terça-feira, 30 de outubro de 2012

Em 2011 tramitaram no Brasil 90 milhões de processos judiciais

O Brasil atingiu em 2011 a marca de 90 milhões de processos judiciais em tramitação. Desse total, 26,2 milhões foram casos novos levados aos tribunais por uma sociedade que se tem mostrado altamente litigante. Para fazer frente a tamanha demanda, o Poder Judiciário contabilizou despesa de R$ 50,4 bilhões – quase 90% desse montante gastos com recursos humanos.

Os dados estão no Relatório Justiça em Números 2012 (com dados de 2011), divulgado nesta segunda-feira (29) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A oitava edição do documento traz dados comparativos entre 90 tribunais brasileiros, como orçamento; despesas com pessoal, bens e serviços; investimentos em tecnologia da informação e produtividade da prestação jurisdicional.

O relatório, disponível no site do CNJ, mostra que o país conta com 17 mil magistrados, numa proporção de 8,8 julgadores por 100 mil habitantes, abaixo da média europeia, mas em sintonia com a realidade nas Américas, segundo o CNJ. A força de trabalho soma 366 mil servidores – efetivos, requisitados e comissionados –, terceirizados e estagiários.

Em 2011, o Judiciário recebeu 26,2 milhões de novos casos e baixou 26 milhões. Ou seja, concluiu o julgamento de praticamente a mesma quantidade de processos que chegaram. Produtividade próxima de 100%. Contudo, há um estoque de 63 milhões de ações, que estavam pendentes de julgamento desde o início do ano. Isso corresponde a 71% dos processos e é a chamada taxa de congestionamento. Sua redução é um grande desafio para o Judiciário.

Números do STJ

O relatório apresenta separadamente, e em detalhes, dados de todos os tribunais do país, menos do Supremo Tribunal Federal. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) teve em 2011 despesa de R$ 895 milhões, o equivalente a 0,02% do PIB. De todo esse montante, 90% são gastos com recursos humanos. São 2.958 servidores, 1.677 terceirizados e 609 estagiários.

Com 33 ministros, a maior corte nacional do país julgou 230 mil processos, com uma média de quase sete mil processos por magistrado. Chegaram à Corte no ano passado 295 mil novos casos e foram baixados 204,6 mil.

O próprio CNJ alerta que não é possível fazer comparações entre os tribunais superiores, devido às grandes diferenças entre eles, com volume e natureza processuais completamente distintas.

Desafio
Preocupado em aprimorar a cada ano seus indicadores, o CNJ traçou meta para o próximo relatório: conhecer com clareza o tempo de duração do processo. “Isto será possível com a criação de um indicador que mensure a diferença entre a data de distribuição de um processo e a data de baixa, e ainda possibilitará a criação de faixas de intervalo de tempo processual, ou seja, dividir o quantitativo de processos de acordo com o seu tempo de duração”, aponta o documento.

O relatório compõe o Sistema de Estatística do Poder Judiciário (Siesj), coordenado pelo CNJ e integrado pelo STJ, Superior Tribunal Militar, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral, tribunais de justiça, tribunais regionais federais, eleitorais e do trabalho e os tribunais da Justiça Militar.
do site do STJ

Regime de bens e divisão da herança: dúvidas jurídicas no fim do casamento

Antes da celebração do casamento, os noivos têm a possibilidade de escolher o regime de bens a ser adotado, que determinará se haverá ou não a comunicação (compartilhamento) do patrimônio de ambos durante a vigência do matrimônio. Além disso, o regime escolhido servirá para administrar a partilha de bens quando da dissolução do vínculo conjugal, tanto pela morte de um dos cônjuges, como pela separação.

O instituto, previsto nos artigos 1.639 a 1.688 do Código Civil de 2002 (CC/02), integra o direito de família, que regula a celebração do casamento e os efeitos que dele resultam, inclusive o direito de meação (metade dos bens comuns) – reconhecido ao cônjuge ou companheiro, mas condicionado ao regime de bens estipulado.

A legislação brasileira prevê quatro possibilidades de regime matrimonial: comunhão universal de bens (artigo 1.667 do CC), comunhão parcial (artigo 1.658), separação de bens – voluntária (artigo 1.687) ou obrigatória (artigo 1.641, inciso II) – e participação final nos bens (artigo 1.672).

A escolha feita pelo casal também exerce influência no momento da sucessão (transmissão da herança), prevista nos artigos 1.784 a 1.856 do CC/02, que somente ocorre com a morte de um dos cônjuges.

