Sentença
Processo:0045981-98.2010.8.19.0001 (0043855.75.2010.8.19.0001)
Classe/Assunto: Autorização judicial - ECA - Trabalho do adolescente / Seção Cível
Requerente: GRES UNIDOS DO VIRADOURO
GRES Unidos do Viradouro requereu Alvará autorizativo para que crianças/adolescescentes possam participar do Desfile de Escola de Samba que ocorrerá em 14/02/2010 no Sambódromo, instruindo o pedido com documentos de fls. 6/19.
O SEDIP, às fls. 21, manifestou-se quanto à correta adequação do pedido às regras da Portaria vigente neste Juízo - Portaria 03/2006.
O Ministério Público manifestou-se favoravelmente ao pedido, fls. 21/v.
Logo após, o Requerente protocolou novo expediente no qual apresenta toda a celeuma criada pela pretendida participação da criança J.S.L., filha do Presidente da Agremiação Requerente, como Rainha de Bateria.
Juntou, às fls. 24/52, novos documentos ao pedido, reiterando o pleito inicial de autorização para participação de todas as crianças/adolescentes anteriormente arroladas, inclusive de J. como Rainha de Bateria da Escola de Samba Requerente.
Novo exame realizado pelo Setor de Diversões Públicas (Fiscalização), que indicou não haver vedação na Portaria quanto à presença da menor J., eis que sua documentação está de acordo com as exigências legais.
O Ministério Público, às fls. 55/61, manifestou-se favoravelmente ao pedido, juntando às fls. 62/67 cópia da Lei que criou o Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente.
Requerimento de aditamento de listagem, fls. 70/71.
É o Relatório. Passo a decidir.
De plano se verifica não haver óbice ao atendimento da primeira pretensão autoral - objeto do presente pedido de Alvará - AUTORIZAÇÃO PARA PARTICIPAÇÃO NO DESFILE DE 15/02/2010 DAS CRIANÇAS/ADOLESCENTES ARROLADAS ÀS FLS. 9/19, bem como de fls. 71, cujo aditamento ora se defere.
Pela documentação acostada e conforme as manifestações do Setor de Fiscalização deste Juízo - SEDIP - e Ministério Público, constata-se a adequação do pedido às regras previstas na Portaria disciplinadora da matéria - 03/2006, esta baseada nos princípios legais da Doutrina da Proteção Integral, visando assegurar a crianças e adolescentes os direitos à cultura, ao lazer e ao acesso às diversões e espetáculos públicos recomendáveis a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Já o segundo pedido - AUTORIZAÇÃO PARA QUE A CRIANÇA J. POSSA DESFILAR COMO RAINHA DE BATERIA - merece algumas considerações antes do seu julgamento.
Em primeiro lugar, destaque-se: a competência para autorizar crianças e adolescentes a participarem de eventos públicos é da autoridade judiciária da Justiça da Criança e do Adolescente consoante artigos 146 e 149, inciso II do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Tratando-se de Desfile que se realizará na Passarela do Samba, esta Vara, em primeira instância, é a única competente para decidir quanto à participação de J. no evento e forma pretendidos.
Trata-se de questão que gerou enorme polêmica, que poderia ser evitada pelo simples exercício das competências familiares, de forma efetiva e eficaz.
A repercussão do fato na mídia levou a uma série de questionamentos e opiniões de diversos segmentos da sociedade, alguns se autotitulando como os reais defensores dos direitos da criança e do adolescente. Passaram a tratar o caso como se não houvesse uma justiça especializada e competente para proferir decisão.
Para se comprovar tal afirmação, basta ler os jornais atuais, ou acessar as incontáveis páginas, blogs ou sites na internet, alguns em flagrante lesão ao princípio do melhor interesse da criança em pauta.
Não fosse isto suficiente, ainda relativamente à criança J., alguns segmentos da Imprensa, em nome da liberdade de expressão, cantada em verso e prosa e que deveriam ter por princípio o compromisso com a verdade, contribuindo para a informação e a formação de nosso povo, atribuem a esta Juíza declarações inverídicas.
