A Justiça brasileira inicia o ano de 2011 com um nível de prestígio internacional nunca antes desfrutado. Desde a nova configuração desenhada pela Constituinte de 1988, passando pelas reformas de 2004, até a modernização tecnológica atualmente em curso, o Poder Judiciário colecionou avanços que colocam o Brasil bem próximo – às vezes, até à frente – dos países mais desenvolvidos e democráticos do planeta.
O processo eletrônico é, no momento, o principal tema a atrair o interesse de outros países pela Justiça brasileira. Mas, entre os vários aspectos que contribuem para essa boa imagem internacional, também merecem destaque os dispositivos da Constituição destinados a assegurar um ambiente jurídico mais estável e previsível, marcado por um alto grau de independência e imparcialidade das decisões.
“Eu tenho participado de alguns seminários e congressos internacionais e vejo que a posição do Brasil sempre é muito respeitada em função da valorização que a sociedade brasileira dá a seus magistrados”, atesta o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Ari Pargendler.
Segundo ele, “a imagem do Poder Judiciário brasileiro no exterior é uma projeção da nossa Constituição e das leis do país. O Judiciário do Brasil é organizado sob os melhores princípios, aqueles que garantem ao juiz a independência e a imparcialidade. Para que esses valores sejam protegidos, os juízes brasileiros gozam de todas as garantias, e isso realmente se reflete na sua atuação e consequentemente na imagem que eles têm no exterior”, acrescenta o ministro.
Logo depois de tomar posse na presidência do STJ, em setembro de 2010, Ari Pargendler já havia abordado o assunto em uma entrevista, referindo-se a garantias como vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos. Além dessas prerrogativas pessoais dos juízes, o Judiciário goza de autonomia funcional, administrativa e orçamentária. “Poucos países dão aos juízes e, consequentemente, aos cidadãos que esses juízes jurisdicionam, tantas garantias quanto o Brasil dá. Os brasileiros não têm noção do valor que representa um juiz realmente independente”, afirmou.
Sem precedentes
Antes mesmo da promulgação da Emenda Constitucional n. 45 – que instituiu a chamada reforma do Judiciário, de 2004, que aperfeiçoou e ampliou as garantias estabelecidas pela Constituição de 88 –, a independência da Justiça brasileira já era reconhecida internacionalmente.
“A Constituição de 1988 estendeu inegavelmente um poder e uma independência sem precedentes para as autoridades judiciais”, afirmava, em outubro de 2003, o economista franco-espanhol Carlos Santiso, em trabalho apresentado no VIII Congresso Internacional do Centro Latinoamericano de Administração para o Desenvolvimento (CLAD), realizado no Panamá.
Doutor em economia política comparada pela Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins, de Washington (Estados Unidos), Santiso declarou na ocasião que “a credibilidade do Judiciário e a confiabilidade de suas decisões decorrem em grande parte da sua independência diante do poder político”.
Essa independência, no caso brasileiro, chama a atenção até mesmo quando comparada aos mecanismos de acesso aos cargos judiciais nos Estados Unidos, onde os magistrados federais são escolhidos pelo presidente da República, frequentemente por indicação de líderes políticos regionais, e os juízes estaduais em muitos casos são vinculados aos partidos e dependem de apoio político para tomar posse.
Ao analisar as reformas econômicas do final dos anos 80 e início dos 90 nas democracias recém-restauradas da América Latina, Carlos Santiso avaliou que as forças políticas da região criaram sistemas capazes de neutralizar a resistência às medidas adotadas: “Desconfiados do potencial de obstrução dos tribunais de mentalidade independente, os governos se esforçaram para criar tribunais politicamente aliados. Como resultado, a credibilidade do Judiciário tem sido comprometida, prejudicando significativamente a qualidade da democracia.”
Exceção à regra
“Entretanto, o Brasil parece ter sido uma exceção a essa regra”, afirmou Carlos Santiso, que já trabalhou para organizações diversas em mais de uma dezena de países da África e da América Latina. Segundo ele, o Poder Judiciário do Brasil “tem abertamente confrontado autoridades políticas” sobre abusos legais e constitucionais cometidos na implementação de medidas econômicas.
De acordo com o analista, “o Judiciário brasileiro tem características radicalmente diferentes dos seus homólogos na região” – e uma das características mais importantes para garantir a independência é o controle “quase total” sobre seu orçamento. “O governo federal tem pouco controle sobre o orçamento do Judiciário, o que pode tornar-se problemático em tempos de austeridade econômica. Qualquer infração sobre esses procedimentos é imediatamente considerada uma violação do princípio da separação de poderes”, disse ele.
Com frequência, a visão que se tem da Justiça brasileira em outros países alia o reconhecimento da independência e do pioneirismo tecnológico a críticas sobre morosidade e casos de corrupção – problemas que, certamente, não são exclusivos do Brasil.
“Desde que foi promulgada, a Constituição brasileira tem desenvolvido a independência judicial e oferecido à população um maior acesso aos tribunais. No entanto, o nível de desconfiança no sistema judiciário tem paradoxalmente aumentado, e os juízes têm sido constantemente envolvidos em práticas de corrupção”, declarou Augusto Zimmermann, professor de Direito da Universidade Murdoch (Austrália) durante um seminário realizado em fevereiro de 2008.
Em 2007, a organização não governamental Transparência Internacional divulgou relatório no qual afirmava que a Justiça brasileira é “lenta, mas relativamente honesta”. Segundo a entidade, o sistema brasileiro é menos sujeito a interferências políticas do que, por exemplo, o da vizinha Argentina, e é dotado de instituições mais fortes do que a Rússia, país igualmente em ascensão na economia mundial.