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “existe, no plano sucessório, influência inegável do regime de bens no casamento, não se podendo afirmar que são absolutamente independentes e sem relacionamento, no tocante às causas e aos efeitos, esses institutos que a lei particulariza nos direitos de família e das sucessões”.

Regime legal Antes da Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio), caso não houvesse manifestação de vontade contrária, o regime legal de bens era o da comunhão universal – o cônjuge não concorre à herança, pois já detém a meação de todo o patrimônio do casal. A partir da vigência dessa lei, o regime legal passou a ser o da comunhão parcial, inclusive para os casos em que for reconhecida união estável (artigos 1.640 e 1.725 do CC).

De acordo com o ministro Massami Uyeda, da Terceira Turma do STJ, “enquanto na herança há substituição da propriedade da coisa, na meação não, pois ela permanece com seu dono”.

No julgamento do Recurso Especial (REsp) 954.567, o ministro mencionou que o CC/02, ao contrário do CC/1916, trouxe importante inovação ao elevar o cônjuge ao patamar de concorrente dos descendentes e dos ascendentes na sucessão legítima (herança). “Com isso, passou-se a privilegiar as pessoas que, apesar de não terem grau de parentesco, são o eixo central da família”, afirmou.

Isso porque o artigo 1.829, inciso I, dispõe que a sucessão legítima é concedida aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente (exceto se casado em regime de comunhão universal, em separação obrigatória de bens – quando um dos cônjuges tiver mais de 70 anos ao se casar – ou se, no regime de comunhão parcial, o autor da herança não tiver deixado bens particulares).

O inciso II do mesmo artigo determina que, na falta de descendentes, a herança seja concedida aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, independentemente do regime de bens adotado no casamento.

União estável Em relação à união estável, o artigo 1.790 do CC/02 estabelece que, além da meação, o companheiro participa da herança do outro, em relação aos bens adquiridos na vigência do relacionamento.

Nessa hipótese, o companheiro pode concorrer com filhos comuns, na mesma proporção; com descendentes somente do autor da herança, tendo direito à metade do que couber ao filho; e com outros parentes, tendo direito a um terço da herança.

No julgamento do REsp 975.964, a ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do STJ, analisou um caso em que a suposta ex-companheira de um falecido pretendia concorrer à sua herança. A ação de reconhecimento da união estável, quando da interposição do recurso especial, estava pendente de julgamento.

Consta no processo que o falecido havia deixado um considerável patrimônio, constituído de imóveis urbanos, várias fazendas e milhares de cabeças de gado. Como não possuía descendentes nem ascendentes, quatro irmãs e dois sobrinhos – filhos de duas irmãs já falecidas – seriam os sucessores.

Entretanto, a suposta ex-companheira do falecido moveu ação buscando sua admissão no inventário, ao argumento de ter convivido com ele, em união estável, por mais de 30 anos. Além disso, alegou que, na data da abertura da sucessão, estava na posse e administração dos bens deixados por ele.

Meação

De acordo com a ministra Nancy Andrighi, com a morte de um dos companheiros, entrega-se ao companheiro sobrevivo a meação, que não se transmite aos herdeiros do falecido. “Só então, defere-se a herança aos herdeiros do falecido, conforme as normas que regem o direito das sucessões”, afirmou.

Ela explicou que a meação não integra a herança e, por consequência, independe dela. “Consiste a meação na separação da parte que cabe ao companheiro sobrevivente na comunhão de bens do casal, que começa a vigorar desde o início da união estável e se extingue com a morte de um dos companheiros. A herança, diversamente, é a parte do patrimônio que pertencia ao companheiro falecido, devendo ser transmitida aos seus sucessores legítimos ou testamentários”, esclareceu.

Para resolver o conflito, a Terceira Turma determinou que a posse e administração dos bens que integravam a provável meação deveriam ser mantidos sob a responsabilidade da ex-companheira, principalmente por ser fonte de seu sustento, devendo ela requerer autorização para fazer qualquer alienação, além de prestar contas dos bens sob sua administração.

Regras de sucessão

A regra do artigo 1.829, inciso I, do CC, que regula a sucessão quando há casamento em comunhão parcial, tem sido alvo de interpretações diversas. Para alguns, pode parecer que a regra do artigo 1.790, que trata da sucessão quando há união estável, seja mais favorável.

