quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Indenização Punitiva


André Gustavo Corrêa de Andrade 
Juiz de Direito
Professor da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

1. O papel da responsabilidade civil na sociedade contemporânea. Reparação,
prevenção e punição

É tradicional em nosso direito a idéia de que a função da responsabilidade civil
se limita à reparação o dano. Em não sendo possível a reparação  in natura do dano, busca-se ressarcir o prejuízo sofrido pela vítima ou compensar seu dano através de um equivalente ou sucedâneo pecuniário.
Na dicção do art. 944 do nosso Código Civil: “A indenização mede-se pela
extensão do dano.” A preocupação, portanto, é exclusivamente com a figura da vítima, cujo dano se busca apagar ou ao menos minorar. Não  importa a reprovabilidade da conduta do ofensor, a intensidade da sua culpa, a sua fortuna, o proveito por ele obtido com o ilícito ou quaisquer outras circunstâncias que a ele digam respeito. Estabelecida a responsabilidade, o valor da indenização é medido somente pela extensão do dano ou prejuízo.
Por esse ângulo, a responsabilidade civil é axiologicamente neutra, pois não
permite nenhuma graduação no que se refere ao desvalor da conduta ofensiva. A
simples reparação do dano não considera a maior gravidade da conduta.
Esse é o papel tradicional, a visão clássica da responsabilidade civil no Direito
brasileiro.
Essa forma de encarar a responsabilidade civil tem-se modificado nos últimos
tempos, principalmente após a Constituição de 1988.
Nos domínios da responsabilidade civil já se enxerga, com nitidez, o que pode
vir a ser considerado como uma mudança de paradigma, representada pela idéia de que, em certos casos, principalmente naqueles em que é atingido algum direito da personalidade, a indenização deve desempenhar um papel mais amplo do que o até então concebido pela doutrina tradicional.
O “paradigma reparatório”, calcado na teoria de que a função da
responsabilidade civil é, exclusivamente, a de reparar o dano, tem-se mostrado ineficaz em diversas situações conflituosas, nas quais ou a reparação do dano é impossível, ou não constitui resposta jurídica satisfatória, como se dá, por exemplo, quando o ofensor obtém benefício econômico com o ato ilícito praticado, mesmo depois de pagas as indenizações pertinentes, de natureza reparatória e/ou compensatória; ou quando o ofensor se mostra indiferente à sanção reparatória, vista, então, como um preço que ele
se propõe a pagar para cometer o ilícito ou persistir na sua prática.
Essa “crise” do paradigma reparatório leva o operador do direito a buscar a
superação do modelo tradicional. Superação que não se traduz, por óbvio, no abandono da idéia de reparação, mas no redimensionamento da responsabilidade civil, que, para atender aos modernos e complexos conflitos sociais, deve exercer várias funções.
Ao lado da tradicional função de reparação pecuniária do prejuízo, outras
funções foram idealizadas para aquela disciplina. Avulta, atualmente, a noção de uma responsabilidade civil que desempenhe a função de prevenção de danos
1, forte na idéia
                                             
1
 Observa Matilde Zavala de GONZALEZ (Resarcimiento de daños. Presupuestos y funciones del 
Derecho de daños, p. 417) que: “Em obras tradicionais sobre responsabilidade por danos estudavam-se os de que mais vale prevenir do que remediar. Conforme salienta Ramón Daniel PIZARRO: “Tanto do ponto de vista da vítima quanto  do possível responsável, a prevenção do dano é sempre preferível à sua reparação. 

O tema assume especial relevo em matéria de danos causados como conseqüência de uma lesão a direitos personalíssimos, como a intimidade, a honra ou a imagem.”
Do mesmo modo, cresce a idéia, em países de tradição romanística, de uma
função  punitiva da responsabilidade civil.
2
 A  indenização punitiva surge como instrumento jurídico construído a partir do  princípio da dignidade humana, com a finalidade de proteger essa dignidade em suas variadas representações. A idéia de conferir o caráter de pena à indenização do dano moral pode ser justificada pela necessidade de proteção da dignidade da pessoa e dos direitos da personalidade, pelo menos em situações especiais, nas quais não haja outro instrumento que atenda adequadamente a essa finalidade. Além disso, responderia a um imperativo ético que deve permear todo o ordenamento jurídico.
Todavia a noção de indenização punitiva, porque distanciada de nossa tradição
jurídica mais recente, ainda encontra considerável resistência de uma parte da doutrina, que tem apresentado várias objeções, algumas de caráter científico, outras, no entanto, carregadas de apelo emocional e motivadas pelo temor da repercussão que o instituto pode provocar nas relações socioeconômicas.
3
Pretende-se demonstrar que a idéia da indenização punitiva é coerente com os
princípios que informam o nosso Direito e constitui um mecanismo consistente e apto à consecução dos fins para ele almejados.
Antes, porém, cabe uma breve nota acerca da doutrina dos punitive damages no
Direito norte-americano, onde o instituto encontrou maior desenvolvimento.

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