Tal afirmação se comprova diante do imbróglio causado pelas várias reportagens publicadas, sem que esta Magistrada tivesse se comunicado com qualquer profissional da imprensa. Algumas contendo declarações absurdas, truncadas, manifestando total desconhecimento e que jamais poderiam ter sido proferidas por Magistrada que apresenta conhecimentos jurídicos compatíveis com o exercício da função judicante. Mas, se assim não for entendido, que o seja diante da prática ao longo dos 15 anos e 08 meses nos quais exerce seu mister. A título de exemplo: "...Em respeito à Lei Orgânica do município (????), a juíza titular Ivone Ferreira Caetano prefere não se pronunciar sobre o caso, mas diz que está avaliando o pedido da escola de ter a menina no carnaval..." (grifos nossos).
Para proferir este julgamento, vários temas devem ser abordados, entre eles a amplitude do Poder Familiar exercido pelos pais em relação a seus filhos.
É certo que em nosso atual ordenamento jurídico o Poder Familiar é mais um Dever do que um Poder, mas que não deverá, em princípio, sofrer ingerência do Poder Público. Tal ingerência terá sempre por parâmetro a Doutrina da Proteção Integral e o Princípio do Melhor Interesse da criança e do adolescente.
Na hipótese em exame, mesmo com a concordância expressa dos pais, a autorização judicial se faz devida por imposição legal. Isto porque, sendo o Poder Familiar um múnus que deve ser exercido, primordialmente, no interesse do filho, o Estado pode e deve interferir nessa relação para proteger e garantir os direitos das crianças/adolescentes, com condição peculiar de pessoas em desenvolvimento.
É notório que os pais de J. autorizam e desejam sua participação como Rainha de Bateria, verificando-se, ainda, fortes indicadores de que a criança também almeja tal participação.
Tal fato se comprova diante das inúmeras entrevistas concedidas, que serviram para fomentar ainda mais a celeuma, levando à avassaladora e desnecessária exposição da criança na mídia.
Diante dos fatos, resta sopesar o que é melhor para a criança J.; o que atende o seu melhor interesse.
Analisando o pedido sob o prisma do melhor interesse da criança, resta saber se a opção da infante pode ser exercida no caso em tela, eis que incompatível o exercício em situações que envolvam riscos físicos, sociais ou psicológicos.
Repita-se, necessário se torna, diante de toda situação criada, sopesar o que é melhor para o interesse da criança em pauta; o que, neste momento, causaria menor prejuízo do que aqueles que já se apresentam.
Nesta linha de raciocínio não se pode deixar de registrar as manifestações que apontam para a erotização precoce, em virtude do apelo sensual que, em regra, envolve a figura de uma rainha de bateria.
Necessário, também, ter a atenção voltada para as manifestações daqueles que ressaltam ser tal pedido apresentado em um momento em que parte de nossa sociedade articula-se no combate à erotização precoce, à pedofilia, bem como contra qualquer situação abusiva aos direitos dos infantes.
E, ainda, para as manifestações daqueles que sinalizam para a frustração que poderá ser causada a essa criança, caso sua atuação na avenida não se dê da forma esperada; da responsabilidade que lhe recairá pela importância do posto em prol do sucesso da agremiação que representará no Desfile.
Por último, a manifestação daqueles que acham perfeitamente normal a apresentação pleiteada, especialmente por contar com a anuência e presença dos pais.
É certo que não se pode deixar de levar em conta os fatos acima apontados, principalmente no que se refere ao apelo erótico que, em regra, acompanha o desfile das madrinhas/rainhas de bateria.
Ainda assim, nesse aspecto, não se pode generalizar o evento como festa erótica, nem mesmo como fez o Presidente do CEDCA em entrevista concedida ao Jornal O Globo em 27/01/2010: "... Nos últimos anos, a posição à frente das baterias das escolas de samba tem sido motivo de muita concorrência, com um enorme apelo sexual".
