sexta-feira, 25 de maio de 2012

Blog de menina com críticas a merenda obriga escola a mudar cardápio - Fazendo o direito acontecer

Martha Payne fotografava seus lanches com a permissão da escola e postava as fotos diariamente em seu blog "Never seconds" ("Nunca repetir o prato", em tradução adaptada), com comentários e notas sobre a comida.
Entre os aspectos avaliados pela menina, estão a qualidade da comida, a quantidade de "garfadas" em uma porção e o número de fios de cabelo encontrados.
A repercussão do blog fez com que o conselho municipal de Argyll, na Escócia, se pronunciasse sobre o assunto e fizesse uma visita à escola da menina. O cardápio da merenda, segundo ela e seu pai, Dave, também melhorou, ainda que temporariamente.
"Dá para ver no blog que a comida voltou a piorar", disse ele à BBC Brasil.
Pai e filha foram convidados para um encontro realizado pelo chef escocês Nick Nairn, autor de diversos livros e apresentador de programas de TV, que também terá políticos e ativistas da alimentação saudável em escolas.

Fotos 'chocantes'

A ideia de criar o blog, segundo Dave Payne, surgiu quando Martha chegou em casa comentando sobre um texto "jornalístico" que teve que fazer para um trabalho escolar.
"Ela chegou dizendo que queria escrever como uma jornalista todos os dias e achamos que um blog seria a melhor ideia", conta o pai.
Desde então, a menina, que vive com a família em uma fazenda, passou a postar fotos do que comia diariamente, com comentários sobre o cardápio.
"A coisa boa deste blog é que meu pai entende por que eu estou com fome quando chego em casa", disse ela em um dos posts.
As primeiras fotos de Martha, de acordo com seu pai, foram reveladoras. As refeições, sempre em porções pequenas, incluíam pizza, hambúrgueres, frituras, poucas verduras e nenhuma fruta.
"Para ela, as fotos eram completamente normais. Para mim, foram chocantes, terríveis. Quase tão chocante quanto isso era o fato de que as crianças achavam aquela comida normal. Ela reclamava um pouco em casa, mas eu não dei muita atenção", disse Dave.
Pouco depois do primeiro post de Martha, ele escreveu em seu perfil de Twitter sobre o blog da filha. "Na primeira meia hora, três pessoas tinham visto o blog. No dia seguinte, eram mais de 20 mil", conta. Agora, um mês depois, o "Never seconds" já contabiliza cerca de 1,2 milhão de visitantes.
Alertado por internautas sobre o projeto, o chef Jamie Oliver chegou a mandar uma mensagem para a menina através do Twitter: "Blog chocante, mas inspirador. Continue! Com amor, Jamie".

Mudanças

O sucesso do blog colocou o governo local em uma saia justa. Em uma entrevista à BBC escocesa, uma representante do conselho municipal de Argyll afirmou que o almoço servido na escola não tinha problemas.
"Ela disse que não havia nada errado com a comida e que a culpa era de Martha porque ela escolheu os alimentos errados, mas ela escolhe tudo o que pode todos os dias", afirma Payne
"Mesmo irritados, não quisemos dar mais entrevistas e nos envolver, mas depois disso a comida melhorou na escola. Coisas que ela nunca viu começaram a aparecer no cardápio. Membros do conselho foram visitar a escola com jornalistas e a comida era muito diferente."
Os estudantes também passaram, a partir daquele dia, a ter direito a porções ilimitadas de salada, frutas e pão, além da opção de se servir novamente do que quisessem.
Martha chamou o blog de "Nunca pela segunda vez" porque não era permitido que ela repetisse o prato, o que frequentemente a deixava com fome.
"Pela primeira vez eu vi no almoço tomates-cereja, rabanetes, cenouras e pedaços de pepino. Eu escolhi macarrão com queijo, purê de batatas, pepino e pimentões. O macarrão com queijo é sempre bom, mas eu comeria mais. Hoje me perguntaram pela primeira vez: 'É o suficiente para você?'", escreveu a menina no dia da visita.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Comissão aprova união de casais do mesmo sexo

Código Civil passará a reconhecer como uma entidade familiar a união estável entre homossexuais

A Comissão de Direitos Humanos do Senado deu nesta quinta-feira o primeiro passo para adequar ao Código Civil o reconhecimento legal da união estável entre pessoas do mesmo sexo. De autoria da senadora Marta Suplicy (PT-SP), o PLS 612/2011, aprovado nesta quinta-feira, reconhece como entidade familiar “a união estável entre duas pessoas, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Para ser encaminhado à Câmara, o projeto terá que ser aprovado, em caráter terminativo, na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).

