazia
parte do triângulo amoroso estava tranquilo, se sentindo o "rei da cocada,
mais desejado que bombom de brigadeiro em festa de criança", de acordo com
a decisão. "Seu juiz, eu sou solteiro, gosto das duas, tenho um caso com
as duas, mas não quero compromisso com nenhuma delas não senhor",
desabafou. E o juiz Carlos Loiola concluiu: "Estava tão soltinho na
audiência, com a disputa das duas, que só faltou perguntar: '-tô certo ou
errado?'."
O magistrado fixaria o valor da
indenização em R$ 4 mil. Porém, na audiência, a parte autora chamou a ré de
"esse trem" e, por isso, o juiz decidiu minorar a condenação para R$
3 mil, considerando que "ela também não é santa não, deve ter retrucado as
agressões."
E, para evitar futuros problemas,
o julgador recomendou: "Quanto tiver na casa de uma e a outra ligar para
ele, ao invés de falar a verdade, recomendo que ele diga que está na pescaria
com os amigos. Evita briga, litígio, quiproquó e não tem importância nenhuma.
Isso não é crime. Pode passar depois lá no "Traíras" e comprar uns
lambarizinhos congelados, daqueles de rabinhos vermelhos, e depois no ABC,
comprar umas latinhas de Skol e levar para a outra. Ela vai acreditar que ele
estava mesmo na pescaria. Trouxe até peixe. Além disso, ainda sobraram algumas
latinhas de cerveja da pescaria...E não queira sair de fininho da próxima vez,
se tudo der em fuzuê ou muvuca. Isso é feio, muito feio. Fica esperto: da
próxima vez que você fizer isso você poderá ser condenado por danos
morais."
Leia a sentença
Carta do Juiz prolator da
sentença
Fazer Justiça não é fazer
Direito.
Vocês da imprensa me perguntam
agora, porque algumas sentenças minhas são diferentes. Talvez sejam. Vou
pensar. Talvez seja porque agora eu tenho em mim certa segurança de que fazer
Justiça é coisa muito diferente do que o simples fazer Direito. Isso talvez
seja diferente hoje em dia. Vou meditar. Mas ainda assim não compreendo porque
algumas sentenças não podem ser diferentes. Porque eu mesmo não posso ser
diferente. Porque eu tenho que ser igual aos outros, usar cartão de crédito,
ter celular, fazer parte de uma rede social? Minhas sentenças só possuem valor
se forem iguais às dos outros? Só vale chapinha, agora? Eu só tenho valor se
usar celular, cartão de crédito e usar essa engenhoca de Facebook? Onde está
escrito que tenho que ser igual? Não são vocês mesmos que dizem na televisão a
toda hora que “ser diferente é normal”?
Muitos dizem que Justiça é dar a
cada um o que é seu. Bacana isso! Já vi muitos doutores dizendo isso, até na TV
Justiça. Mas não acho isso correto. Direito é dar a cada um o que é seu.
Justiça não é dar a cada um o que é seu. Prá mim, Justiça é muito mais. Se
justiça fosse dar a cada um o que é seu, então, ao desgraçado, quando eu fosse
fazer Justiça, em minhas sentenças, eu só poderia dar desgraça; ao infeliz, a
infelicidade, ao desafortunado, a desfortuna, porque é isso que essa gente tem.
Mas não é assim que eu trabalho e penso. Direito é dar a cada um o que é seu.
Justiça não. Quem dá a cada um o que é seu faz Direito. Pode ou não fazer
Justiça. Cada caso é cada caso. Mas Justiça é muito mais. Justiça é colo de
mãe, na mais perfeita definição que já ouvi dela, e isso foi de uma criancinha
de 03 anos, pura e ingênua, dentro de minha própria casa. Quem diria? Depois de
ler tantas obras jurídicas, dos mais renomados juristas, foi numa criancinha de
três anos que encontrei a melhor definição de Justiça. Justiça é colo de mãe! É
Justo: mãe não dá a cada um dos filhos o que é seu. Isso não. Mãe se dá por
inteiro a todos eles! É assim que é a Justiça, e isso é coisa bem diferente que
Direito.
Talvez seja por isso que algumas
sentenças minhas sejam diferentes, para vocês. Vou pensar. Talvez porque elas,
em algum ponto, se afastem do Direito para fazer Justiça, e, convenhamos, isso
está se tornando coisa difícil hoje em dia. Vou refletir mais sobre isso.
Relativamente ao caso que causou
alvoroço da imprensa, não sei o porquê, de um simples julgamento de briga de
duas mulheres, sobre o caso em si não posso mais falar. E nem quero. Já
sentenciei e o destino do caso agora está na Turma Recursal. Já fiz minha parte
e acho que bem feita. Se não estiver, os sobrejuízes decerto saberão corrigir,
pois é assim que funciona no Estado Democrático de Direito. Mas posso falar
acerca do meu estilo, que é o que interessa à imprensa, e porque elaborei
aquela sentença, daquela forma. Só estilo pessoal. E digo: quando acabei de
elaborar a sentença, tendo como parâmetro tudo o que havia apurado na
audiência, na peça de defesa e na informação de que a ré havia pagado somente
R$300,00 1para se livrar de acusações de três crimes, pensei comigo: esta
sentença está correta; fiz Direitinho meu trabalho. Se o Promotor entendeu que
R$300,00 era suficiente para punir criminalmente quem comete três crimes, um
até um pouco mais grave, o valor que eu encontrei aqui está correto. Mas foi aí
que eu matutei comigo mesmo, pois mineiro é assim, matutando ele entende melhor
as coisas: está Direitinho mas não está Justinho. Apaguei tudo que havia
escrito. Não era Justo. Era Direito, mas não era Justo. Como poderia ser justo
se nos crimes de manutenção de maritaca (na verdade o nome do bichinho é
maitaca e não maritaca) em cativeiro o próprio Promotor oferece transação de
R$1.800,00 e mais composição civil dos danos ambientais de R$3.000,00 (total
R$4.800,00). Liberdade de maritaca vale sozinha mais que três crimes definidos
no Código Penal, contra pessoa? Tá errado. Apaguei tudo e fiz o que entendi o
que era justo, bem ajustado para o caso. Como poderia estar correta uma
sentença que havia analisado tantas teses jurídicas, para um caso tão singelo
de briga de mulher. Não era nem racional, senti que estava apenas tentando, de
outra forma, explicar física quântica para crianças de três anos.
Apaguei e fiz outra. Esta sim,
sem as influências do tecnicismo ajustado ao Direito, mas que no caso concreto,
estava muito próxima da Justiça. Do que eu entendo de Justiça. É porque carrego
sempre comigo ensinamento de um Mestre dos tempos de escola, livro fininho; só
em dez regrinhas ela condensa tudo o que é de Justiça: “Teu dever é lutar pelo
Direito, mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça,
luta pela Justiça”.
Assim, cada palavrinha, cada
expressão da sentença foi lá colocada da maneira mais pertinente, mais
ajustadinha possível com o que havia ocorrido na audiência. Para mim, a
sentença não poderia ter cara diferente do processo, pois isso não era Justiça,
era hipocrisia travestida de Direito. Só isso. Utilizar aquelas expressões que
eu estava usando na sentença anterior era pedantismo para com as partes, que
nem queriam ouvir nada do Juiz, só queriam sentença. No final das contas, o que
ambas queriam era apenas saber quem ganhou e quem perdeu. Só isso. Ninguém
estava ali para discutir teses, teses e mais teses; montanhas de injustiças.
Então a sentença não poderia ser outra. Foi aquela que foi.
Tenho visto muito Direito nos
processos dos Juizados Especiais. Nas contestações, principalmente, quem se der
ao trabalho de pesquisar, vai encontrar muito Direito compilado (teclas copiar
e colar, do computador). Outro dia apareceu uma, de 60 páginas, 6 teses só de
preliminares e mais um tantão delas de mérito: o valor da causa era de R$0,06
(seis centavos de Real). O advogado gastou mais natureza para contestar o
pedido do que o próprio valor da causa. É Direito. Não é Justo. Mas quem se
importa com valores hoje em dia? Há algum tempo atrás, uma advogada até colocou
o dedo em riste dizendo que estava se lixando para as minhas sentenças, porque
ela já sabia o que eu pensava sobre o caso que ela estava defendendo. Era um
simples processo de cobrança de telessexo em conta de telefone, cujo valor não
chegava a R$10,00, mas a advogada, com sua preposta, não queria nem participar
da sessão de conciliação, alegava que já sabia mesmo qual seria a sentença,
pois já conhecia o meu pensamento sobre tais cobranças e não queria participar
da sessão. Não permiti. Está na Lei que ela deveria participar, sob pena de
revelia. Ela disse que iria até o Supremo, ainda que o valor da causa fosse
R$0,01, mas ela não deixaria de utilizar de todos os instrumentos legais para
não permitir a procedência da causa. Só se interessava pelo Direito. A tese
dela era a de que, como o Jornal O Estado de Minas favorecia a prostituição
abertamente em suas páginas de classificados (e isso é verdade!), inclusive com
a anuência do Ministério Público, que havia firmado com o Jornal um Termo de
Ajustamento de Conduta (também verdade!), então, só por isso, ela entendia que
a empresa de telefonia que ela defendia podia cobrar telessexo livremente, tese
com a qual não concordei e já havia sentenciado um bocado de processos.
Mas, 40 dias depois dessa
audiência, essa mesma advogada entrou chorando no meu gabinete. O seu pai
estava num Hospital, internado, e o plano de saúde não autorizava certo
procedimento médico. Ela queria agora uma liminar para obrigar o plano de saúde
a fornecer o tratamento. Agora só lhe interessava Justiça. ‐ O Senhor, disse
ela, não pode nem dar prazo para o plano de saúde se manifestar sobre o pedido
de liminar senão o meu pai morre! Agora ela só queria Justiça. Não se importava
mais com o Direito, nem com o processo.
Então, não entendo porque tanto
alvoroço, porque dizer que algumas de minhas decisões são diferentes. “Ser
diferente é normal”.