Só para se ter ideia do perigo da generalização, pergunta-se: qual o apelo sexual de uma Rainha de Bateria de 84 anos? É só voltar ao ano de 2003 quando Dona Dodô, de 84 anos, foi Rainha da Bateria da Portela, mesmo ano em que R., então com 13 anos, foi Rainha de Bateria da Beija-Flor.
Não podemos perder de vista que o Carnaval também é festa de pessoas honestas que lutam o ano inteiro para brilharem na avenida. Para essas o Carnaval está enraizado em sua cultura, em seus hábitos, em sambar, sem qualquer erotização, apenas por diversão e amor ao samba.
Por outro lado, sem perder de vista a presença da erotização em nossa sociedade, certo é que cabe aos adultos sãos e conscientes de suas responsabilidades para com as crianças/adolescentes, prevenir e orientar, eis que a proibição, tão somente, não os afastará dessa realidade.
O que deve ser feito para que não haja prejuízo aos infantes é que estejamos, sobretudo os pais, no exercicio do Poder Familiar, vigilantes quanto a eventuais prejuízos físicos ou psíquicos que possam advir, evitando-se, assim, a interferência ostensiva do Poder Público nas competências familiares.
Há de se observar que, quando isso ocorre, têm-se como efeitos a despotencialização e o descrédito dos pais, aqueles que deveriam ser, justamente, os maiores atores e agentes na defesa dos direitos de seus filhos e que, por omissão, procuram transferir sua responsabilidade na criação e educação dos mesmos ao Poder Público, às escolas e aos consultórios terapêuticos, contribuindo para a criação de uma geração sem limites.
Para que não pairem dúvidas, bom que se esclareça: não há na lei, nem na Portaria expedida por este Juízo e disciplinadora da matéria, qualquer regra impeditiva a ser aplicada. Não há, nem poderia haver.
A lei surge para regulamentar fatos sociais pré-existentes, e, até então, não se aventou a possibilidade de requerimento para que uma criança de 07 anos viesse a desfilar em posto específico de adulto, mormente quando se verifica a existência do Desfile das Escolas Mirins.
Assim como não há qualquer impedimento legal para as crianças/adolescentes arroladas às fls. 9/19 e 71 do pedido desfilarem pela agremiação requerente, o mesmo se dá em relação a J., eis que esta preencheu os requisitos necessários previstos pela Portaria 03/2006 deste Juízo.
Além do mais, no sentido de prevenção a qualquer ameaça à integridade física ou psicológica não só de J., mas de todas as crianças/adolescentes participantes do evento, esta Magistrada e sua equipe funcional estarão, mais uma vez, de plantão na avenida para coibir quaisquer irregularidades, em trabalho diário de fiscalização durante todo o período dos festejos carnavalescos.
Isto posto, em atenção aos princípios legais da doutrina de proteção integral, assegurando a crianças e adolescentes os direitos à cultura, ao lazer e ao acesso às diversões e espetáculos públicos recomendáveis a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento;
Considerando que a equipe de fiscalização deste Juízo se fará presente nos dias de desfile, verificando as irregularidades contrárias ao princípio de proteção integral da criança e adolescente, bem como as violações da Portaria 03/06, aplicando aos infratores a legislação pertinente;
Considerando, ainda, a adequação do pedido às regras da Portaria disciplinadora da matéria, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO. Expeça-se Alvará autorizando as crianças/adolescentes relacionados no pedido a participarem do desfile a desfilar no chão, autorizando, ainda, a criança J.S.L. a participar do Desfile como Rainha da Bateria, observadas as regras da Portaria 03/2006, instruindo-o com a cópia da relação de crianças/adolescentes participantes, remetendo-se cópia do mesmo ao Setor de Fiscalização. P.RI. Dê-se ciência ao SEDIP e M.P. Transitado em julgado, dê-se baixa e arquive-se.
Rio de Janeiro, 09/02/2010.
Ivone Ferreira Caetano
Juiz Titular
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