Decisões já tomadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e outros de órgãos do Estado como o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e a Receita Federal estão incluídas no projeto como exemplos a serem incluídos no Código Civil. O projeto da senadora, por exemplo, estabelece que a união estável poderá converter-se em casamento, mediante requerimento formulado pelos companheiros.

Para tanto, o casal de homens ou mulheres terão apenas que declarar não ter qualquer impedimento para casar e indicar o regime de bens que passam a adotar. Marta Suplicy inclui ainda que os casais estarão dispensados de qualquer celebração oficial.

Em sua justificativa, Marta Suplicy reconhece que o Estado tem adotado a postura, ao longo dos anos, de "ceder à força irresistível das transformações por que passa a sociedade, vindo reconhecer, mais e mais, o papel alcançado pelas uniões homoafetivas na dinâmica das relações sociais”. Ela ressalta que tanto o INSS quanto a Receita Federal já têm garantido aos parceiros de uniões estáveis os mesmos direitos reservados aos casais heterossexuais.

A relatora Lídice da Mata (PSB-BA) destacou que a matéria em nenhum momento conflita com o casamento religioso, pois não fere o direito nem à liberdade de organização religiosa nem à crença de qualquer pessoa. "Como se costuma dizer, a liberdade de uma pessoa termina onde começa a de outra, e ninguém pode impor sua fé aos demais", frisou a senadora.

do site Band.com

Terceira Turma admite petição assinada fisicamente por um advogado e eletronicamente por outro

A Terceira Turma admitiu e julgou um recurso em que a petição foi assinada de próprio punho por um advogado e eletronicamente por outro. Ambos tinham procuração para atuar em nome da parte recorrente. A decisão se deu após manifestação, em voto-vista, do ministro Paulo de Tarso Sanseverino. O recurso é oriundo do Rio Grande do Norte e foi decidido monocraticamente pelo relator, ministro Massami Uyeda. Insatisfeita, a defesa de uma das partes interpôs eletronicamente agravo regimental, para que a questão fosse levada a julgamento na Turma. No entanto, o ministro relator não conheceu do agravo porque o advogado que colocou seu nome na petição recursal não coincidia com a advogada que assinou digitalmente, por meio do sistema e-STJ.
Ao analisar a hipótese, o ministro Sanseverino ponderou que não há irregularidade porque a petição está assinada eletronicamente por advogado com procuração para atuar na causa, o que faz cumprir a regra da Resolução 1/2010 do STJ. De acordo com a norma, são usuários externos do e-STJ, entre outros, “os procuradores e representantes das partes com capacidade postulatória”.
Até então, o STJ vinha entendendo que “não havendo a inscrição do nome do advogado que assina digitalmente a peça enviada eletronicamente”, se estaria violando a pessoalidade do uso da assinatura digital.
Pela nova interpretação, o que importa é observar se aquele que assina digitalmente a petição foi constituído nos autos, mediante procuração. A posição foi acolhida pelos demais membros da Terceira Turma, incluindo o relator, que conheceram do agravo. O julgamento do mérito ainda não foi concluído.

Processo: REsp.1208207

do site do STJ

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Casamento gay: uma união ainda difícil no Rio - Novas perspectivas para o debate do casamento entre pessoas do mesmo sexo

autora: Maria Aglaé Tedesco Vilardo




Hoje foi publicado no jornal o Globo  que, apesar do Rio de Janeiro ser o principal destino LGBT no Brasil, ainda não é aceito pela justiça o casamento gay.


Leia o que foi publicado aqui. 


