terça-feira, 5 de novembro de 2013

A Lei de Alimentos Gravídicos e a inversâo do ônus da prova da paternidade nos processos da Vara de Família


autor: Maria Aglaé Tedesco Vilardo

 

A lei nº 11804/2008 regulamenta a fixação de alimentos gravídicos para a mulher gestante a fim de que possa se manter diante das despesas adicionais comuns à gravidez. A lei está em vigor há cerca de 5 anos e vem sendo pouco utilizada pela timidez das gestantes para a propositura da ação, pois normalmente lhes é exigido a prova indiciária de que o réu é realmente o pai do filho que está gestando.

Nosso país não admite a interrupção da gestação considerando crime tal fato. À mulher que engravida há o encargo de prosseguir com a gestação, desejando ou não. Deve cuidar e se responsabilizar pela gravidez e pelo bebê, mesmo que sozinha, inclusive financeiramente. As despesas aumentam, pois precisa se alimentar melhor, tomar alguns medicamentos ou vitaminas, fazer o enxoval da criança, preparar a casa com berço e outros móveis, fazer o acompanhamento pré-natal, exames de ultrassonografia, exame de sangue, enfim, uma série de despesas de um filho concebido por ela e por um homem.

A exigência de que traga indícios de paternidade pode ser uma prova difícil e cruel para a mulher. Muitas vezes ocorreu um relacionamento fugaz que não foi presenciado por ninguém e não deixou qualquer vestígio. Apenas uma relação sexual e a gravidez ocorreu. Responsabilizar a mulher, exclusivamente, é contrário aos direitos fundamentais Constitucionais que determinam o direito à igualdade que só pode ser alcançado ao tratarmos desigualmente os desiguais.

A mulher não pode, na maioria das vezes, trazer a prova exigida. Alguns sustentam que deveria fazer o exame de DNA coletando material ainda na barriga ressaltando que o preço é mais acessível. Contudo, penso que ao sacralizar os exame médico e a prova contundente que o avanço científico nos oferece, deixamos de considerar diversos aspectos da nossa cultura, dos avanços sociais conquistados pelas mulheres ao longo do século e da necessidade da Justiça ter um papel ativo na consecução do que se propõe na nossa Constituição, uma sociedade livre, justa e solidária, erradicando a pobreza e a marginalização e reduzindo as desigualdades sociais, promovendo o bem de todos sem discriminação.

Exigir o exame é imposição de riscos à mulher, mesmo que risco pequeno. Além do que, o suposto pai teria que ser citado e intimado pessoalmente para o exame, poderia  demorar a ser encontrado, adiar a data ou se negar à realização. Isso faria com que a lei de alimentos gravídicos jamais fosse cumprida. É um sistema nefasto a qualquer mudança para implementar justiça.

A mulher que busca o Judiciário nestes casos, normalmente, pertence à classe baixa e postula uma pensão de baixo valor que aos nossos olhos pode parecer irrelevante, mas que permitirá que compre leite, legumes, frutas, pague a passagem de ônibus até o hospital público, enfim, cuide de sua saúde e do bebê que está gestando.

A participação do pai é fundamental. A responsabilidade é de ambos e o fato da mulher carregar o feto em seu ventre não pode servir de salvo-conduto para o homem deixar de se responsabilizar.

A mera indicação pela mãe de quem é o pai do filho que está gestando é vista por muitos com desconfiança. Justificam afirmando que seria muito fácil e que qualquer mulher pode indicar qualquer homem para receber pensão alimentícia durante sua gravidez, inclusive algum famoso ou algum rico para lhe sustentar. Ora, essa ideia pode até ocorrer, mas não é o que vemos nas Varas de Família. Os casos que nos surgem são reais e não suposições, casos de mulheres pobres e de baixa classe social que engravidaram em razão da falta de educação sexual adequada e do fornecimento regular de anticoncepcionais e camisinhas, como é obrigação legal do Estado. Na verdade, ambos, a mulher e o homem deixaram de se proteger.

