sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O Direito A Saber A Origem Genética Em Virtude De Reprodução Assistida Com Doação De Gametas

Autora: Maria Aglaé Tedesco Vilardo

            
 
            Quando falamos em reprodução assistida, existe a possibilidade de que o sêmen, ou óvulo, não pertença à pessoa que deseja ter o filho. Recorre-se, então, a um banco de doadores.

            As clínicas médicas estão preparadas para realizar o procedimento, oferecendo, ao doador do material, sigilo quanto aos seus dados. O compromisso é firmado com os interessados na realização do procedimento, que tomam ciência e assinam termo de compromisso quanto ao sigilo. Portanto, possuem conhecimento de que não será possível exigir informações sobre o doador.

            É possível impor o sigilo à criança gerada? Ao nascer e crescer, a criança, estará automaticamente envolvida no compromisso firmado entre seus pais e os doadores?

            O direito à origem biológica, saber quem são os pais biológicos e como sua história teve início, é um direito personalíssimo. Este tipo de direito diz respeito ao Ser de cada indivíduo. São direitos inalienáveis e intransferíveis por serem essenciais ao Ser. Na maioria das vezes são direitos inatos e estão presentes para preservação do bem estar físico e moral da pessoa, portanto, não é exterior ao sujeito. Possuem caráter não-patrimonial, porém, se violados, podem ser objeto de indenização. Assim, todos são obrigados juridicamente a não causar danos aos direitos de personalidade de outrem.

            Alguns exemplos são o direito ao nome, à liberdade, à integridade física, à honra.  O direito ao nome, por exemplo, destaca a individualidade de cada um, distinguindo dos demais. Através do nome, a identidade pessoal é tutelada pelo Estado que deve reconhecer a necessidade de preservar e respeitar a individualidade. Embora não seja um direito inato, porque depende do reconhecimento da relação de filiação biológica ou um ato de concessão, é um direito essencial, pois o ordenamento jurídico, simplesmente, não pode negá-lo, sob hipótese alguma. Os efeitos, deste reconhecimento ou concessão, são retroativos à data do nascimento, o momento em que se adquire personalidade.

            O direito à identidade pessoal não se limita ao direito ao nome. A imagem também identifica os indivíduos. Ao longo da vida, este direito à identidade pode tornar necessária a mudança do nome, mesmo tratando-se de direito indisponível e irrenunciável, características dos direitos personalíssimos. A indisponibilidade significa que o indivíduo não possui a faculdade de disposição deste direito segundo a própria vontade e a irrenunciabilidade significa que não pode ser eliminado por vontade do seu titular. Todavia, estas características não impedem a mudança do nome, que, por razões diversas, pode ocorrer, pois permanecem, de todo modo, na esfera do próprio titular, com toda intensidade.

            Uma das razões para mudança é a adoção. Tanto o nome quanto o sobrenome poderão ser modificados pela adoção. Ao mencionarmos que o direito ao nome não é inato, por ser reconhecido na filiação ou concedido, caso a criança seja adotada caberá a concessão do sobrenome dos adotantes e até mesmo a mudança do nome da criança. Ao nascer se reconhece, em regra, a filiação biológica. A adoção proporciona a concessão de uma nova identidade, sem alterar as características de direito de personalidade.

            Um bebê, nascido por reprodução assistida, com doação de gametas, não recebe o registro da filiação biológica, mas uma ficção reconhecida pelo direito. O nome, então, é concedido ao bebê. A identidade a ser adquirida deve ser proveniente dos que desejaram a concepção, mas não dos que colaboraram com a doação de gametas. Há um acerto prévio quanto ao reconhecimento. São regras morais e algumas poucas normas legais que traçam este perfil.

            Para a criança adotada, há extensa legislação quanto aos direitos e deveres decorrentes da adoção, previstas no Estatuto da Criança e Adolescente, legislação de 1990. A par de todo o previsto na lei, há um artigo em especial que desperta atenção. O art. 48, acrescentado em 2009, afirma que “O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos”.

            Este artigo reconhece, expressamente, o direito ao adotado em saber quem são seus pais biológicos, quem é sua família de origem e, ainda, conhecer detalhes de todo o processo que culminou em sua adoção e seus incidentes.

            Ainda que admita ser possível somente após os 18 anos, o parágrafo único esclarece que “O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica.

            A clareza deste norma traz a certeza de que todo adotado poderá buscar sua origem genética, se assim desejar. Este é um direito personalíssimo por se relacionar diretamente com o Ser da criança e ter ligação ao seu interior. Aliás, nada mais ligado ao Ser do que a origem genética de cada um, a própria razão de existir. De tal forma relevante, que, mesmo que se queira, é impossível a alienação ou mutabilidade, o que demonstra ser um direito personalíssimo inato.

            Caracterizado o direito ao conhecimento da origem genética como um direito personalíssimo, deve-se fazer a correlação com os direitos próprios às crianças nascidas de reprodução assistida. Nenhuma criança ou adolescente pode ser objeto de qualquer forma de discriminação, como consta do art. 5º do ECA. Tratar, as crianças, de forma diferente é deixar de considerar que todos são iguais perante a lei, norma de direito fundamental prevista na Constituição Federal.

            Por isso, não há razão para não se reconhecer o mesmo direito aos filhos de reprodução assistida, mesmo havendo um contrato de sigilo, o que não ocorre na adoção.

            O acordo de sigilo é firmado entre a clínica, o doador e os interessados na técnica de reprodução. Qualquer contrato somente faz lei entre as partes. Não se pode submeter um terceiro, que vivenciará o reflexo de todos os atos dos adultos, às regras do acordo, violando seu direito personalíssimo a conhecer sua história de vida.

            Evidente que, toda criança nascida de técnica de reprodução assistida com doação de gametas, possui o direito personalíssimo a conhecer sua origem genética, seus pais biológicos. Do mesmo modo, devem as clínicas preservar toda e qualquer informação sobre o procedimento ocorrido, sendo passível de indenização civil a destruição destas informações, como ocorreu recentemente em caso judicial no Canadá.

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