Após a decisão do STF que reconheceu a possibilidade e legalidade da união estável entre pessoas do mesmo sexo alguns juízes entendem possível o casamento homossexual e outros entendem pela não possibilidade.
Qual a razão de decisões tão diferentes?
Primeiramente, devemos entender que toda decisão judicial deve ser justificada e que os fundamentos para a concessão ou não são respeitáveis, pois utilizam argumentos de ordem jurídica que possuem coerência com todo o ordenamento. Tanto para a permissão quanto para a vedação.
A Constituição Federal ao tratar do casamento refere-se a homem e mulher, daí a interpretação inicial de que não seria possível homem casar com homem e mulher casar com mulher. Contudo, a decisão do STF, em maio de 2011, afirma que ao utilizar a expressão "família", a constituição não limita sua formação aos casais do mesmo sexo, nem à formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa e que a isonomia entre todas as pessoas desemboca no igual direito subjetivo à formação de uma família (leia a ementa).
Como esta decisão foi proferida em ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) em julgamento conjunto com ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) produz efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, exatamente como previsto no §2º do art. 102 da Constituição Federal (Art. 102- § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.)
Isso significa que o Poder Judiciário, em todos os estados do Brasil, e todos os órgãos da Administração pública, inclusive os cartórios, estão vinculados ao entendimento do STF. Casais do mesmo sexo terão declaradas a união estável, se preenchidos os requisitos para tal (união pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituir família, previsto no art. 1723 do Código Civil).
 (Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.)


Poucos meses depois,em outubro de 2011, o STJ decidiu que não há vedação expressa na Constituição para que se habilitem para o casamento pessoas do mesmo sexo, afirmando que as famílias são plurais e que não é o casamento o destinatário final da proteção do Estado,mas apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade (ementa do acórdão referido). Assim, não havendo vedação expressa na legislação vigente (Constituição e Código Civil - arts.1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565) quanto ao casamento de pessoas do mesmo sexo, não se pode enxergar uma vedação implícita ao casamento homossexual, o que afrontaria os princípios constitucionais da igualdade, da não discriminação, da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar.
O acórdão (leia o voto) afasta o óbice relativo à diversidade de sexos para o casamento e  determina o prosseguimento do processo de habilitação de casamento, salvo se por outro motivo os interessados estivessem impedidos de contrair matrimônio.
Nesse caso, a repercussão da decisão é diferente da repercussão da decisão do STF. O art. 102 § 2º da CF somente se aplica às decisões do STF e não às decisões do STJ. Por isso, não há a mesma vinculação para que todo o Judiciário siga este entendimento, nem mesmo à Administração, aí incluídos os cartórios (que não são obrigados a realizar tais casamentos, até o momento, mas devem receber o pedido e documentação e encaminhar para apreciação pelo Judiciário).
Pelo que foi esclarecido, todas as Varas de Família deverão declarar a existência de uma união estável entre homossexuais, quando presentes os requisitos legais, porque a sentença da Vara de Família, no tocante à união estável, está vinculada ao decidido pelo STF. 
Os cartórios já vinham lavrando escritura pública declaratória de união estável entre pessoas do mesmo sexo, mesmo antes da decisão do STF. Agora, com mais razão, pois vinculados à decisão do Supremo. Tal escritura representam uma declaração por parte dos que têm o interesse e procuram um cartório para registro público de sua manifestação e posteriormente servirá de prova em Juízo para a sentença que declara a existência da união, aliada a outras provas que serão necessárias ao julgamento (há pessoas que declaram em cartório união estável que não existiu, por isso são exigidas novas provas). 
Não estando os Juízes vinculados à decisão do STJ, alguns entendem que não podem autorizar o casamento homossexual pela ausência de lei que o determine.
A Vara com competência administrativa para considerar habilitados os requerentes ao casamento é a Vara de Registros Públicos. O Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Rio de Janeiro (CODJERJ) estabelece esta competência no art.90, II.
(Art. 90 - Compete aos juízes de direito, especialmente em matéria de registro civil de pessoas naturais:
II  - conhecer da oposição de impedimentos matrimoniais e demais controvérsias relativas à habilitação para casamento;)
Desta forma, os pedidos de habilitação para casamento são dirigidos ao Juízo da Vara de Registros Públicos (na capital do Rio de Janeiro existe uma Vara, nas demais Comarcas uma das Varas Famílias responderá por essa competência, como previsto, por exemplo, no parágrafo único do art. 121 do CODJERJ). 
O que se deve observar nesses novos pedidos é que o direito postulado não tem legislação expressa sobre a permissão do casamento (sem entretanto proibir) e quando a Vara de Registros não concede a habilitação a justificativa é exatamente a ausência de legislação permissiva. A decisão quando concede essa possibilidade é uma construção jurisprudencial, o que o STJ realizou.
Contudo, hoje temos a real possibilidade de um casal do mesmo sexo ter sua situação de união reconhecida judicialmente e caso queiram converter esta união em casamento, como previsto no art. 226 § 3º da Constituição, (Art. 226 § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.)
a competência para decidir esta conversão da união em casamento passa a ser da Vara de Família, por força do disposto no art.85, I , "g" do CODJERJ que atribui a estas a competência para julgar as ações decorrentes de união estável.
(g) as ações decorrentes de união estável e sociedade de fato entre homem e mulher, como entidade familiar (art.226, parágrafos 3º e 4º da Constituição da República Federativa do Brasil), regulamentadas em leis ordinárias.)