No julgamento do REsp 1.117.563, a ministra Nancy Andrighi afirmou que não é possível dizer, com base apenas nas duas regras de sucessão, que a união estável possa ser mais vantajosa em algumas hipóteses, “porquanto o casamento comporta inúmeros outros benefícios cuja mensuração é difícil”.

Para a ministra, há uma linha de interpretação, a qual ela defende, que toma em consideração a vontade manifestada no momento da celebração do casamento, como norte para a interpretação das regras sucessórias.

Companheira e filha No caso específico, o autor da herança deixou uma companheira, com quem viveu por mais de 30 anos, e uma filha, fruto de casamento anterior. Após sua morte, a filha buscou em juízo a titularidade da herança.

O juiz de primeiro grau determinou que o patrimônio do falecido, adquirido na vigência da união estável, fosse dividido da seguinte forma: 50% para a companheira (correspondente à meação) e o remanescente dividido entre ela e a filha, na proporção de dois terços para a filha e um terço para a companheira.

Para a filha, o juiz interpretou de forma absurda o artigo 1.790 do CC, “à medida que concederia à mera companheira mais direitos sucessórios do que ela teria se tivesse contraído matrimônio, pelo regime da comunhão parcial”.

Ao analisar o caso, Nancy Andrighi concluiu que, se a companheira tivesse se casado com o falecido, as regras quanto ao cálculo do montante da herança seriam exatamente as mesmas.

Ou seja, a divisão de 66% dos bens para a companheira e de 33% para a filha diz respeito apenas ao patrimônio adquirido durante a união estável. “O patrimônio particular do falecido não se comunica com a companheira, nem a título de meação, nem a título de herança. Tais bens serão integralmente transferidos à filha”, afirmou.

De acordo com a ministra, a melhor interpretação do artigo 1.829, inciso I, é a que valoriza a vontade das partes na escolha do regime de bens, mantendo-a intacta, tanto na vida quanto na morte dos cônjuges.

“Desse modo, preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os bens comuns, haja ou não bens particulares, partilháveis estes unicamente entre os descendentes”, mencionou.

Vontade do casal Para o desembargador convocado Honildo Amaral de Mello Castro (já aposentado), “não há como dissociar o direito sucessório dos regimes de bens do casamento, de modo que se tenha após a morte o que, em vida, não se pretendeu”.

Ao proferir seu voto no julgamento de um recurso especial em 2011 (o número não é divulgado em razão de segredo judicial), ele divergiu do entendimento da Terceira Turma, afirmando que, se a opção feita pelo casal for pela comunhão parcial de bens, ocorrendo a morte de um dos cônjuges, ao sobrevivente é garantida somente a meação dos bens comuns – adquiridos na vigência do casamento.

No caso, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal reformou sentença de primeiro grau para permitir a concorrência, na sucessão legítima, entre cônjuge sobrevivente, casado em regime de comunhão parcial, e filha exclusiva do de cujus (autor da herança), sobre a totalidade da herança.

A menor, representada por sua mãe, recorreu ao STJ contra essa decisão, sustentando que, além da meação, o cônjuge sobrevivente somente concorre em relação aos bens particulares do falecido, conforme a decisão proferida em primeiro grau.

Interpretação
Para o desembargador Honildo Amaral, em razão da incongruência da redação do artigo 1.829, inciso I, do CC/02, a doutrina brasileira possui correntes distintas acerca da interpretação da sucessão do cônjuge casado sob o regime de comunhão parcial de bens.

Em seu entendimento, a decisão que concedeu ao cônjuge sobrevivente, além da sua meação, direitos sobre todo o acervo da herança do falecido, além de ferir legislação federal, desrespeitou a autonomia de vontade do casal quando da escolha do regime de comunhão parcial de bens.

O desembargador explicou que, na sucessão legítima sob o regime de comunhão parcial, não há concorrência em relação à herança, nem mesmo em relação aos bens particulares (adquiridos antes do casamento), visto que o cônjuge sobrevivente já está amparado pela meação. “Os bens particulares dos cônjuges são, em regra, incomunicáveis em razão do regime convencionado em vida pelo casal”, afirmou.

Apesar disso, ele mencionou que existe exceção a essa regra. Se inexistentes bens comuns ou herança a partilhar, e o falecido deixar apenas bens particulares, a concorrência é permitida, “tendo em vista o caráter protecionista da norma que visa não desamparar o sobrevivente nessas situações excepcionais”.

Com esse entendimento, a Quarta Turma conheceu parcialmente o recurso especial e, nessa parte, deu-lhe provimento. O desembargador foi acompanhado pelos ministros Luis Felipe Salomão e João Otávio de Noronha.

Contra essa decisão, há embargo de divergência pendente de julgamento na Segunda Seção do STJ, composta pelos ministros da Terceira e da Quarta Turma.

Proporção do direito
É possível que a companheira receba verbas do trabalho pessoal do falecido por herança? Em caso positivo, concorrendo com o único filho do de cujus, qual a proporção do seu direito?

A Quarta Turma do STJ entendeu que sim. “Concorrendo a companheira com o descendente exclusivo do autor da herança – calculada esta sobre todo o patrimônio adquirido pelo falecido durante a convivência –, cabe-lhe a metade da quota-parte destinada ao herdeiro, vale dizer, um terço do patrimônio do de cujus”, afirmou o ministro Luis Felipe Salomão em julgamento de 2011 (recurso especial que também tramitou em segredo).

No caso analisado, a herança do falecido era composta de proventos e diferenças salariais, resultado do seu trabalho no Ministério Público, não recebido em vida. Após ser habilitado como único herdeiro necessário, o filho pediu em juízo o levantamento dos valores deixados pelo pai.

O magistrado indeferiu o pedido, fundamentando que a condição de único herdeiro necessário não estava comprovada, visto que havia ação declaratória de união estável pendente. O tribunal estadual entendeu que, se fosse provada e reconhecida a união estável, a companheira teria direito a 50% do valor da herança.

Distinção O ministro Salomão explicou que o artigo 1.659, inciso VI, do CC, segundo o qual, os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge ficam excluídos da comunhão, refere-se ao regime de comunhão parcial de bens.

Ele disse que o dispositivo não pode ser interpretado de forma conjunta com o disposto no artigo 1.790, inciso II, do CC/02, que dispõe a respeito da disciplina dos direitos sucessórios na união estável.

Após estabelecer a distinção dos dispositivos, ele afirmou que o caso específico correspondia ao direito sucessório. Por essa razão, a regra do artigo 1.659, inciso VI, estaria afastada, cabendo à companheira um terço do valor da herança.

Separação de bens
Um casal firmou pacto antenupcial em 1950, no qual declararam que seu casamento seria regido pela completa separação de bens. Dessa forma, todos os bens, presentes e futuros, seriam incomunicáveis, bem como os seus rendimentos, podendo cada cônjuge livremente dispor deles, sem intervenção do outro.

Em 2001, passados mais de 50 anos de relacionamento, o esposo decidiu elaborar testamento, para deixar todos os seus bens para um sobrinho, firmando, entretanto, cláusula de usufruto vitalício em favor da esposa.

O autor da herança faleceu em maio de 2004, quando foi aberta sua sucessão, com apresentação do testamento. Quase quatro meses depois, sua esposa faleceu, abrindo-se também a sucessão, na qual estavam habilitados 11 sobrinhos, filhos de seus irmãos já falecidos.

Nova legislação
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reformou a sentença de primeiro grau para habilitar o espólio da mulher no inventário dos bens do esposo, sob o fundamento de que, como as mortes ocorreram na vigência do novo Código Civil, prevaleceria o novo entendimento, segundo o qual o cônjuge sobrevivente é equiparado a herdeiro necessário, fazendo jus à meação, independentemente do regime de bens.

No REsp 1.111.095, o espólio do falecido sustentou que, no regime da separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente jamais poderá ser considerado herdeiro necessário. Alegou que a manifestação de vontade do testador, feita de acordo com a legislação vigente à época, não poderia ser alterada pela nova legislação.

O ministro Fernando Gonçalves (hoje aposentado) explicou que, baseado em interpretação literal da norma do artigo 1.829 do CC/02, a esposa seria herdeira necessária, em respeito ao regime de separação convencional de bens.

Entretanto, segundo o ministro, essa interpretação da regra transforma a sucessão em uma espécie de proteção previdenciária, visto que concede liberdade de autodeterminação em vida, mas retira essa liberdade com o advento da morte.

Para ele, o termo “separação obrigatória” abrange também os casos em que os cônjuges estipulam a separação absoluta de seus patrimônios, interpretação que não conflita com a intenção do legislador de corrigir eventuais injustiças e, ao mesmo tempo, respeita o direito de autodeterminação concedido aos cônjuges quanto ao seu patrimônio.