Fazer Justiça não é fazer
Direito. Fazer Justiça é muito mais que isso. Fazer Direito, só pelo Direito,
sem se importar com Justiça, isso é mediocridade. Essa regra eu sempre recuso.
Fazer Direito com olhos na
Justiça, isso é muito bacana, chega a ser genial em alguns casos. Dá muita
satisfação profissional ao magistrado sério. Mas fazer Justiça, só com olhos na
Justiça, isso tem um toque de Divino. É superior a tudo. Quando o Supremo
Tribunal Federal julgou o caso das cotas raciais, ele fez Justiça. Acho. Foi
Justiça à unanimidade. Mas para a Folha de São Paulo, o julgamento do STF foi
medíocre, parecia “conversa de bar”, comentaram lá naquele jornal. Cada um tem
seu conceito do que é Justo. Talvez seja por isso que a jornalista lá de São
Paulo, ao publicar recente matéria sobre a minha forma de sentenciar, apenas
pinçou uma partezinha de uma sentença que ela entendeu de retirar do contexto e
fez lá sua hermenêutica do tititi em sua coluna semanal. Acho. Não li, porque
não acompanho Facebook, nem rede social alguma, mas fiquei sabendo agora. Mas
ela tem lá também o seu direito constitucionalmente assegurado de livre
manifestação do pensamento, como eu acho que também tenho o meu. E se ela só
conseguiu retirar aquele pedacinho que dizem que ela retirou, talvez porque seu
mundo todo seja aquilo mesmo. Ninguém faz suco de laranja tendo só jabuticaba
no inborná, dizia amigo meu, dos tempos de juventude. No espelho, ninguém é
mais feio ou mais bonito do que é. Ela havia me telefonado e perguntado se eu
não tenho medo de ser diferente, de ficar sozinho. Via‐se, pela pergunta, que
ela não sabe nada que a mineiridade se constrói é na solidão, na quietude. Além
disso, quem tem colo de mãe não pode se julgar sozinho, porque ela se dá de
todo, o tempo todo. E se Justiça é colo de mãe, se eu estou com ela, como
poderia me julgar sozinho?
Cada caso é cada caso. É assim
que penso e assim que trabalho. No ano passado sentenciei, sem assessor, 3.618
processos. Quantos Juízes podem dizer que julgaram tantos processos assim? Cada
um desses 3.618 processos teve lá sua sentença. A maioria delas, com certeza,
bastou aplicar regra de Direito, porque a regra do Direito, para esses casos, se
amoldava às regras da Justiça. A Justiça tinha a mesma cara do Direito. Alguns
deles, a sentença se distanciou um pouco da regra do Direito, porque prevaleceu
a regra de Justiça. De vez em quando aparece um caso que só deve receber regra
de Justiça, com expressões e contornos da Justiça, com alguma formatação mínima
exigida pela regra do Direito, como foi o que causou alvoroço que não entendi.
Mas vou pensar mais sobre isso.
Meu direito à livre manifestação
do pensamento, contudo, acho que ainda tenho e não é porque alguém possa se
sentir incomodado com minha manifestação é que eu vou fazer igualzinho aos
outros. Ser diferente é normal.
Não concordo que os processos nos
Juizados Especiais, em que tudo deveria ser comandado pelos princípios da
oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade se
transformem nesse inferno do Direito em que as peças processuais estão se
tornando. Mas quem se importa com princípios? Hoje quase tudo é só tese, tese e
mais tese. Injustiça no atacado. Direito pelo avesso. Já diziam os romanos na
sabedoria criadora do Direito: summum ius, summa injuria (excesso de Direito,
excesso de injustiça). Nos processos envolvendo grandes empresas, não se fala
mais uma só palavra sobre fato, nem as partes se preocupam de fazer provas
documentais ou sobre fatos. Só teses. A oralidade foi para não sei onde e a
informalidade, ah, quando essa é usada pelo Juiz, ah, esse cara é diferente!
Isso não é normal! Talvez não seja normal mesmo. Quando atuei em processos de
família, vi muitas crianças sendo tratadas como coisas. Diziam os pais em
conflito: “Fica com essa coisa aí com você que eu pago a pensão”. Não foram
poucas as vezes que tive a infelicidade de ouvir isso em salas de audiências.
No próprio caso em questão há expressão do gênero. Mas nos processos envolvendo
simples acidentes de veículos, estou vendo a todo dia alegações como esta: ‐
Seu Juiz, esse carro é de estimação, tenho ele há muitos anos, é como se fosse
gente da família. Tem dano moral sim, porque o carro é como se fosse gente”.
Gente é coisa. Carro é gente. Talvez isso tudo é que seja normal. Vou meditar
mais, talvez eu seja mesmo diferente.
De uma coisa eu bem sei, de um
ensinamento de um índio chucro e selvagem, não de um jusfilósofo ou
jurisconsulto. O que acontecer com a Justiça, isso afetará o homem. O homem só
pode existir em uma comunidade se houver Justiça, onde houver colo de mãe.
Mas também vou continuar
matutando mais sobre isso.
Carlos Roberto Loiola
Juiz de Direito
do site direito cômico
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