segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Cadastro de adotantes e adoção intuitu personae

Superior Tribunal de Justiça
AgRg na MEDIDA CAUTELAR Nº 15.097 - MG (2008/0283376-7)
RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDA
AGRAVANTE : J R R
AGRAVANTE : T G C R
ADVOGADO : HELISSON PAIVA ROCHA
AGRAVADO : L C B
AGRAVADO : A C G S B
ADVOGADO : EXPEDITO LUCAS DA SILVA E OUTRO(S)
AGRAVADO : A C DA C
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):
Cuida-se de agravo regimental interposto por J. R. R. e T. G. C. R.
em face da decisão monocrática de fls. 551/557, da lavra desta Relatoria, assim
ementada:
"MEDIDA CAUTELAR - ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO
AO AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO CONTA DECISÃO
QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL -
POSSIBILIDADE, EXCEPCIONALMENTE - AFERIÇÃO DA
PREVALÊNCIA ENTRE O CADASTRO DE ADOTANTES E A
ADOÇÃO INTUITU PERSONAE - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO
MELHOR INTERESSE DO MENOR - ESTABELECIMENTO DE
VÍNCULO AFETIVO DA MENOR COM O CASAL DE ADOTANTES
NÃO CADASTRADOS, COM O QUAL FICOU DURANTE OS
PRIMEIROS OITO MESES DE VIDA - APARÊNCIA DE BOM
DIREITO - OCORRÊNCIA - ENTREGA DA MENOR PARA OUTRO
CASAL CADASTRADO - PERICULUM IN MORA - VERIFICAÇÃO -
PEDIDO CAUTELAR DEFERIDO. " (D.J. 26.9.2008 - fl. 609)
Buscam os agravantes a reforma do r. decisum , sustentando,
preliminarmente, que o recurso especial foi interposto fora de prazo, a considerar a
intempestividade dos embargos de declaração opostos contra o acórdão recorrido.
No mérito, alegam que a guarda que lhes foi anteriormente concedida é plenamente
justificável em razão da inscrição no cadastro de adotantes. Ressaltam, assim, que
a retirada da menor do seio familiar escolhido pelo r. Juízo a quo, pode provocar
enormes gravames. Aduzem, também, que além do relatório da Central de Serviço
Social e Psicologia apontar apenas aspectos positivos acerca da convivência da
infante com sua família, os agravados não trouxeram qualquer argumento que
afastasse a qualificação do casal para adotar a menor. (fls. 652/663).
É o relatório.
AgRg na MEDIDA CAUTELAR Nº 15.097 - MG (2008/0283376-7)
EMENTA
Documento: 4756444 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 de 5
Superior Tribunal de Justiça
AGRAVO REGIMENTAL - MEDIDA CAUTELAR - AFERIÇÃO DA
PREVALÊNCIA ENTRE O CADASTRO DE ADOTANTES E A
ADOÇÃO INTUITU PERSONAE - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO
MELHOR INTERESSE DO MENOR - ESTABELECIMENTO DE
VÍNCULO AFETIVO DA MENOR COM O CASAL DE ADOTANTES
NÃO CADASTRADOS, COM O QUAL FICOU DURANTE OS
PRIMEIROS OITO MESES DE VIDA - APARÊNCIA DE BOM
DIREITO - OCORRÊNCIA - ENTREGA DA MENOR PARA OUTRO
CASAL CADASTRADO - PERICULUM IN MORA - VERIFICAÇÃO -
RECURSO IMPROVIDO.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):
Inicialmente, no que se refere aos embargos de declaração opostos
em face do acórdão recorrido, é certo que o Tribunal de origem deixou de
conhecê-los por não detectar qualquer dos vícios constantes do artigo 535 do CPC,
e não, como quer fazer crer os ora agravantes, pelo reconhecimento da
intempestividade (ut fls. 232/235). Ademais, é certo que os embargos de declaração
foram opostos em 4.8.2008 (fl. 158), enquanto que o acórdão embargado fora
publicado em 29.7.2008 (fl. 176), o que denota a tempestividade daqueles. Também
se mostra tempestivo o recurso especial, interposto em 21.10.2008 (fl. 242), a
considerar a publicação do acórdão que julgou os embargos de declaração em
6.10.2008 (fl. 236).
No mais, o presente agravo regimental não merece provimento, uma
vez que, in casu, não foi trazido qualquer subsídio pela parte ora agravante com
capacidade de possibilitar a alteração dos fundamentos da r. decisão vergastada.
Conforme exposto na decisão agravada, a questão discutida na
ação de adoção centra-se em saber se o cadastro de adotantes deve prevalecer em
detrimento da pretensão dos ora agravados de adotar criança que esteve sob a
guarda destes - a partir de seu nascimento até os seus primeiros oitos meses de
vida - por conta, ressalte-se, de uma decisão judicial.