O tema apresenta divergências de entendimento. Buscar a convergência é o que trará a segurança jurídica e a justiça para que o pensamento seja unificado enquanto não houver lei clara o suficiente para respaldar as decisões. No caso da discussão passar a ser travada em Varas especializadas de Direito de Família, o debate será ampliado e a tendência é que as discussões sejam pacificadas por novos argumentos que possam fundamentar um entendimento que será estendido a todas as pessoas. A especialização na Justiça existe para que sejam agregadas aos conhecimentos teóricos à prática das decisões voltadas para o bem-estar e respeito ao convívio familiar. O Juízo de família é o locus adequado para que as sentenças sejam proferidas no sentido de reconhecer e colaborar socialmente para se construir uma sociedade livre, justa e solidária,que é um objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, assim como outro objetivo o de promover o bem de todos. (CF- Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.)

Nesse propósito e respaldados por decisões de Cortes Superiores, poderão os Juízes entender que a felicidade de cada um é motivação suficiente para a não interferência do Estado na vida privada, como previsto no Código Civil, art. 1513. (CC-Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.).
Nesse sentido, a competência especializada em Varas de Família é o Juízo adequado para análise e julgamento não só para declaração de união estável entre pessoas do mesmo sexo, como posterior análise de conversão da união estável em casamento. Poderá ocorrer a negativa da conversão por algum Juiz de Vara de Família (lembrando que não há vinculação à decisão do STJ), mas o debate será ampliado e multiplicado e certamente a visão diferenciada do Juízo de Família contribuirá para a promoção do bem-estar dos indivíduos em sua dignidade plena.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A aplicação da jurisprudência do STJ aos contratos escolares

A educação no Brasil é um direito definido pela Constituição, mas nem sempre é ao Estado que o cidadão recorre para tê-lo assegurado. Quando a opção é pelo ensino particular, a natureza jurídica da relação entre instituição e aluno passa ser de prestação de serviço. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem precedentes e jurisprudência consolidada sobre diversos temas relacionados à cobrança de mensalidades, reajustes e obrigações das escolas com os alunos.

O universo do ensino privado no Brasil cresceu nos últimos cinco anos. É o que revelam dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O Censo Escolar 2010 mostrou que o Brasil tinha, à época, 7,5 milhões de estudantes matriculados na educação básica privada – creche, pré-escola, ensino fundamental e médio, educação profissional, especial e de jovens e adultos. No total de estudantes, as escolas particulares ficaram com uma fatia de 14,6%. Em 2007, eram 6,3 milhões de alunos matriculados na rede privada.

