quinta-feira, 25 de junho de 2015

Justiça Federal do Sul do Brasil firma entendimento jurisprudencial sobre famílias paralelas ao casamento

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM com informações do TRF 4


No dia 15 de junho, a Turma Regional de Uniformização (TRU) dos Juizados Especiais Federais (JEFs) da 4ª Região julgou procedente pedido de uniformização, concluindo que em casos de coexistência de relação conjugal e extraconjugal, tanto esposa como companheira devem receber a pensão. A sessão, por videoconferência, interligou os três estados da 4ª Região - Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
No caso, a companheira pediu pensão por morte de segurado com quem mantinha uma relação extraconjugal. Ela alegou que o “concubinato impuro” não tira dela o direito ao benefício. Depois de ter a ação negada pela 2ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul, ela ajuizou pedido de uniformização de jurisprudência com prevalência do entendimento da 2ª TR de Santa Catarina, que concedeu pensão em caso semelhante.
Para o juiz federal Marcelo Malucelli, relator da decisão, “quando se verificam presentes alguns pressupostos tais como a afetividade, a estabilidade e a ostentabilidade, é possível presumir a boa-fé da requerente, de maneira que em tais casos não há obstáculo ao reconhecimento de entidade familiar, no modelo estruturado sob a forma de concubinato”.
Pluralidade das famílias - Para o advogado Marcos Alves da Silva (PR), vice-presidente da Comissão de Ensino Jurídico de Família do IBDFAM, trata-se de decisão “imantada de significados” e consagra a efetividade do príncipio da pluralidade das entidades familiares estabelecido pela Constituição Federal. “Se as famílias, nas suas mais diversas conformações, são merecedoras de especial proteção do Estado, o caput do artigo 226 da Constituição é corretamente absorvido pela interpretação/aplicação da norma constitucional como cláusula de inclusão. A família formada pelo casamento deixa de ser o paradigma único de família tutelada pelo Estado. O matrimônio não é mais concebido como forma hierarquicamente superior às demais formas de arranjos familiares.
Ele explica que, no caso, existiam duas famílias, uma formada pelo casamento e outra formada pela união de fato, sendo o homem integrante de ambos os núcleos familiares. “O critério adotado pela Turma Regional de Uniformização foi o da inclusão. Em outras palavras, o reconhecimento da conjugalidade se dá pela observância da presença de requisitos tais como: afetividade, estabilidade, continuidade e ostensibilidade. Presentes esses requisitos, não há que se falar de ‘concubinato impuro’. Só existe ‘concubinato impuro’ se a família formada pelo casamento for considerada uma família hierarquicamente superior em termos jurídicos. Isto é, se a união estável for considerada uma família de segunda categoria, desprestigiada, impura, porque não revestida do manto da formalidade jurídica da celebração de um ato formal e cartorial”, disse.
O advogado considera a decisão como uma sinalização positiva no sentido de tirar da invisibilidade jurídica este modelo de família. “O critério da monogamia, sempre evocado em situações como esta, converte-se em um meio perverso de negação de uma relação existencial constitutiva da própria pessoa, a sua família. A negação jurídica da história de vida de uma pessoa é a consequência mais grave do modelo superado pela Constituição Federal de 1988. Esta, ao consagrar o princípio da pluralidade das entidades familiares, lançou bases para todo um refazer da concepção de família, evidenciando variadas possibilidades de ser e de se fazer famílias”.
Efeitos da decisão - A decisão é uma uniformização de jurisprudência dos Juizados Especiais Federais (JEFs) do TRF da 4ª Região. Significa que evita soluções completamente diferentes para casos praticamente iguais. Todavia, não significa que todos os demais casos serão enquadrados no mesmo entendimento, ora uniformizado. “A vida não se uniformiza nunca. Da mesma forma que o legalismo carrega em si, potencialmente, o germe da injustiça, uma certa exaltação da súmula vinculante, do procedente, das decisões uniformizadas pode, também, degenerar-se em negação do próprio Direito. Ainda que a decisão aponte para um rumo correto, ao menos em minha avaliação, o dogmatismo não se presta como solução saudável para o Direito. Ela, todavia, balizará, com certeza, as novas decisões de Primeira Instância dos Juizados Especiais Federais (JEFs) do TRF da 4ª Região”, afirma Marcos Alves.
