Hoje foi publicado no jornal o Globo que, apesar do Rio de Janeiro ser o principal destino LGBT no Brasil, ainda não é aceito pela justiça o casamento gay.
Leia o que foi publicado aqui.
Após a decisão do STF que reconheceu a possibilidade e legalidade da união estável entre pessoas do mesmo sexo alguns juízes entendem possível o casamento homossexual e outros entendem pela não possibilidade.
Qual a razão de decisões tão diferentes?
Primeiramente, devemos entender que toda decisão judicial deve ser justificada e que os fundamentos para a concessão ou não são respeitáveis, pois utilizam argumentos de ordem jurídica que possuem coerência com todo o ordenamento. Tanto para a permissão quanto para a vedação.
A Constituição Federal ao tratar do casamento refere-se a homem e mulher, daí a interpretação inicial de que não seria possível homem casar com homem e mulher casar com mulher. Contudo, a decisão do STF, em maio de 2011, afirma que ao utilizar a expressão "família", a constituição não limita sua formação aos casais do mesmo sexo, nem à formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa e que a isonomia entre todas as pessoas desemboca no igual direito subjetivo à formação de uma família (leia a ementa).
Como esta decisão foi proferida em ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) em julgamento conjunto com ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) produz efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, exatamente como previsto no §2º do art. 102 da Constituição Federal (Art. 102- § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.)
Isso significa que o Poder Judiciário, em todos os estados do Brasil, e todos os órgãos da Administração pública, inclusive os cartórios, estão vinculados ao entendimento do STF. Casais do mesmo sexo terão declaradas a união estável, se preenchidos os requisitos para tal (união pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituir família, previsto no art. 1723 do Código Civil).
(Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.)
Poucos meses depois,em outubro de 2011, o STJ decidiu que não há vedação expressa na Constituição para que se habilitem para o casamento pessoas do mesmo sexo, afirmando que as famílias são plurais e que não é o casamento o destinatário final da proteção do Estado,mas apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade (ementa do acórdão referido). Assim, não havendo vedação expressa na legislação vigente (Constituição e Código Civil - arts.1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565) quanto ao casamento de pessoas do mesmo sexo, não se pode enxergar uma vedação implícita ao casamento homossexual, o que afrontaria os princípios constitucionais da igualdade, da não discriminação, da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar.
O acórdão (leia o voto) afasta o óbice relativo à diversidade de sexos para o casamento e determina o prosseguimento do processo de habilitação de casamento, salvo se por outro motivo os interessados estivessem impedidos de contrair matrimônio.
Nesse caso, a repercussão da decisão é diferente da repercussão da decisão do STF. O art. 102 § 2º da CF somente se aplica às decisões do STF e não às decisões do STJ. Por isso, não há a mesma vinculação para que todo o Judiciário siga este entendimento, nem mesmo à Administração, aí incluídos os cartórios (que não são obrigados a realizar tais casamentos, até o momento, mas devem receber o pedido e documentação e encaminhar para apreciação pelo Judiciário).
Pelo que foi esclarecido, todas as Varas de Família deverão declarar a existência de uma união estável entre homossexuais, quando presentes os requisitos legais, porque a sentença da Vara de Família, no tocante à união estável, está vinculada ao decidido pelo STF.
Os cartórios já vinham lavrando escritura pública declaratória de união estável entre pessoas do mesmo sexo, mesmo antes da decisão do STF. Agora, com mais razão, pois vinculados à decisão do Supremo. Tal escritura representam uma declaração por parte dos que têm o interesse e procuram um cartório para registro público de sua manifestação e posteriormente servirá de prova em Juízo para a sentença que declara a existência da união, aliada a outras provas que serão necessárias ao julgamento (há pessoas que declaram em cartório união estável que não existiu, por isso são exigidas novas provas).
Não estando os Juízes vinculados à decisão do STJ, alguns entendem que não podem autorizar o casamento homossexual pela ausência de lei que o determine.
A Vara com competência administrativa para considerar habilitados os requerentes ao casamento é a Vara de Registros Públicos. O Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Rio de Janeiro (CODJERJ) estabelece esta competência no art.90, II.
(Art. 90 - Compete aos juízes de direito, especialmente em matéria de registro civil de pessoas naturais:
II - conhecer da oposição de impedimentos matrimoniais e demais controvérsias relativas à habilitação para casamento;)
Desta forma, os pedidos de habilitação para casamento são dirigidos ao Juízo da Vara de Registros Públicos (na capital do Rio de Janeiro existe uma Vara, nas demais Comarcas uma das Varas Famílias responderá por essa competência, como previsto, por exemplo, no parágrafo único do art. 121 do CODJERJ).
O que se deve observar nesses novos pedidos é que o direito postulado não tem legislação expressa sobre a permissão do casamento (sem entretanto proibir) e quando a Vara de Registros não concede a habilitação a justificativa é exatamente a ausência de legislação permissiva. A decisão quando concede essa possibilidade é uma construção jurisprudencial, o que o STJ realizou.
Contudo, hoje temos a real possibilidade de um casal do mesmo sexo ter sua situação de união reconhecida judicialmente e caso queiram converter esta união em casamento, como previsto no art. 226 § 3º da Constituição, (Art. 226 § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.)
a competência para decidir esta conversão da união em casamento passa a ser da Vara de Família, por força do disposto no art.85, I , "g" do CODJERJ que atribui a estas a competência para julgar as ações decorrentes de união estável.
(g) as ações decorrentes de união estável e sociedade de fato entre homem e mulher, como entidade familiar (art.226, parágrafos 3º e 4º da Constituição da República Federativa do Brasil), regulamentadas em leis ordinárias.)
O tema apresenta divergências de entendimento. Buscar a convergência é o que trará a segurança jurídica e a justiça para que o pensamento seja unificado enquanto não houver lei clara o suficiente para respaldar as decisões. No caso da discussão passar a ser travada em Varas especializadas de Direito de Família, o debate será ampliado e a tendência é que as discussões sejam pacificadas por novos argumentos que possam fundamentar um entendimento que será estendido a todas as pessoas. A especialização na Justiça existe para que sejam agregadas aos conhecimentos teóricos à prática das decisões voltadas para o bem-estar e respeito ao convívio familiar. O Juízo de família é o locus adequado para que as sentenças sejam proferidas no sentido de reconhecer e colaborar socialmente para se construir uma sociedade livre, justa e solidária,que é um objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, assim como outro objetivo o de promover o bem de todos. (CF- Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.)
Nesse propósito e respaldados por decisões de Cortes Superiores, poderão os Juízes entender que a felicidade de cada um é motivação suficiente para a não interferência do Estado na vida privada, como previsto no Código Civil, art. 1513. (CC-Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.).
Nesse sentido, a competência especializada em Varas de Família é o Juízo adequado para análise e julgamento não só para declaração de união estável entre pessoas do mesmo sexo, como posterior análise de conversão da união estável em casamento. Poderá ocorrer a negativa da conversão por algum Juiz de Vara de Família (lembrando que não há vinculação à decisão do STJ), mas o debate será ampliado e multiplicado e certamente a visão diferenciada do Juízo de Família contribuirá para a promoção do bem-estar dos indivíduos em sua dignidade plena.
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