A escritura pública em que o casal
renunciou à prestação de alimentos quando ainda convivia em união estável não
perdura em situação de necessidade de um dos companheiros. A decisão é da Quarta
ao julgar recurso em que o ex-companheiro pediu que fosse liberado da prestação
de alimentos, por conta da consolidação de ato jurídico perfeito – expresso na
escritura de reconhecimento de união estável em que havia cláusula de renúncia à
assistência material mútua.
No caso, a ex-companheira ajuizou
ação de alimentos com a alegação de que viveu dez anos em união estável e passou
a sofrer de um câncer de pulmão, que lhe impôs restrições financeiras. A
renúncia à assistência material mútua foi assinada nos primeiros tempos do
relacionamento, quando ambos tinham capacidade econômica considerável, e a
doença da mulher surgiu enquanto o casal ainda vivia junto.
O pedido, em primeiro grau, foi
julgado parcialmente procedente para condenar o ex-companheiro a pagar pensão de
R$ 3 mil até a alta médica. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro confirmou a
decisão ao fundamento de que, em se tratando de prestação de alimentos, é
indispensável a verificação do estado de possibilidade-necessidade, conforme o
disposto no parágrafo 1º do artigo 1.694 do Código Civil.
O STJ já havia enfrentado matéria
dessa natureza, só que em casos nos quais a renúncia aos alimentos se deu ao
término da relação conjugal. Para esses casos, está firmado o entendimento de
que, “após a homologação do divórcio, não pode o ex-cônjuge pleitear alimentos
se deles desistiu expressamente por ocasião do acordo de separação consensual”
(Ag 1.044.922). A nova hipótese tratou da dispensa de alimentos quando ainda
existentes os laços conjugais.
O ex-companheiro alegou no STJ que a
mulher tem padrão de vida elevado e que sua doença não seria motivo para a
Justiça lhe impor a obrigação de prestar alimentos. Disse que não teria
condições de contribuir para o sustento da ex-parceira, pois é portador de
doenças degenerativas graves – mal de Parkinson e Alzheimer.
O artigo 2º, inciso II, da
Lei 9.278/96 afirma que a prestação de assistência moral e material
recíproca é um direito e um dever dos conviventes. O artigo 1.699 do Código
Civil dispõe que, uma vez fixados os alimentos, se “sobrevier mudança na
situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o
interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou
majoração do encargo”.
Segundo o relator, ministro Raul
Araújo, o processo informa que a doença acarretou à mulher redução considerável
de sua capacidade de trabalho, comprometendo, ainda que temporariamente, sua
situação financeira. No momento da ruptura da sociedade conjugal, a situação que
antes lhe permitia renunciar aos alimentos já não existia.
Tanto esses fatos como a capacidade
financeira do ex-companheiro foram reconhecidos pela Justiça estadual mediante a
análise das provas do processo e não podem ser revistos pelo STJ, conforme
assinalou o relator com base na Súmula 7 do tribunal.
O ministro afirmou que a assistência
material mútua constitui tanto um direito como um dever para ambos, e que tal
direito não é passível de renúncia durante a relação conjugal, pois tem previsão
expressa na lei.
“Ante o princípio da
irrenunciabilidade dos alimentos, decorrente do dever de mútua assistência
expressamente previsto nos dispositivos legais, não se pode ter como válida
disposição que implique renúncia aos alimentos na constância da união, pois
esses, como dito, são irrenunciáveis”, declarou.
Nesse contexto – considerou o relator
–, apesar de ser válida e eficaz a renúncia manifestada por ocasião de acordo de
separação judicial ou de divórcio, ela não pode ser admitida na constância do
vínculo familiar, nos termos da jurisprudência do STJ.
“Portanto, dissolvida a união
estável, mostra-se perfeitamente possível a fixação de alimentos transitórios,
nos termos do fixado pelas instâncias ordinárias”, afirmou Raul
Araújo.
O número deste processo não é
divulgado em razão de segredo judicial.
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