Constatou-se que a controvérsia deveria ser analisada sob a
perspectiva dinâmica dos fatos, e não, simplesmente, aferir o acerto ou não da
decisão combatida (que determinou a retirada da criança da guarda dos ora
agravados), quando de sua prolação.
In casu, após o nascimento de L. C. da C, compareceram em Juízo
a mãe da menor, A. C. da C., e o casal, ora agravado, onde assinaram o Termo de
Declaração, no qual há expressa manifestação de vontade da primeira em consentir
a doação de sua filha a L. C. B. e A. C. G. S. B., razão pela qual o r. Juízo
plantonista, em 28.12.2007, autorizou a permanência da menor, sob a guarda do
casal, pelo prazo de trinta dias (fls 75/76). Conclusos os autos ao r. Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal e de Menores da Comarca de Sete Lagoas/MG determinou, em
25.1.2008, a imediata expedição de busca e apreensão da menor. Decisão,contudo, que sequer chegou a produzir efeitos, porquanto o i.desembargador-relator, em 26.1.2008, em sede de agravo de instrumento, deferiu ao recurso efeito suspensivo, sob o argumento de que o procedimento para adoção não se sobrepõe ao princípio do melhor interesse do menor, determinando a imediata entrega da menor ao casal, ora agravado, com a realização de estudo psicossocial destes e ouvido o representante do Ministério Público (fl. 103/104).
É certo, portanto, que, em razão de uma decisão judicial, a infante
permaneceu, ininterruptamente, com os ora agravados durante os seus primeiros
oito meses de sua vida.
Em 29.7.2008, o Agravo de Instrumento n. 1.0672.08.277590-5/001
restou julgado improvido pela 2ª Câmara Cível do e. Tribunal de Justiça do Estado
de Minas Gerais, restabelecendo-se, assim, a decisão que determinou a busca e
apreensão da menor (fls. 171/176). Posteriormente, como se verificou, a guarda fora
conferida aos ora agravantes por constarem do cadastro geral.
O fundamento adotado pelo Tribunal de origem, contudo, estribou-se no fato de que a criança por contar com menos de um ano de idade, e, considerando a formalidade do cadastro, poderia ser afastada deste casal adotante (ora agravados).
Tem-se, entretanto, que, em tese, não foi levado em consideração o único e imprescindível critério a ser observado, qual seja, a existência de vínculo de
afetividade da infante com o casal adotante. Dever-se-ia, preponderantemente,
perscrutar o estabelecimento por parte da criança de vínculo afetivo com os ora
agravados, que, se presente, torna legítima, indubitavelmente, a adoção intuitu
personae.
Sobre o registro de pessoas interessada à adoção, considerando seu caráter exclusivamente enunciativo, deixou-se assente que: "Veja-se, inicialmente, não se olvidar os nobres propósitos contidos no artigo 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que preconiza a manutenção, em comarca ou foro regional, de um registro de pessoas interessadas na adoção, e legitimamente incentivado, recentemente, pelo Conselho Nacional de Justiça, com a edição, inclusive, da Resolução n. 54.
É certo, contudo, que a observância de tal cadastro, vale dizer, a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar determinada criança não é absoluta. E nem poderia ser.
Excepciona-se tal regramento, em observância ao princípio do melhor interesse do menor, basilar e norteador de todo o sistema protecionista do menor, na hipótese de existir vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, ainda que este não se encontre sequer cadastrado no referido registro."
Em relação à afetividade do casal, ora agravado, e o período referente aos primeiros oito meses de vida da criança, consignou-se que: "No caso dos autos, em análise perfunctória, tem-se que a guarda de uma criança, sem interrupções como é o caso dos autos, durante os seus primeiros oito meses de vida, tem o condão de estabelecer
o vínculo de afetividade da menor com os pais adotivos.
Na espécie, não é demasiado destacar, no parecer elaborado pelo Serviço Social e Psicologia do Tribunal de Justiça, em atendimento à determinação do i.desembargador-relator, a identificação de traços de vínculo de afetividade já no início da guarda provisória (entrevista datada de 7.2.2008):
'O forte desejo de ser mãe, aliado ao sentimento maternal que nela se desenvolveu, segundo relatou o casal em tela, levou a Sra. A. a buscar auxílio médico para que ela pudesse amamentar a pequena L. Assim, relatam, ainda, que ela começou a fazer uso
de medicação destinada a estimular a produção de Prolactina, hormônio responsável pela produção de leite, e dessa forma a criança tem recebido uma alimentação mista, alternando o peito e a mamadeira com o leite NAN. [...] Em visita domiciliar fomos
recebidos pela Sra. A, que se encontrava nos cuidados com a pequena L., inclusive, a amamentando. Observamos que a L. apresenta-se bem cuidada, e apesar da pouca idade procura pela voz da Sra. A., já com alguma referência. Durante nossa permanência na residência do casal em tela, o Sr. L. C. também se fez presente, chegando ele logo após a nossa visita domiciliar. [...] O casal mostra-se capaz de estabelecer vínculos
afetivos duradouros e demonstram estarem fortemente envolvidos com L., à qual, durante toda a entrevista se referiram como filha.