Com a demanda crescente, a quantidade de escolas e faculdades particulares também se multiplicou. A Fundação Getúlio Vargas (FGV), em estudo realizado para a Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP), em 2005, contabilizava 36.800 estabelecimentos de ensino privado no país.

Penalidade pedagógica

Legislação e jurisprudência são claras ao garantir que a existência de débitos junto à instituição de ensino não deve interferir na prestação dos serviços educacionais. O artigo 6º da Lei 9.870/99 diz que “são proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento”.

Os débitos devem ser exigidos em ação própria, sendo vedada à entidade educacional interferir na atividade acadêmica dos seus estudantes para obter o adimplemento de mensalidades escolares. Ainda assim, a prática é comum e o debate chega ao STJ em recursos das partes.

Em 2008, a Primeira Turma considerou nula cláusula contratual que condicionava o trancamento de matrícula ao pagamento do correspondente período semestral em que requerido o trancamento, bem como à quitação das parcelas em atraso. O relator, ministro Benedito Gonçalves, entendeu que a prática constitui penalidade pedagógica vedada pela legislação.

“Ao trancar a matrícula, o aluno fica fora da faculdade, não frequenta aulas e não participa de nenhuma atividade relacionada com o curso, de modo que não pode ficar refém da instituição e ver-se compelido a pagar por serviços que não viria receber, para poder se afastar temporariamente da universidade”, afirmou o ministro.

O ministro não nega que o estabelecimento educacional tenha o direito de receber os valores que lhe são devidos, mas reitera que não pode ele lançar mãos de meios proibidos por lei para tanto, devendo se valer dos procedimentos legais de cobranças judiciais (REsp 1.081.936).

Retenção de certificado

A inadimplência também não é justificativa para que a instituição de ensino se recuse a entregar o certificado de conclusão de curso ao aluno. O entendimento foi da Segunda Turma, que enfrentou a questão em 2008, no julgamento de um recurso de um centro universitário de Vila Velha (ES).

O relator foi o ministro Mauro Campbell. A instituição alegava que a solenidade de colação de grau não seria abrangida pela proteção legal, sendo que sua proibição não seria penalidade pedagógica. Mas para o ministro, a vedação legal de retenção de documentos escolares abrange o ato de colação de grau e o direito de obter o respectivo certificado (REsp 913.917).

Multa administrativa

Os alunos de escolas particulares são consumidores na medida em que utilizam um serviço final. Já as escolas e faculdades particulares podem ser consideradas fornecedoras, pois são pessoas jurídicas que oferecem o ensino. Assim, sujeitam-se também ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) e aos órgãos de proteção.

Em 2010, a Primeira Turma decidiu restabelecer uma multa aplicada pelo Procon de São Paulo contra a mantenedora de uma escola que reteve documentos para transferência de dois alunos, por falta de pagamento de mensalidades. O relator foi o ministro Luiz Fux, que hoje atua no Supremo Tribunal Federal (STF).

No caso, o Procon/SP instaurou processo administrativo contra a escola, que resultou na aplicação de uma multa de R$ 5 mil, seguindo o artigo 56 do CDC. A escola ajuizou ação para que fosse desobrigada do pagamento da multa, tendo em vista que, em audiência judicial de conciliação, ela entregou a documentação e os devedores comprometeram-se a pagar os débitos.

No julgamento do recurso do Procon/SP, o ministro Fux destacou que acordo entre o consumidor e o prestador de serviços, ainda que realizado em juízo, não afasta a multa, aplicada por órgão de proteção e defesa do consumidor, no exercício do poder de punição do Estado. Isso porque a multa não visa à reparação de dano sofrido pelo consumidor, mas à punição pela infração (REsp 1.164.146).

Atuação do MP

O STJ reconhece a legitimidade do Ministério Público para promover ação civil pública onde se discute a defesa dos interesses coletivos de pais e alunos de estabelecimento de ensino. São diversos os recursos que chegaram ao Tribunal contestando a atuação do MP nos casos em que se discute, por exemplo, reajuste de mensalidades. A jurisprudência do STJ é pacífica nesse sentido (REsp 120.143).