O Juiz não pode fechar os olhos para a realidade no nosso país. As mulheres engravidam e não podem ser responsabilizadas sozinhas pelo ocorrido. O fato de a mulher apontar um pai para o seu filho deve ser considerado como forte indício de que seja verdade. Após o nascimento ele poderá realizar o exame de DNA e ter certeza se é ou não o pai, mas até então, pelo período de 9 meses, no máximo, irá se responsabilizar. O número de exames negativos de DNA nas ações de investigação de paternidade é muito baixo.

A ação de investigação de paternidade geram injustiça quando o direito que prevalece é o do suposto pai que  não deseja de submeter ao exame de DNA ou que se esconde da Justiça durante anos para não ser citado. A Justiça tem enorme responsabilidade quando o juiz deixa de decidir com a preocupação do melhor interesse da criança, pois mantém o sistema perverso de obrigar à mãe a comprovar de alguma forma a paternidade, mesmo que o indicado como pai não faça o exame. A responsabilidade recai mais uma vez sobre a mulher que deve trazer as provas para que o Juiz possa presumir a paternidade sem o exame de DNA. Tudo como garantia do direito a ampla defesa, mas sem garantir o direito fundamental da criança em ter reconhecida sua paternidade e em ser considerado seu interesse como superior a qualquer outro, conforme dispõe a Declaração Universal dos Direitos das Crianças.

Esse procedimento, perverso às mulheres, impõe toda a responsabilidade da gestação, criação e sustento dos filhos para a mulher que não se casou (nesse caso haveria presunção da paternidade) e teve o desejo de manter relação sexual com um homem que não era seu marido e descuidou da prevenção, como se fosse sua obrigação exclusiva. A consequência é arcar com todas as consequências sem qualquer ajuda.

A proposta da lei de alimentos gravídicos é mudar essa ótica do Estado-Juiz. Há instrumentos que o legislador tem concedido para isso, mas os Juízes realizam interpretação que não foge ao sistema e sua perversidade. São exigidas provas contundentes e se não for provado que crie seu  filho sozinha.

Ao fazermos a leitura da lei de alimentos gravídicos e vendo o esforço do legislador para mudar essa ótica, podemos aplicar os Princípios Constitucionais e tentar melhorar a vida de algumas mulheres socialmente injustiçadas que buscam a correção do caminho através do Poder Judiciário, pois ainda acreditam que possamos fazê-lo.

Se compararmos o benefício que muitas mulheres terão com o eventual prejuízo do pagamento de alguns meses de pensão e, se considerarmos que muitas ações de investigação de paternidade levam anos e décadas sem que o pai seja responsabilizado, veremos que a inversão deste sistema traz mais benefícios que prejuízos.

 Anos sem o pai pagar pensão para uma criança é muito pior para a sociedade do que poucos meses pagos indevidamente à mulher gestante.

Acrescente-se que é dever da parte expor os fatos em juízo conforme a verdade; proceder com lealdade e boa-fé; não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento. Se a mulher agir comprovadamente com má-fé o Juiz poderá considerar como litigância de má-fé com todas suas consequências.

Por todo o exposto, entendo que a indicação pela autora de quem é o pai do filho que está sendo gestado pela autora, pode formar o convencimento liminar do Juiz, permitindo fixar os alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades do réu.

Com a comprovação do curso da gravidez e presumindo-se as necessidades da gestante deve ser fixado um valor para ser pago pelo suposto pai. Assim que a criança nascer poderá ser feito o exame de DNA.

Esta interpretação abre o caminho para que a mulher passe a declarar, em cartório, quem é o pai de seu filho e se este não concordar poderá realizar o exame de DNA de imediato. Ainda não há lei para isso, mas há notícia de que isso venha a ocorrer. Hoje temos a lei de alimentos gravídicos. Se utilizada como proposto, nova realidade poderá proporcionar enorme benefício a muitas crianças. Cada criança terá o nome de seu pai no registro civil, assim que nascer, e poderá receber a pensão alimentícia sem delongas.

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