O advogado destaca que não cabe ao Estado ditar como uma família deve estruturar-se e conceber-se. Mas compete ao Estado regular os efeitos da situação jurídica familiar. “A decisão da Turma Regional de Uniformização (TRU) dos Juizados Especiais Federais (JEFs) do TRF da 4ª Região significa vitória importante para o Direito alinhado com uma concepção libertária, fundada na dignidade dapessoa humana, na valorização da pluralidade, na afirmação de um Estado laico e democrático, enfim, na construção de uma sociedade onde caibam todos e a todos seja assegurada a liberdade fundamental, que não é a da propriedade, mas a existencial, isto é, a liberdade de se construir como pessoa na interlocução respeitosa estabelecida também a partir de uma igualmente livre coexistencialidade”.
São inúmeros os casos de pedidos de pensão por morte formulados por mais de uma viúva, conforme explica Marcos Alves da Silva. Ele acredita que entendimentos excludentes de direitos baseados em concepções superadas, atreladas ao modelo único de família, dificilmente prevalecerão. “Não faltam exemplos de casos como os de duas ou mais mulheres integrantes de núcleos familiares distintos, dependentes economicamente de um mesmo homem, que figura como provedor de lares diversos. Seria de todo injusto que existindo sociologicamente, e sendo reconhecida como família por seu entorno social, tais arranjos familiares (especialmente mulheres) fossem condenadas à invisibilidade jurídica”, ressalta.
Supremo deverá se posicionar - Está sob a relatoria do ministro Luiz Fux o Recurso Extraordinário 883.168/SC, ao qual foi atribuído efeito de repercussão geral (Tema 526), ainda sem data para o julgamento. O Recurso trata da possibilidade de rateio de benefício previdenciário entre a viúva do segurado e a companheira com quem mantinha união paralela ao casamento. O IBDFAM vai atuar no processo na qualidade de amicus curiae, prestando informações e esclarecimentos quanto à matéria.
Segundo Marcos Alves, o que está em questão são casos em que o falecido viveu por longos anos, em união pública e notória, formando família com outra mulher, apesar de ser e permanecer casado. A questão jurídica formulada pelo ministro relator é a seguinte: é possível reconhecer direitos previdenciários à pessoa que, durante longo período e com aparência familiar, manteve união com pessoa casada.
Marcos Alves explica que não é tão simples prever a resposta que o Supremo Tribunal Federal dará à indagação formulada pelo ministro Luiz Fux, visto que o que está em questão são dois paradigmas, duas concepções de família. “A consciência jurídica mais conservadora ainda hospeda a concepção do casamento como o paradigma supremo de constituição de família. Se o casamento é tomado como referência maior, surge de plano a questão do princípio da monogamia, consagrado pelo Direito Canônico e recepcionado pelas codificações civis oitocentistas. Chega-se ao ponto de não se admitir a existência de duas uniões estáveis simultâneas. Uma delas, para os adeptos desta perspectiva, deve ser considerada concubinária. Vê-se, pois, com muita clareza, que o matrimônio segue lançando sua forte sombra sobre as demais formas de ser e se fazer família. Conclui-se que o modelo matrimonial tem peso e permanência. E mais: vive-se neste momento, no Brasil, e talvez no mundo, o recrudescimento das posturas conservadoras e autoritárias. Um certo moralismo punitivo ganha, dia a dia, dimensão que até bem poucos anos seria inimaginável. Logo, não podem ser menosprezadas as posturas reacionárias da sociedade que têm ganhado expressão privilegiada nas redes sociais. Os ministros do STF não estão isentos das influências de seu tempo. Não são seres atemporais. Toda essa conjuntura de tendência reacionária inspira preocupação e incertezas”, reflete.
Por outro lado, assegura Marcos Alves, há avanços da sociedade que não admitem retrocessos. “O Supremo Tribunal Federal, como corte constitucional, tem a função de promover a interpretação dinâmica da Constituição da República. Desta forma, em relação à matéria das famílias simultâneas, espero que o Supremo Tribunal Federal seja sensível e fiel aos princípios constitucionais. Se forem observados os princípios da dignidade da pessoa humana, em seus sentidos mais verticais; da liberdade em sua dimensão mais importante, a existencial; da igualdade, especialmente a substancial; da solidariedade e da democracia, com suas reverberações para além da praça, alcançando a intimidade da casa, da vida privada, não tenho dúvida alguma de que a onda conservadora não terá força para impor retrocessos, e o direito à diversidade será mantido”.
Acesse a petição do IBDFAM.

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