Impontualidade vs. inadimplência

O aluno, ao matricular-se em instituição de ensino privado, firma contrato em que se obriga ao pagamento das mensalidades como contraprestação ao serviço recebido. Mas o atraso no pagamento não autoriza a aplicação de sanções que resultem em descumprimento do contrato por parte da entidade de ensino (artigo 5º da Lei 9.870/99).

Esse é o entendimento do STJ. A universidade não pode impor penalidades administrativas ao aluno inadimplente, o qual tem o direito de assistir a aulas, realizar provas e obter documentos.

A Segunda Turma reafirmou esta tese na análise de um recurso interposto por uma universidade de São Paulo. Naquele caso, a relatora, ministra Eliana Calmon, destacou, porém, que o STJ considera que a falta de pagamento até 90 dias é, para efeito da lei, impontualidade. Só é inadimplente o aluno que exceder esse prazo. Assim, a entidade está autorizada a não renovar a matrícula se o atraso é superior a 90 dias, mesmo que seja de uma mensalidade apenas. “O aluno que deve uma, duas, três ou quatro prestações, para evitar a pecha de inadimplente, deve quitá-las no prazo de 90 dias”, alertou a ministra no julgamento (REsp 725.955).

Pai devedor

Noutro caso, a Segunda Turma manteve decisão que garantiu a uma aluna a rematrícula no curso de Direito. A faculdade havia negado a renovação porque o pai da estudante, aluno do curso de Ciências Contábeis na mesma instituição de ensino, estava com mensalidades em atraso. No STJ, o recurso do centro universitário alegava que como os pais são, via de regra, os representantes capazes dos alunos, o impedimento previsto em lei deveria ser aplicado ao caso.

O relator, ministro Mauro Campbell Marques, considerou que a inadimplência não se referia à aluna, mas a terceiro, e por isso deveria ser afastada a exceção que possibilita o impedimento à renovação de matrícula prevista na Lei 9.870/99 (REsp 1.096.242).

O STJ também já definiu que é da Justiça Federal a competência para julgar mandado de segurança impetrado contra ato de dirigente de instituição particular de ensino que nega a renovação de matrícula de aluno inadimplente (REsp 883.497).

Carga horária

Em um julgamento ocorrido em 2011, a Quarta Turma decidiu que, mesmo após a colação de grau, os alunos ainda podem exigir indenização por carga horária do curso não ministrada pela instituição de ensino. A ação foi movida por ex-alunos da Fundação Universidade do Vale do Itajaí (Univali), de Santa Catarina, para obter ressarcimento por horas-aula não ministradas. O relator do recurso é o ministro Luis Felipe Salomão.

Os alunos teriam pago o equivalente a 20 créditos em aulas do 5º período do curso de direito, mas foram ministradas aulas equivalentes a 16 créditos. Em primeira instância, eles tiveram sucesso, mas o Tribunal de Justiça de Santa Catariana (TJSC) considerou que, com a colação de grau, os estudantes teriam aberto mão de seus direitos.

O ministro Salomão destacou em seu voto que no processo fica claro que não foram prestadas as 3.390 horas-aula previstas para o curso e pagas pelos alunos. “O quê se verifica no caso é que a recorrida [Univali] se comprometeu em prestar um serviço, recebeu por ele, e não cumpriu com o avençado”, apontou. O relator observou que houve resistência dos alunos e que, em nenhum momento, abriram mão de seus direitos. Não houve remissão ou perdão da dívida, já que não se demonstrou o ânimo de abandonar o débito – a jurisprudência do Tribunal é nesse sentido (REsp 895.480).

Cobrança integral

Em 2002, o STJ analisou um recurso em que um aluno de Minas Gerais contestava a cobrança da semestralidade integral quando estava matriculado em apenas uma disciplina do curso de engenharia. O caso foi julgado na Quarta Turma.

Os ministros entenderam que deveria ser respeitada a equivalência entre a prestação cobrada do aluno e a contraprestação oferecida pela escola. “Se falta apenas uma disciplina a ser cursada, não pode ser exigido o pagamento de semestralidade integral, embora não se exija, nesse caso, a exata proporcionalidade”, afirmou em seu voto o relator, ministro Ruy Rosado, já aposentado.