Diante disso, a Quarta Turma deu provimento ao recurso, para indeferir o pedido de habilitação do espólio da mulher no inventário de bens deixado pelo seu esposo.

A notícia refere-se  aos seguintes processos:


do site do STJ

terça-feira, 23 de outubro de 2012

A apuração de haveres do sócio





Robson Zanetti*
 
 * Advogado. Doctorat Droit Privé pela Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Corso Singolo em Diritto Processuale Civile e Diritto Fallimentare pela Università degli Studi di Milano. Autor de mais de 100 artigos e das obras Manual da Sociedade Limitada: Prefácio da Ministra do Superior Tribunal de Justiça Fátima Nancy Andrighi e A prevenção de Dificuldades e Recuperação de Empresas. É também árbitro e palestrante
A apuração de haveres é o resultado da resolução da sociedade com relação a um dos sócios, enquanto a liquidação e partilha constituem o resultado da dissolução.[1]
No caso de resolução da sociedade com relação a um dos sócios seus haveres são apurados e depois pagos, sem que a sociedade seja dissolvida.
A) O valor de reembolso
O art. 1031 do Código Civil estabelece que:
“ Art. 1031 – Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.”
 
a) A proporção de haveres segundo a integralização de quotas 
 
O sócio receberá seus haveres da sociedade, se houver saldo positivo, conforme a sua participação no capital social. Essa participação deve ser analisada segundo o número de quotas integralizadas. Sendo o sócio remisso expulso, o valor de seu crédito corresponde às entradas que realizou, descontadas da indenização devida à pessoa jurídica[2], se houver.
O valor da quota deve ser o seu valor econômico, ou seja, aquele decorrente do fluxo de caixa projetado associado à taxa de crescimento esperado e ao índice de retorno adequado ao setor[3].
A apuração de haveres normalmente não pode ser demandada por quem não é sócio[4], porém admitem-se exceções, assim, no casamento pelo regime da comunhão universal de bens, comunicam-se todos os bens, inclusive as quotas, mas não o status de sócio.[5]Não importa que as quotas estejam somente no nome de um dos cônjuges.[6] Desta forma, o cônjuge que recebe em partilha quotas sociais tem legitimidade ativa para apurar haveres[7]. Em caso de morte do sócio, uma vez apurados os haveres, estes serão pagos aos sucessores do sócio falecido, assim, o espólio devidamente representado, poderá ajuizar a ação de dissolução da sociedade cumulada com a apuração de haveres, independentemente da autorização dos herdeiros e da finalização do inventário.[8] A legitimidade ativa pode ser atribuída ao espólio, representado pelo inventariante [9]. Os herdeiros do sócio pré-morto têm legítimo interesse em obter a apuração de haveres.[10]
A sociedade também poderá requerer a apuração de haveres, por exemplo, quando for cumulado pedido de resolução da sociedade com relação a um dos sócios por causa de exclusão figurando no pólo ativo os sócios e a sociedade[11] ou no caso do exercício do direito de retirada, figurando somente esta no pólo ativo, não sendo admitida a intervenção voluntária no processo do sócio retirante quando o interesse for meramente econômico e não jurídico.[12]
O terceiro prejudiciado, provando o nexo de interdependência entre o seu interesse e a relação jurídica submetida à apreciação judicial, poderá apelar ( art. 499, do Código de Processo Civil ) e anular a decisão que homologa a partilha amigável, visando lesá-lo. Assim ocorre quando ele demonstrar ser credor da meeira e de um dos herdeiros e por ocasião da divisão de quotas deixada pelo sócio morto, não for realizada a apuração de haveres, em desobediência ao previsto no parágrafo único do art. 993, do Código de Processo Civil.[13]
O sócio participa do recebimento de haveres por ter sido sócio. Se ele renuncia seu status não tem direito a haveres.[14]
A ação de apuração de haveres deve ser movida contra a sociedade e não contra o sócio[15], não existindo responsabilidade solidária dos sócios ao seu pagamento, salvo disposição em contrário[16], pois a solidariedade não se presume, resulta da lei ou da vontade das partes ( art. 265, Código de Processo Civil ).
                               
b) Critérios de apuração dos haveres
 
1 - A apuração de haveres segundo o contrato social, a convenção entre os sócios e feita judicialmente
 
Uma vez não havendo estipulação contratual[17] estabelecendo a forma de apuração de haveres, os sócios poderão decidir como serão apurados e se não houver acordo entre eles sua apuração será feita judicialmente ( CPC/73, art. 668 c/c art. 1.218, VII do CPC/39 ).[18] A fixação também será judicial quando a estipulação contratual trouxer enriquecimento ilícito da sociedade e dos demais sócios.[19]
O fato da apuração dos haveres ter sido feita extrajudicialmente, e, na época o credor ser notificado para acompanhá-la, com a indicação de técnico, e, ainda, ser colocado a sua disposição o valor apurado pela sociedade a título de balanço de determinação, recusando-se o credor assinar o recibo de entrega, não o impede de questionar judicialmente os valores apurados no dito balanço.[20]
Para se evitarem discussões posteriormente, os sócios devem estabelecer no contrato social ( art. 1031 do Código Civil ) ou através de um pacto parasocial[21] como será feita a avaliação da quota para que se apurem os haveres do sócio ( art. 668 do CPC/1939, em vigor ex vi do art. 1218, VII do CPC/1973 )[22] e esse seja reembolsado[23][24].
2 - Balanço especialmente levantado[25]
i- O momento da apuração de haveres
A apuração de haveres do sócio se verifica no momento de sua efetiva desvinculação da sociedade. Esse momento normalmente ocorre quando a sociedade toma conhecimento mediante notificação, dos casos de recesso e saída imotivada[26]. No caso de morte do sócio, no dia do seu óbito[27]; no caso de exclusão, o momento se dá quando o sócio toma conhecimento da vontade social[28] quando ela for realizada extrajudicialmente e, judicialmente, com o momento em que se verificar o trânsito em julgado da decisão[29].
Na apuração de haveres realizada judicialmente as controvérsias patrimoniais são levadas a perícia. Normalmente os tribunais não têm acolhido a produção de prova pericial durante o processo de conhecimento, mas tão somente no caso da fase de execução da sentença.[30] Não concordamos com esse posicionamento porque a produção de prova pericial para a apuração de haveres é uma medida conservatória, que nada trará de prejuízo para a fase de execução da sentença.[31]
No caso de morte de um dos sócios, o espólio administrará transitoriamente as quotas do de cujus enquanto se procede a apuração de haveres, não sendo o espólio sócio e nem administrador da sociedade.[32]
ii - A situação patrimonial da sociedade
Não pode ser aceito o preço arbitrado de forma unilateral pela sociedade, sem o consentimento do sócio ou seus sucessores beneficiários dos haveres. Dessa forma e de outras, havendo conflito sobre a apuração de haveres será feita uma perícia[33] e o laudo do perito, uma vez acolhido pelo juízo, atesta o valor dos haveres[34] formalmente. É nomeado um perito para fazer a apuração de haveres e não o liquidante[35]. Se houver dúvida com relação aos esclarecimentos prestados por escrito pelo perito, poderá ser feito pedido de esclarecimento em audiência.[36]
O perito não representa a sociedade e nem age como liquidante, mas poderá a vir em certos casos, supervisionar e fiscalizar o processo de apuração de haveres.[37]
A quota do sócio será liquidada com base na situação patrimonial real da sociedade[38], buscando-se a exata verificação física e contábil dos bens e direitos da sociedade que formam seu ativo[39].
A situação patrimonial da sociedade deverá tomar como base o balanço especialmente levantado ( art. 1031, caput, do Código Civil ). A avaliação dos haveres do sócio deve ser feita com base no preço de mercado de seus ativos à data do fato, devendo-se buscar o valor real dos bens[40], não bastará a simples verificação contábil da sociedade, nem a realização do inventário[41] compondo os bens que integram seu ativo permanente, pois, existindo bens que por vezes não estejam contabilizados no balanço e que constituam patrimônio da sociedade também deverão ser avaliados. Devem ser avaliados os dividendos[42], o fundo de reserva instituído pela vontade dos sócios[43] na medida da respectiva participação social[44], o patrimônio incorpóreo[45], especialmente o estabelecimento[46], visando definir o valor do reembolso[47]. Devem ser avaliados os bens imateriais, como a marca[48], o nome empresarial, o saber-fazer e o passivo invisível ou projetado, como os encargos trabalhistas, indenizações, ...[49]. Ainda, as importâncias não pagas a título de pro-labore até a data da exclusão[50], bem como indenização ao sócio excluído por dano moral se houver.[51] O balanço serve como meio de apuração dos haveres e não como um fim em si. Ele é tomado como referencial.
               Existe uma tendência jurisprudencial determinando que a apuração de haveres do sócio seja feita com base no balanço de determinação, independentemente da causa de resolução da sociedade. Esse balanço de determinação é uma criação da doutrina jurídica e não da teoria da contabilidade.[52] Ele apura os haveres de forma independente dos balanços anteriores. Ele pode ser realizado durante a instrução do processo de resolução da sociedade[53] e mesmo antes, através da produção antecipada de provas.
 
O balanço de determinação deve seguir as regras de contabilidade e através dele se faz uma simulação de liquidação da sociedade[54], simulando-se a realização total dos bens do ativo e a satisfação do passivo social, para se chegar a um valor do acervo líquido da sociedade, ou seja, imagina-se a sua dissolução e liquidação. Data venia, porém, tal entendimento jurisprudencial merece limites, pois, na resolução da sociedade com relação a um dos sócios, por exemplo, não se nomeia liquidante[55], como ocorre na dissolução total. O que poderá ocorrer é a nomeação de perito para realizar a apuração de haveres através da liquidação da sentença por arbitramento.[56]
O balanço de determinação, além de atualizar os fatos contábeis verificados entre a data do encerramento do último exercício e a data do seu levantamento, altera os critérios de avaliação dos bens do ativo e passivo, de sorte a contabilizá-los a valor de saída ( “ valor de mercado “ )[57]. Na maioria das vezes ele não é submetido à deliberação dos sócios e isso faz com que ele não possa ser oposto contra quem não participou de sua aprovação.[58]
Os sócios podem determinar que o último balanço aprovado seja utilizado como critério para apuração de haveres, pois o balanço não aprovado pelo sócio falecido, excluído ou que se retira, não serve como fonte para a apuração de haveres.[59]
B) O reembolso dos haveres
Uma vez apurado os valores, o art. 1031, §2º, do Código Civil estabelece que a quota será liquidada e paga em dinheiro, no prazo de 90 dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário. Este valor será pago assim quando não houver controvérsia sobre o quantum.
Havendo disposição contratual em contrário, diante da ausência de conflito judicial, prevendo o pagamento em várias parcelas, esta disposição contratual deve ser respeitada, a não ser que haja enriquecimento ilícito da sociedade e dos demais sócios, por isso, os valores apurados devem ser atualizados, contando-se juros moratórios[60] e mais correção monetária do quantum apurado[61], a qual deve incidir desde a data do levantamento técnico-contábil até a data do pagamento.[62]
Uma vez o contrato estabelecendo a forma de pagamento e havendo resistência, superando-se o momento oportuno[63] para a satisfação das parcelas previstas no contrato social[64], o pagamento deve ser feito de uma única vez[65] e em dinheiro.[66] O prazo para pagamento começa a correr a partir da citação da sociedade porque este foi o momento de sua constituição em mora.[67] É a sociedade que faz o pagamento, sendo os sócios remanescentes subsidiariamente responsáveis pelo pagamento dos haveres no limite do capital social integralizado.[68]
Poderia o credor ajuizar ação pedindo a tutela antecipada visando à fruição do capital que resultaria da apuração tempestiva dos haveres? Entende-se que não, pois a apuração de haveres trata-se de direito de crédito cuja satisfação impontual só da margem a correção monetária e juros.[69]
Não havendo disposição contratual e nem convenção das partes em contrário, havendo litígio, o valor do reembolso é obtido judicialmente mediante perícia física e contábil ( balanço geral e apuração integral )[70] devendo ser pago em parcela única[71]em dinheiro[72], salvo disposição em contrário, após homologado o laudo pericial,[73] desconsiderando-se o prazo contratual. O valor deve ser corrigido monetariamente a partir da data do efetivo prejuízo.[74]
O prazo legal para pagamento de 90 dias ( art. 1031, §1º, Código Civil ) a partir do trânsito em julgado da sentença que homologar a conta de liquidação[75] às vezes pode ser difícil de ser cumprido[76], pois, se o pagamento for feito em espécie, poderá ocorrer a descapitalização da sociedade e ela ter a continuidade de suas atividades prejudicada, alterando então o julgador a forma de pagamento, visando a manutenção da atividade.[77] Por outro lado, a garantia dos credores é enfraquecida em virtude da redução do capital social corresponde ao valor pago, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota ( art. 1031, §1º do Código Civil ).
Para evitar tal situação, é importante que os sócios estabeleçam no contrato social de que forma serão apurados os haveres, para que não existam problemas com a continuidade das atividades sociais devido ao pagamento que deve ser realizado ao sócio ou seus sucessores, pois se houver previsão contratual cumpre-se o que constar no contrato social, pagando-se os haveres no número de parcelas dele constantes.[78]
Em certo casos, poderá não parecer justo que a sociedade, sem liquidez, tenha que pagar os haveres do sócio em dinheiro[79] e em tão breve espaço de tempo, ficando com bens e direitos, porém, sem capacidade imediata de tranformá-los em dinheiro, mesmo porque, o preço estabelecido na perícia pode não ser o preço real de compra, traduzido somente num preço de mercado, mas sem compradores[80], ou seja, vale o preço, mas quem o paga? Assim, entendemos que se não houver dinheiro suficiente para ser pago a título de haveres ao sócio, correspondente a sua participação na quantia disponível, deverá ser seguida a ordem de penhora descrita no art. 655 do Código de Processo Civil, transformando esses bens em dinheiro, seja extrajudicial ou judicialmente e o preço obtido, pago em valor correspondente a participação do sócio referente ao bem vendido e não a sua participação total na sociedade. A forma de pagamento deve preservar a continuidade das atividades empresariais.
Havendo litígio na apuração judicial de haveres, a sociedade é responsável pelo pagamento dos honorários de sucumbência.[81]
Numa sociedade formada somente pelo casal quando desfeita a união estável, deve ser feita a apuração de haveres na sociedade empresária para verificar a existência de crédito de cada cônjuge.[82]
Com a resolução da sociedade, os sócios têm o prazo de 180 dias para resolver se irão recompô-la, se a transformarão em outra forma societária, se o único sócio exercerá a atividade individualmente ou será pedida sua dissolução. Este prazo não dá direito a sociedade para não liquidar, conforme estabelecido legalmente, as quotas do sócio visando a apuração de seus haveres dentro do prazo de 90 dias.
 
do site investidura portal jurídico
 

A Criação dos Cursos Jurídicos no Brasil



A série "Cadernos de Exposições" é uma realização do Museu da Justiça, fruto de um projeto da Comissão de Preservação da Memória Judiciária. Dentro de suas atividades, a Instituição já promoveu várias exposições, desde a sua criação, com os mais diversos temas. Pode-se citar, entre eles, o "Memorial dos Tribunais de Alçada do Estado do Rio de Janeiro; "Rui, o advogado da Liberdade"; "80 anos da Instalação do Tribunal da Relação no Palácio da Justiça em Niterói" e, mais recentemente, inaugurada em 13 de julho de 2011, a mostra "Projeto Memória do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro", que está aberta ao público.
Para que os eventos não caíssem no esquecimento, foi criada então a série "Cadernos de Exposições", que teve o primeiro número lançado em 2009, com o tema "Evolução Histórica do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro". A publicação trata dos primórdios da Justiça no Brasil, passando pela criação do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, da Casa da Suplicação do Brasil e da Corte de Apelação ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Os Cadernos falam, ainda, do Tribunal da Relação ao Tribunal de Justiça do Antigo Estado do Rio de Janeiro; do atual Tribunal de Justiça do Rio, e dos presidentes das cortes de Justiça com sede na cidade do Rio de Janeiro. Enfim, um passeio histórico e cultural pelo Poder Judiciário do estado e do País.
Com o lançamento do segundo número da série, intitulado "A Criação dos Cursos Jurídicos no Brasil", o leitor e o pesquisador terão mais uma opção para o enriquecimento de seus conhecimentos na área do Direito. Essa segunda publicação fala da criação dos primeiros cursos jurídicos, um em São Paulo e outro em Olinda, cuja lei foi promulgada por D. Pedro I, em 11 de agosto de 1827. De lá para cá, os cursos superiores foram crescendo e, ao longo do tempo, prepararam pessoas que viriam a ocupar os mais altos cargos da administração pública, da política e da magistratura fluminense e brasileira.
O curso jurídico de São Paulo foi o primeiro a ser instalado, em 1º de março de 1828, e o de Olinda, em 15 de maio do mesmo ano. Com o passar do tempo, eles passaram a ser denominados de faculdades de direito e, hoje, quase 184 anos depois de criados, eles continuam essenciais para todos aqueles interessados em estudar e se aprimorar nas leis que regem o nosso país.