Encaram a adoção com naturalidade e revelam-se responsáveis e maduros, capazes de exercer o Poder Familiar com responsabilidade e zelo, cientes dos deveres e da importância da educação formal e moral na constituição e desenvolvimento da filha'
Veja-se que autorizada doutrina, tecendo comentários acerca da adoção 'intuitu personae', de forma a afastar possíveis óbices quanto à legitimidade de tal adoção, desde que presente, ressalte-se, o vínculo de afetividade do menor com o pretenso
adotante, com ênfase ao tempo de contato da criança com os pais adotivos, consignou que: 'Um terceiro argumento apresentado contra a adoção 'intuitu personae' refere ao desrespeito ao cadastro, considerando sua obrigatoriedade. [....] Como já tivemos oportunidade expor no item 05 acima, sendo demonstrada a existência de vínculos afetivos entre a criança e os adotantes, conforme regra constante no art. 28, § 2º,
do ECA, estes deverão prevalecer, tendo em vista o melhor interesse da criança. Para a verificação da existência do vínculo e pelo fato de nestas situações sempre estarmos diante de bebês, Júlio Alfredo de Almeida sugere critérios que devam ser utilizados, dividindo-se pelo tempo de vida da criança, entendendo que as crianças até seis meses de idade devam ser retiradas da guarda dos adotantes e entregues a pessoas cadastradas, afirmando que estas ainda não criaram vínculos afetivos àqueles. Para as demais crianças o autor entende que devam passar por avaliação da equipe
interprofissional para que seja atestada a existência do vínculo. Não temos certeza se este critério proposto por Júlio Alfredo de Almeida é correto no que se refere às crianças com idade igual ou inferior a seis meses, já que se pode perceber que desde muito pequenas as crianças já reconhecem as pessoas com as quais convivem diariamente' (Bordalho, Galdino Augusto Coelho, Curso de Direito da
Criança e do Adolescente, Aspectos Teóricos e Práticos, 2ª Edição -
IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família - Editora Lumen
Juris, p. 221)"
Assim, buscou-se demonstrar a insubsistência do fundamento adotado pelo Tribunal consistente no argumento de que a criança (considerada genericamente, e não de forma casuística, como seria de rigor), tão-somente por contar com menos de um ano de idade, não poderia criar vínculos com o casal, ora agravado.
Ressaltou-se, ainda, o parecer do Ministério Público Estadual que ofertou parecer no sentido de que a criança não fosse entregue a um terceiro casal, qual seja, os ora agravantes: "conforme bem ponderado pelo i. Representante do Ministério Público (fls. 299/308), a considerar que as decisões judiciais estão sujeitas à revisão das Instâncias superiores, mormente em se tratando de processo de adoção, no qual,repisa-se, a criança, depois dos seus primeiros oitos meses de vida, acabara de ser retirada da guarda dos pretendentes à adoção, não se afigurava razoável, sob o enfoque do superior interesse do menor, transferir a guarda para outro casal, esse cadastrado na lista geral e terceiro ao presente processo de adoção, gerando, tão-somente, insegurança jurídica. O casal cadastrado, como noticiado, já aviou o respectivo
processo de adoção. Porém, como em qualquer processo de adoção, a guarda, durante o seu trâmite, é provisória.
Provisoriedade, na espécie, potencializada com a existência deste processo anterior, com o mesmo objeto. Fato, também, não ignorado pelo casal adotante cadastrado.
Por fim, como já expressado, não se está a preterir o direito de um casal pelo outro, uma vez que, efetivamente, o direito destes não está em discussão. O que se busca, na verdade, é priorizar o direito da criança de ser adotada pelo casal com o qual, na espécie, tenha estabelecido laços de afetividade.
Já a aferição da aptidão deste ou de qualquer casal para exercer o Poder Familiar
dar-se-á na via própria, qual seja, no desenrolar do processo de adoção.
Assim, nega-se provimento ao presente agravo regimental.
É o voto.
MINISTRO MASSAMI UYEDA
Relator
Documento: 4756444 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 5 de 5

Nenhum comentário: