Artigo: Guarda e Convivência dos Filhos Após a Lei nº 11.698/2008
Autor:Paulo Lôbo
Doutor em Direito Civil pela USP; Conselheiro do Conselho
Nacional de Justiça; Membro da Diretoria Nacional do
IBDFAM e da International Society of Family Law.
Destaque-se parte do artigo publicado na Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões/Edições/6 - Out/Nov 2008 - Revista Magister de Direito das Famílias e Sucessões
6 A Guarda Compartilhada como Preferencial
A Lei nº 11.698, de 2008, promoveu alteração radical no modelo de guarda dos filhos, até então dominante no direito brasileiro, ou seja, da guarda unilateral conjugada com o direito de visita. A lei, com nosso aplauso, instituiu a preferência pela guarda compartilhada, que somente deve ser afastada quando o melhor interesse dos filhos recomendar a guarda unilateral. A guarda compartilhada era cercada pelo ceticismo dos profissionais do direito e pela resistência da doutrina, que apenas a concebia como faculdade dos pais, em razão da dificuldade destes em superarem os conflitos e a exaltação de ânimos emergentes da separação. Havia difundido convencimento de que a guarda compartilhada dependia do amadurecimento sentimental do casal, da superação das divergências e do firme propósito de pôr os filhos em primeiro plano, o que só ocorria em situações raras. A lei ignorou esses obstáculos e determinou sua preferência obrigatória, impondo-se ao juiz sua observância. A guarda compartilhada não é mais subordinada ao acordo dos genitores quando se separam. Ao contrário, quando não houver acordo "será aplicada" pelo juiz, sempre que possível, na expressa previsão do § 2º do art. 1.584 do Código Civil, com a redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008.
A guarda compartilhada pode ser requerida ao juiz por ambos os pais, em comum acordo, ou por um deles nas ações litigiosas de separação, divórcio, dissolução de união estável, ou ainda, em medida cautelar preparatória de uma dessas ações. Durante o curso de uma dessas ações, ao juiz foi atribuída a faculdade de decretar a guarda compartilhada, ainda que não tenha sido requerida por qualquer dos pais, quando constatar que ela se impõe para atender as necessidades específicas do filho, por não ser conveniente que aguarde o desenlace da ação. A formação e o desenvolvimento do filho não podem esperar o tempo do processo, pois seu tempo é o da vida que flui.
A guarda compartilhada é exercida em conjunto pelos pais separados, de modo a assegurar aos filhos a convivência e o acesso livres a ambos. Nessa modalidade, a guarda é substituída pelo direito à convivência dos filhos em relação aos pais. Ainda que separados, os pais exercem em plenitude o poder familiar. Conseqüentemente, tornam-se desnecessários a guarda exclusiva e o direito de visita, geradores de "pais de fins de semana" ou de "mães de feriados", que privam os filhos de suas presenças cotidianas. A guarda unilateral estimula o que a doutrina tem denominado de alienação parental, quando o genitor que não a detém termina por se distanciar do filho, ante as dificuldades de convivência com este, máxime quando constitui nova família. Dada a preferência da guarda para a mãe, é crescente o número de famílias chefiadas por mulheres separadas, em que os filhos são privados da figura paterna, em prejuízo de sua formação e estabilidade emocional. A guarda compartilhada assegura a preservação da co-parentalidade e co-responsabilidade em relação ao filho, que tem direito de conviver e ser formado por ambos os pais, com igualdade de condições.
Na guarda compartilhada é definida a residência de um dos pais, onde viverá ou permanecerá. Essa providência é importante, para garantir-lhe a referência de um lar, para suas relações de vida, ainda que tenha liberdade de freqüentar a do outro; ou mesmo de viver alternadamente em uma e outra. A experiência tem demonstrado que a perda de referência da residência, para si mesmo e para os outros, compromete a estabilidade emocional do filho. O que se espera dos pais é a responsabilidade em encontrar o ponto de equilíbrio entre o direito-dever de convivência e a relação de pertencimento a um lugar, que integra a vida de toda pessoa humana; ou do juiz, quando os pais não se entenderem.
A guarda compartilhada tem por finalidade essencial a igualdade na decisão em relação ao filho ou co-responsabilidade, em todas as situações existenciais e patrimoniais. Conseqüentemente, não há impedimento a que seja escolhida ou decretada pelo juiz, quando os pais residirem em cidades, estados, ou até mesmo em países diferentes, pois as decisões podem ser tomadas a distância, máxime com o atual desenvolvimento tecnológico das comunicações.
A guarda compartilhada é caracterizada pela manutenção responsável e solidária dos direitos-deveres inerentes ao poder familiar, minimizando-se os efeitos da separação dos pais. Ela incita o diálogo, ainda que cada genitor tenha constituído nova vida familiar. Assim, preferencialmente, os pais permanecem com as mesmas divisões de tarefas que mantinham quando conviviam, acompanhando conjuntamente a formação e o desenvolvimento do filho. Nesse sentido, na medida das possibilidades de cada um, devem participar das atividades de estudos, de esporte e de lazer do filho. O ponto mais importante é a convivência compartilhada, pois o filho deve sentir-se "em casa" tanto na residência de um quanto na de outro. Em algumas experiências bem-sucedidas de guarda compartilhada, mantêm-se quartos e objetos pessoais do filho em ambas as residências, ainda quando seus pais tenham constituído novas famílias.
