Sem cirurgia, Justiça autoriza que jovem mude nome e gênero
Decisão foi obtida com apoio da Defensoria Pública do Estado
POR DANDARA TINOCO / JANAÍNA FIGUEIREDO*
02/10/2014 6:00 / ATUALIZADO 02/10/2014 14:31
Nova identidade: 'É importante ser reconhecida como você se
vê, afirma Milena, de 25 anos
Foto: Divulgação/DPGE-RJ/ / Gláucio Burle
Nova identidade: 'É importante ser reconhecida como você se
vê, afirma Milena, de 25 anos - Divulgação/DPGE-RJ/ / Gláucio Burle
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RIO E BUENOS AIRES - Ação que as vezes dura menos que uma
dezena de segundos, o ato de mostrar a carteira de identidade em guichês que se
impõe nas tarefas cotidianas tem gerado grande expectativa em Milena Pires
Santana. Esse é o nome que a jovem de 25 anos verá estampado em seus documentos
dentro de poucas semanas. Milena é transexual e conseguiu autorização judicial
para mudar de nome e de gênero em certidões, mesmo sem ter passado por cirurgia
de transgenitalização, procedimento conhecido como mudança de sexo.
- Agora terei documentos que condizem com minha aparência.
Já passei por muitas situações constrangedoras. Em consultórios médicos, por
exemplo: a recepcionista chama pelo nome masculino e levanta uma mulher - conta
Milena, lembrando os olhares inquisidores que a acompanharam ao longo dos
últimos anos.
A sentença que favoreceu Milena foi obtida com apoio da
Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, por meio do Núcleo de Defesa da
Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos (Nudiversis). A juíza Maria Aglae
Tedesco Vilardo, da 15ª Vara de Família da Capital, proferiu a decisão
permitindo que Milena deixe de usar o nome masculino.
Coordenadora do Nudiversis, a defensora pública Luciana Mota
explica que o caso é relevante, sobretudo por ter autorizado a mudança de
gênero sem que Milena tenha passado pela intervenção médica.
- Com a cirurgia, já há um entendimento meio pacificado
entre os magistrados sobre a mudança de nome e gênero. Mas decisões como essa
são importantes por garantir à pessoa o direito de usar o corpo da forma que
acha cabível, justo e digno. Há quem não queira fazer cirurgia, mas, ainda
assim, deseja obter nova identidade de gênero no documento - afirma a defensora
pública, acrescentando que, na defensoria, há cerca de cem ações pedindo a
mudança de nome e gênero que aguardam julgamento.
DIFICULDADES NO MERCADO DE TRABALHO
Milena deseja fazer a operação de transgenitalização, mas
ainda aguarda o desenrolar do processo de preparação para a cirurgia. A jovem
conta que se reconhece como mulher desde a infância. A partir dos 18 anos,
começou a se apresentar como tal. Formada em Letras, ela diz ter esbarrado em
dificuldades para entrar no mercado de trabalho por ser transexual.
- As entrevistas de emprego eram situações extremamente
traumáticas. Eu me apresentava como mulher, mas, quando o possível empregador
via meus documentos com nome e gênero masculinos, mudava de postura. Tenho
certeza que deixei de conseguir muitos empregos por causa disso.
No segundo semestre do ano passado, Milena entrou no projeto
Damas, da Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual da Prefeitura do Rio.
Atualmente, ela trabalha na própria Defensoria Pública do Estado, pela qual deu
entrada na ação. Com os novos documentos prontos, além de comemorar, ela
pretende se inscrever em um curso de pós-graduação.
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- Na faculdade, tive a sorte de encontrar professores
tranquilos que aceitavam atender o pedido de mudar o meu nome na chamada.
Agora, não precisarei mais contar com isso. É importante ser reconhecida como
você se vê. É uma grande vitória.
NA ARGENTINA, TRÂMITE SIMPLES PARA ALTERAÇÃO
Ela é uma das travestis mais famosas da Argentina e este ano
“voltou a nascer” graças à Lei de Identidade de Gênero, aprovada em meados de
2012 pelo Congresso Nacional, por iniciativa do governo da presidente Cristina
Kirchner. Sua nova certidão de nascimento confirma o que ela sente há mais de
20 anos: seu gênero é feminino. Assim, com um simples trâmite realizado num
cartório, sem necessidade de exames médicos ou psiquiátricos, como exigem
outros países, Juan Carlos Junco (seu nome artístico é Oggi Junco) passou a
chamar-se Oriana Junco.
Esse é apenas um das várias centenas de casos (não existem
ainda estatísticas oficiais) de mudança de gênero no país, uma das revoluções
da era kirchnerista. Cristina também é reconhecida entre setores progressistas
pela Lei de Casamento Gay, vigente desde 2010, graças à qual quase dez mil
casais gays puderam formalizar sua união.
- Já estava cansada de algumas situações, por exemplo, nos
aeroportos, com os cartões de crédito, tudo isso me deixava de mau humor. Hoje
sou o que sempre quis ser - disse Oriana em entrevista ao GLOBO.
Perguntada sobre sua gratidão ao governo Kirchner, ela
respondeu de forma taxativa:
- Gratidão não, porque são nossos direitos. É como se os
negros tivessem de agradecer pela abolição da escravidão.
A Lei de Identidade de Gênero argentina é uma iniciativa
inédita no mundo, que permite a modificação de gênero e nome no documento
nacional de identidade (DNI), simplesmente fazendo um pedido em qualquer
cartório da Argentina.
Alguns casos foram notícia no mundo inteiro, entre eles o de
Luana, que com apenas seis anos solicitou a modificação de seu DNI. A menina
nasceu com genitais masculinos, mas sua mãe, Gabriela Mansilla, aceitou a
modificação de gênero porque a filha “se identifica com o sexo feminino desde
os dois anos”.
- É o primeiro caso no mundo de mudança de gênero de uma
criança tão pequena - disse o presidente da Comunidade Homossexual Argentina
(CHA), César Cigliutti, acrescentando que, no primeiro mês de vigência da lei,
em 2012, três mil pessoas foram favorecidas.
Em carta publicada no jornal “Página 12”, a mãe de Luana
defendeu a nova lei: “Todos os transexuais foram crianças uma vez. Se você
perguntar a qualquer transexual, tudo se resume a sua primeira infância”.
Gabriela revelou que a filha atravessou crises emocionais muito delicadas. “Ela
é feliz desde que começou a ser tratada como mulher”, revelou.
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