CLÁUDIO DELL’ORTO
O GLOBO - 29/09/11
A grande conquista da modernidade, a partir de lutas que remontam ao “Bill of Rights” que foi imposto contra a tirania de João Sem Terra, na Inglaterra do século XIII, foi a despersonalização do exercício do poder. O estado social-democrático de direito, adotado pelo povo brasileiro através da Assembleia Constituinte que encerrou seus trabalhos em 1988, fundamenta-se em princípio fundamental que reconhece ser o povo a fonte material de todo poder. Tal poder se acomoda em normas que se extraem da própria Constituição e das leis. A organização estatal, portanto, exige respeito às normas jurídicas filtradas a partir do texto da Constituição da República.
Nenhum órgão ou autoridade republicana possui autorização para descumprir os comandos inseridos na própria Constituição, sob pena de perder sua legitimidade. A Associação dos Magistrados Brasileiros, ao afirmar perante o Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade da resolução 135 do CNJ, que estabeleceu regras para o processo disciplinar em face de magistrados, está defendendo o interesse republicano. A sociedade teria maior sensação de insegurança caso um magistrado fosse punido pelo Conselho Nacional de Justiça e individualmente questionasse judicialmente a nulidade da sanção que lhe fosse aplicada e obtivesse, no caso individualizado, a vitória.
Restaria a impressão de que havia um magistrado culpado por desvio comportamental que teria obtido uma benesse judicial, ou seja, seria lançada sobre o próprio Judiciário a pecha de corporativista ao fazer cumprir, no caso concreto, a Constituição. Necessário, portanto, o exame prévio da constitucionalidade da própria resolução e dos limites da atuação do CNJ para que não sejam aplicadas sanções nulas.
Quando a AMB afirma perante o Supremo que o CNJ não pode definir regras para o sancionamento de magistrados, porque tal competência é exclusiva do Congresso Nacional através de lei complementar, está defendendo toda a sociedade contra eventual usurpação de competências, mesmo que realizada com a melhor das intenções. Maior tranquilidade terá o povo brasileiro quando os comandos constitucionais forem observados por todas as esferas de poder estatal, principalmente pelo CNJ, que é um órgão com competências definidas na Constituição Federal.
A Constituição adota como cláusula pétrea o pacto federativo para os três poderes estatais. Os poderes judiciários dos estados membros da federação brasilleira não perderam o dever de controlar administrativamente a atuação dos seus membros, cabendo, nos termos da Constituição Federal, a atuação subsidiária do CNJ.
Pensar ao contrário poderia inviabilizar a atuação do próprio Conselho Nacional de Justiça que passaria a centralizar todas as eventuais reclamações em face dos mais de quinze mil magistrados de todo o Brasil. As associações de magistrados estão interessadas na melhor qualificação de seus membros para que possam solucionar os conflitos de interesses e pacificar as relações sociais da maneira mais rápida e eficiente.
CLÁUDIO DELL’ORTO é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio e secretário de Direitos e Prerrogativas da Associação dos Magistrados Brasileiros.
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