O modo de compartilhamento das responsabilidades e, sobretudo, da efetivação da convivência do filho com seus pais, quando estes não se entendem, é decisão do juiz de família, que deve ouvir sempre a equipe multidisciplinar que o assessora, ou fundamentar-se em orientação técnico-profissional. Os períodos de convivência do filho com seus pais não necessitam ser rigorosamente iguais, para que o filho não tenha uma existência partida. Uma certa flexibilidade para adaptação deve ser preservada, diante das circunstâncias, imprevistos e exigências da vida (viagens com um deles, festas em famílias e com amigos, cursos fora da cidade).
São evidentes as vantagens da guarda compartilhada: prioriza o melhor interesse dos filhos e da família, prioriza o poder familiar em sua extensão e a igualdade dos gêneros no exercício da parentalidade, bem como a diferenciação de suas funções, não ficando um dos pais como mero coadjuvante, e privilegia a continuidade das relações da criança com seus dois pais. Respeita a família enquanto sistema, maior do que a soma das partes, que não se dissolve, mas se transforma, devendo continuar sua finalidade de cuidado, proteção e amparo dos menores. Diminui, preventivamente, as disputas passionais pelos filhos, remetendo, no caso de litígio, o conflito conjugal para seu âmbito original, que é o das relações entre os adultos. As relações de solidariedade e do exercício complementar das funções, por meio da cooperação, são fortalecidas a despeito da crise conjugal que o casal atravesse no processo de separação.
Para o sucesso da guarda compartilhada é necessário o trabalho conjunto do juiz e das equipes multidisciplinares das Varas de Família, para o convencimento dos pais e para a superação de seus conflitos. Sem um mínimo de entendimento a guarda compartilhada pode não contemplar o melhor interesse do filho. Por outro lado, não é recomendável quando haja ocorrência de violência familiar contra o filho, por parte de um dos pais.
O uso da mediação é valioso para o bom resultado da guarda compartilhada, como tem demonstrado sua aplicação no Brasil e no estrangeiro. Na mediação familiar exitosa, os pais, em sessões sucessivas com o mediador, alcançam um grau satisfatório de consenso acerca do modo como exercitarão em conjunto a guarda. O mediador nada decide, pois não lhe compete julgar nem definir os direitos de cada um, o que contribui para a solidez da transação concluída pelos pais, com sua contribuição.
Sob o ponto de vista dos princípios constitucionais da solidariedade do melhor interesse da criança e da convivência familiar, a guarda compartilhada é indiscutivelmente a modalidade que melhor os realiza. A guarda compartilhada, por ser preferencial, apenas deve ser substituída pela guarda unilateral quando se evidenciar que não será benéfica ao filho, dadas as circunstâncias particulares e pessoais.
Uma modalidade que se aproxima da guarda compartilhada é a guarda alternada. Nesta, o tempo de convivência do filho é dividido entre os pais, passando a viver alternadamente, de acordo com o que ajustarem os pais ou o que for decidido pelo juiz, na residência de um e de outro. Por exemplo, o filho reside com um dos pais durante o período escolar e com o outro durante as férias, notadamente quando as residências forem em cidades diferentes. Alguns denominam essa modalidade de residências alternadas. A doutrina especializada recomenda que sua utilização deva ser feita em situação excepcional, porque não preenche os requisitos essenciais da guarda compartilhada, a saber, a convivência simultânea com os pais, a co-responsabilidade pelo exercício do poder familiar, a definição da residência preferencial do filho.
A opção preferencial da lei pela guarda compartilhada não é novidade no direito brasileiro, ao contrário do senso comum dos profissionais do direito. O STF, ainda que sem referência expressa à guarda compartilhada, em decisão datada de 1967, já manifestava orientação no sentido de superação da díade reducionista guarda exclusiva/direito de visita, por um modelo mais em conformidade com o melhor interesse do filho: "O juiz, ao dirimir divergência entre pai e mãe, não se deve restringir a regular visitas, estabelecendo limitados horários em dia determinado da semana, o que representa medida mínima. Preocupação do juiz, nesta ordenação, será propiciar a manutenção das relações dos pais com os filhos. É preciso fixar regras que não permitam que se desfaça a relação afetiva entre pai e filho, entre mãe e filho. Em relação à guarda dos filhos, em qualquer momento, o juiz pode ser chamado a revisar a decisão, atento ao sistema legal. O que prepondera é o interesse dos filhos, e não a pretensão do pai ou da mãe" (RE 60.265-RJ). Esta decisão de nossa Corte Maior, de extrema atualidade, sublinha os elementos essenciais que configuram a guarda compartilhada.
Fonte: Editora Magister
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