A lei nº 11804/2008
regulamenta a fixação de alimentos gravídicos para a mulher gestante a fim de
que possa se manter diante das despesas adicionais comuns à gravidez. A lei está em vigor há
cerca de 5 anos e vem sendo pouco utilizada pela timidez das gestantes para a
propositura da ação, pois normalmente lhes é exigido a prova indiciária de que
o réu é realmente o pai do filho que está gestando.
Nosso país não admite a
interrupção da gestação considerando crime tal fato. À mulher que engravida há
o encargo de prosseguir com a gestação, desejando ou não. Deve cuidar e se
responsabilizar pela gravidez e pelo bebê, mesmo que sozinha, inclusive
financeiramente. As despesas aumentam, pois precisa se alimentar melhor, tomar
alguns medicamentos ou vitaminas, fazer o enxoval da criança, preparar a casa
com berço e outros móveis, fazer o acompanhamento pré-natal, exames de
ultrassonografia, exame de sangue, enfim, uma série de despesas de um filho concebido
por ela e por um homem.
A exigência de que traga
indícios de paternidade pode ser uma prova difícil e cruel para a mulher.
Muitas vezes ocorreu um relacionamento fugaz que não foi presenciado por
ninguém e não deixou qualquer vestígio. Apenas uma relação sexual e a gravidez
ocorreu. Responsabilizar a mulher, exclusivamente, é contrário aos direitos
fundamentais Constitucionais que determinam o direito à igualdade que só pode
ser alcançado ao tratarmos desigualmente os desiguais.
A mulher não pode, na
maioria das vezes, trazer a prova exigida. Alguns sustentam que deveria fazer o
exame de DNA coletando material ainda na barriga ressaltando que o preço é mais
acessível. Contudo, penso que ao sacralizar os exame médico e a prova
contundente que o avanço científico nos oferece, deixamos de considerar
diversos aspectos da nossa cultura, dos avanços sociais conquistados pelas
mulheres ao longo do século e da necessidade da Justiça ter um papel ativo na
consecução do que se propõe na nossa Constituição, uma sociedade livre, justa e
solidária, erradicando a pobreza e a marginalização e reduzindo as
desigualdades sociais, promovendo o bem de todos sem discriminação.
Exigir o exame é
imposição de riscos à mulher, mesmo que risco pequeno. Além do que, o suposto
pai teria que ser citado e intimado pessoalmente para o exame, poderia demorar a ser encontrado, adiar a data ou se
negar à realização. Isso faria com que a lei de alimentos gravídicos jamais
fosse cumprida. É um sistema nefasto a qualquer mudança para implementar
justiça.
A mulher que busca o
Judiciário nestes casos, normalmente, pertence à classe baixa e postula uma
pensão de baixo valor que aos nossos olhos pode parecer irrelevante, mas que
permitirá que compre leite, legumes, frutas, pague a passagem de ônibus até o
hospital público, enfim, cuide de sua saúde e do bebê que está gestando.
A participação do pai é
fundamental. A responsabilidade é de ambos e o fato da mulher carregar o feto
em seu ventre não pode servir de salvo-conduto para o homem deixar de se responsabilizar.
A mera indicação pela
mãe de quem é o pai do filho que está gestando é vista por muitos com
desconfiança. Justificam afirmando que seria muito fácil e que qualquer mulher
pode indicar qualquer homem para receber pensão alimentícia durante sua
gravidez, inclusive algum famoso ou algum rico para lhe sustentar. Ora, essa
ideia pode até ocorrer, mas não é o que vemos nas Varas de Família. Os casos
que nos surgem são reais e não suposições, casos de mulheres pobres e de baixa
classe social que engravidaram em razão da falta de educação sexual adequada e
do fornecimento regular de anticoncepcionais e camisinhas, como é obrigação
legal do Estado. Na verdade, ambos, a mulher e o homem deixaram de se proteger.
O Juiz não pode fechar
os olhos para a realidade no nosso país. As mulheres engravidam e não podem ser
responsabilizadas sozinhas pelo ocorrido. O fato de a mulher apontar um pai
para o seu filho deve ser considerado como forte indício de que seja verdade.