Primeiro Mundo
O presidente do STJ, ministro Ari Pargendler, diz que, apesar da morosidade – “uma constante em todo o mundo” –, a Justiça brasileira se equipara à do Primeiro Mundo em vários aspectos, principalmente quando se observa “a valorização que a sociedade, através de suas instituições, dá aos juízes e ao Judiciário”. No entanto, ele reconhece: “Acho que a Justiça brasileira se aproxima dos países subdesenvolvidos quando, infelizmente, se apuram casos de corrupção. Aí, sim, nós fazemos uma má figura. Mas são casos esporádicos, episódicos, que não representam realmente a magistratura brasileira”.
Para evitar problemas que poderiam decorrer de excessos no exercício da independência, a reforma de 2004 criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com a atribuição de controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e fiscalizar o cumprimento dos deveres funcionais pelos juízes. A instituição de um sistema de controle externo havia sido sugerida pelo Banco Mundial em documento de 1996, no qual se analisava a situação da Justiça na América Latina.
Várias recomendações daquele texto, chamado de Documento 319, foram contempladas na reforma de 2004, entre elas a criação da súmula vinculante no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) e a atribuição de efeito vinculante às decisões desse mesmo STF em controle concentrado de constitucionalidade.
Essas medidas são vistas como importantes para reduzir o grau de incerteza jurídica, evitando a multiplicidade de decisões divergentes sobre as mesmas questões e também o excesso de recursos que torna a Justiça mais lenta. De outro lado, foram criticadas por grande número de juízes de primeira instância, sob o argumento de que limitariam sua liberdade de decidir sobre questões constitucionais. Muitas das críticas à reforma de 2004 sustentam que ela teria seguido a cartilha do Banco Mundial apenas para atender aos interesses dos investidores estrangeiros.
Segurança indispensável
"Essa crítica é ideológica e já não tem sentido no mundo globalizado”, rebate o ministro Pargendler. “O direito busca a segurança jurídica, e a segurança jurídica não depende apenas da Constituição e das leis do país. É preciso que os juízes as apliquem corretamente. A segurança jurídica é indispensável ao desenvolvimento econômico e social”, diz o presidente do STJ.
De acordo com ele, o que é bom para o investidor estrangeiro não é necessariamente ruim para o Brasil. “Numa época de globalização, em que o acesso dos capitais produtivos é facilitado, evidentemente, se o Brasil puder proporcionar segurança a esses capitais, eles virão para cá. Sem isso, não virão. Esses parâmetros são indispensáveis não só para o capital estrangeiro, mas também para o capital nacional. E o país que não oferecer essas garantias vai perder esses capitais”, avalia o ministro.
A possibilidade de construção de um ambiente jurídico mais seguro para os investidores nos países em desenvolvimento tem levado o Banco Mundial a incentivar os Poderes Judiciários que se dispõem a trilhar os passos pioneiros do STJ na adoção do processo eletrônico. Recentemente, o diretor do Banco Mundial para o Brasil, Makhtar Diop, declarou que “a virtualização dos processos é um exemplo de como um país pode resolver o problema de melhoria do serviço do Judiciário para o público”.
No final de novembro, uma delegação de autoridades espanholas esteve no STJ para conhecer a primeira corte em todo o mundo a trabalhar quase exclusivamente com processos em forma digital.
“O que queremos é contribuir para a saída da crise econômica em que se encontra a Espanha, igual a vários países do mundo”, explicou Fernando Román, chefe de gabinete da presidência do Tribunal Supremo espanhol.
Rapidez e confiança
“Na medida em que se encurtem os tempos de resolução dos pleitos judiciais, aumentarão a segurança jurídica e a confiança dos investidores”, acrescentou Román. O Tribunal Supremo da Espanha está começando a implantar seu projeto de virtualização dos processos, a exemplo do que ocorreu no STJ há dois anos.
Além da Espanha, o STJ mantém acordos de cooperação com tribunais de Portugal, Cuba, Líbano, República Dominicana e Moçambique. Segundo Makhtar Diop, do Banco Mundial, a virtualização dos processos pode mesmo ser uma solução para o problema da demora na prestação jurisdicional em muitos países, daí o interesse de sua instituição em fomentar a troca de experiências bem-sucedidas. “Acho que, realmente, o Brasil é o único país do mundo que tem um sistema totalmente sem papel”, disse Makhtar Diop.
Por conta de sua importância neste cenário, o Brasil foi o tema de um painel exclusivo durante a Semana de Direito, Justiça e Desenvolvimento, promovida no início de novembro, em Washington. “O Brasil tem feito uma reforma agressiva e bem-sucedida, a qual tem contribuído substancialmente para a melhoria da cidadania, o clima de investimento e a redução da pobreza”, dizia o texto oficial de apresentação do painel.
E acrescentava: “Estas reformas abrangem um vastíssimo leque de medidas, como a criação de um Conselho Nacional de Justiça, para a gestão administrativa dos tribunais, e a digitalização dos processos. O Brasil também iniciou e realizou muitas iniciativas bem-sucedidas de cooperação Sul-Sul em matéria de reformas judiciais, em particular com os países da América Latina e África, e está disposto a expandir esta experiência.”
retirado do site do STJ
Um comentário:
de nenhuma maneira um filho consegue extensão na pensão por morte, mesmo que cursando universidade publica?
que triste :(
Postar um comentário