A Turma ressaltou que não se impunha a proporcionalidade entre o número de cadeiras e o valor da prestação. Para os ministros, no caso de inscrição em apenas uma disciplina deve-se considerar o fato de que a escola deve manter o integral funcionamento das suas dependências, o que justifica a cobrança de valor maior, além do que corresponderia à exata proporcionalidade de uma matéria (REsp 334.837).

do site do STJ

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Dano moral nas relações familiares

https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?componente=COL&sequencial=14828610&formato=PDF

REsp 1159242/SP

Acórdão (TERCEIRA TURMA)

MINISTRO responsável pela Lavratura do Acórdão: NANCY ANDRIGHI

07/06/2011
14:00
Sessão Ordinária (Certidão)

NANCY ANDRIGHI-MÉRITO Relatório e Voto

"Sintetiza-se a lide em determinar se o abandono afetivo da recorrida,


levado a efeito pelo seu pai, ao se omitir da prática de fração dos deveres

inerentes à paternidade, constitui elemento suficiente para caracterizar dano moral

compensável."
 
clique no título e leia o voto na íntegra.

Terceira Turma obriga pai a indenizar filha em R$ 200 mil por abandono afetivo

"Amar é faculdade, cuidar é dever.” Com essa frase, da ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) asseverou ser possível exigir indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo pelos pais. A decisão é inédita. Em 2005, a Quarta Turma do STJ, que também analisa o tema, havia rejeitado a possibilidade de ocorrência de dano moral por abandono afetivo.

No caso mais recente, a autora entrou com ação contra o pai, após ter obtido reconhecimento judicial da paternidade, por ter sofrido abandono material e afetivo durante a infância e adolescência. Na primeira instância, o pedido foi julgado improcedente, tendo o juiz entendido que o distanciamento se deveu ao comportamento agressivo da mãe em relação ao pai.



Ilícito não indenizável



O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), porém, reformou a sentença. Em apelação, afirmou que o pai era “abastado e próspero” e reconheceu o abandono afetivo. A compensação pelos danos morais foi fixada em R$ 415 mil.

No STJ, o pai alegou violação a diversos dispositivos do Código Civil e divergência com outras decisões do tribunal. Ele afirmava não ter abandonado a filha. Além disso, mesmo que tivesse feito isso, não haveria ilícito indenizável. Para ele, a única punição possível pela falta com as obrigações paternas seria a perda do poder familiar.

Dano familiar

Para a ministra, porém, não há por que excluir os danos decorrentes das relações familiares dos ilícitos civis em geral. “Muitos, calcados em axiomas que se focam na existência de singularidades na relação familiar – sentimentos e emoções –, negam a possibilidade de se indenizar ou compensar os danos decorrentes do descumprimento das obrigações parentais a que estão sujeitos os genitores”, afirmou.

“Contudo, não existem restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar, no direito de família”, completou a ministra Nancy. Segundo ela, a interpretação técnica e sistemática do Código Civil e da Constituição Federal apontam que o tema dos danos morais é tratado de forma ampla e irrestrita, regulando inclusive “os intrincados meandros das relações familiares”.

Liberdade e responsabilidade


A ministra apontou que, nas relações familiares, o dano moral pode envolver questões extremamente subjetivas, como afetividade, mágoa, amor e outros. Isso tornaria bastante difícil a identificação dos elementos que tradicionalmente compõem o dano moral indenizável: dano, culpa do autor e nexo causal.

Porém, ela entendeu que a par desses elementos intangíveis, existem relações que trazem vínculos objetivos, para os quais há previsões legais e constitucionais de obrigações mínimas. É o caso da paternidade.

Segundo a ministra, o vínculo – biológico ou autoimposto, por adoção – decorre sempre de ato de vontade do agente, acarretando a quem contribuiu com o nascimento ou adoção a responsabilidade por suas ações e escolhas. À liberdade de exercício das ações humanas corresponde a responsabilidade do agente pelos ônus decorrentes, entendeu a relatora.



Dever de cuidar

“Sob esse aspecto, indiscutível o vínculo não apenas afetivo, mas também legal que une pais e filhos, sendo monótono o entendimento doutrinário de que, entre os deveres inerentes ao poder familiar, destacam-se o dever de convívio, de cuidado, de criação e educação dos filhos, vetores que, por óbvio, envolvem a necessária transmissão de atenção e o acompanhamento do desenvolvimento sócio-psicológico da criança”, explicou.

“E é esse vínculo que deve ser buscado e mensurado, para garantir a proteção do filho quando o sentimento for tão tênue a ponto de não sustentar, por si só, a manutenção física e psíquica do filho, por seus pais – biológicos ou não”, acrescentou a ministra Nancy.

Para a relatora, o cuidado é um valor jurídico apreciável e com repercussão no âmbito da responsabilidade civil, porque constitui fator essencial – e não acessório – no desenvolvimento da personalidade da criança. “Nessa linha de pensamento, é possível se afirmar que tanto pela concepção, quanto pela adoção, os pais assumem obrigações jurídicas em relação à sua prole, que vão além daquelas chamadas necessarium vitae”, asseverou.


Amor



“Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos”, ponderou a ministra. O amor estaria alheio ao campo legal, situando-se no metajurídico, filosófico, psicológico ou religioso.

“O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes”, justificou.



Alienação parental


A ministra ressalvou que o ato ilícito deve ser demonstrado, assim como o dolo ou culpa do agente. Dessa forma, não bastaria o simples afastamento do pai ou mãe, decorrente de separação, reconhecimento de orientação sexual ou constituição de nova família. “Quem usa de um direito seu não causa dano a ninguém”, ponderou.


Conforme a relatora, algumas hipóteses trazem ainda impossibilidade prática de prestação do cuidado por um dos genitores: limitações financeiras, distâncias geográficas e mesmo alienação parental deveriam servir de excludentes de ilicitude civil.

Ela destacou que cabe ao julgador, diante dos casos concretos, ponderar também no campo do dano moral, como ocorre no material, a necessidade do demandante e a possibilidade do réu na situação fática posta em juízo, mas sem nunca deixar de prestar efetividade à norma constitucional de proteção dos menores.


“Apesar das inúmeras hipóteses que poderiam justificar a ausência de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, não pode o julgador se olvidar que deve existir um núcleo mínimo de cuidados parentais com o menor que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social”, concluiu.



Filha de segunda classe

No caso analisado, a ministra ressaltou que a filha superou as dificuldades sentimentais ocasionadas pelo tratamento como “filha de segunda classe”, sem que fossem oferecidas as mesmas condições de desenvolvimento dadas aos filhos posteriores, mesmo diante da “evidente” presunção de paternidade e até depois de seu reconhecimento judicial.

Alcançou inserção profissional, constituiu família e filhos e conseguiu “crescer com razoável prumo”. Porém, os sentimentos de mágoa e tristeza causados pela negligência paterna perduraram.
“Esse sentimento íntimo que a recorrida levará, ad perpetuam, é perfeitamente apreensível e exsurge, inexoravelmente, das omissões do recorrente no exercício de seu dever de cuidado em relação à recorrida e também de suas ações, que privilegiaram parte de sua prole em detrimento dela, caracterizando o dano in re ipsa e traduzindo-se, assim, em causa eficiente à compensação”, concluiu a ministra.
A relatora considerou que tais aspectos fáticos foram devidamente estabelecidos pelo TJSP, não sendo cabível ao STJ alterá-los em recurso especial. Para o TJSP, o pai ainda teria consciência de sua omissão e das consequências desse ato.
A Turma considerou apenas o valor fixado pelo TJSP elevado, mesmo diante do grau das agressões ao dever de cuidado presentes no caso, e reduziu a compensação para R$ 200 mil. Esse valor deve ser atualizado a partir de 26 de novembro de 2008, data do julgamento pelo tribunal paulista. No julgamento do STJ, ficou vencido o ministro Massami Uyeda, que divergiu da maioria.

REsp 1159242




do site do STJ