Após o nascimento ele poderá realizar o exame de DNA e ter certeza se é ou não
o pai, mas até então, pelo período de 9 meses, no máximo, irá se
responsabilizar. O número de exames negativos de DNA nas ações de investigação
de paternidade é muito baixo.
A ação de investigação
de paternidade geram injustiça quando o direito que prevalece é o do suposto
pai que não deseja de submeter ao exame
de DNA ou que se esconde da Justiça durante anos para não ser citado. A Justiça
tem enorme responsabilidade quando o juiz deixa de decidir com a preocupação do
melhor interesse da criança, pois mantém o sistema perverso de obrigar à mãe a
comprovar de alguma forma a paternidade, mesmo que o indicado como pai não faça
o exame. A responsabilidade recai mais uma vez sobre a mulher que deve trazer
as provas para que o Juiz possa presumir a paternidade sem o exame de DNA. Tudo
como garantia do direito a ampla defesa, mas sem garantir o direito fundamental
da criança em ter reconhecida sua paternidade e em ser considerado seu
interesse como superior a qualquer outro, conforme dispõe a Declaração
Universal dos Direitos das Crianças.
Esse procedimento,
perverso às mulheres, impõe toda a responsabilidade da gestação, criação e
sustento dos filhos para a mulher que não se casou (nesse caso haveria
presunção da paternidade) e teve o desejo de manter relação sexual com um homem
que não era seu marido e descuidou da prevenção, como se fosse sua obrigação
exclusiva. A consequência é arcar com todas as consequências sem qualquer
ajuda.
A proposta da lei de
alimentos gravídicos é mudar essa ótica do Estado-Juiz. Há instrumentos que o
legislador tem concedido para isso, mas os Juízes realizam interpretação que
não foge ao sistema e sua perversidade. São exigidas provas contundentes e se não
for provado que crie seu filho sozinha.
Ao fazermos a leitura
da lei de alimentos gravídicos e vendo o esforço do legislador para mudar essa
ótica, podemos aplicar os Princípios Constitucionais e tentar melhorar a vida
de algumas mulheres socialmente injustiçadas que buscam a correção do caminho
através do Poder Judiciário, pois ainda acreditam que possamos fazê-lo.
Se compararmos o
benefício que muitas mulheres terão com o eventual prejuízo do pagamento de
alguns meses de pensão e, se considerarmos que muitas ações de investigação de
paternidade levam anos e décadas sem que o pai seja responsabilizado, veremos
que a inversão deste sistema traz mais benefícios que prejuízos.
Anos sem o pai pagar pensão para uma criança é
muito pior para a sociedade do que poucos meses pagos indevidamente à mulher
gestante.
Acrescente-se que é
dever da parte expor os fatos em juízo conforme a verdade; proceder com
lealdade e boa-fé; não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que
são destituídas de fundamento. Se a mulher agir comprovadamente com má-fé o
Juiz poderá considerar como litigância de má-fé com todas suas consequências.
Por todo o exposto,
entendo que a indicação pela autora de quem é o pai do filho que está sendo
gestado pela autora, pode formar o convencimento liminar do Juiz, permitindo
fixar os alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança,
sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades do réu.
Com a comprovação do
curso da gravidez e presumindo-se as necessidades da gestante deve ser fixado
um valor para ser pago pelo suposto pai. Assim que a criança nascer poderá ser
feito o exame de DNA.
Esta interpretação abre
o caminho para que a mulher passe a declarar, em cartório, quem é o pai de seu
filho e se este não concordar poderá realizar o exame de DNA de imediato. Ainda
não há lei para isso, mas há notícia de que isso venha a ocorrer. Hoje temos a
lei de alimentos gravídicos. Se utilizada como proposto, nova realidade poderá proporcionar
enorme benefício a muitas crianças. Cada criança terá o nome de seu pai no registro civil,
assim que nascer, e poderá receber a pensão alimentícia sem
delongas.
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