A
fantástica máquina de fazer pobres da dra. Vera
Publicado
em 6.11.2013 por Cora
Imaginem
um programa social que diminui o índice de internação de crianças doentes em
90%, aumenta a sua frequência escolar em 92% e praticamente dobra a renda
familiar dos seus pais. Pois foi isso que três pesquisadores da Universidade de
Georgetown encontraram aqui no Brasil, quando decidiram estudar os efeitos a
médio e longo prazo do Saúde Criança, uma ONG carioca especializada em
transformar miseráveis em pobres, na perfeita definição da sua fundadora.
Parece
um jogo de palavras espirituoso, mas fala de dois universos onde o tudo e o
nada seguem rumos separados. A diferença entre a miséria e a pobreza é
praticamente intransponível para quem está na miséria; não há horizontes ou
esperança nesse mundo. Na pobreza, contudo, já se permitem sonhos e,
eventualmente, realizações. Na pobreza há luz no fim do túnel; na miséria, só
trens vindos em direção contrária.
Vera
Cordeiro descobriu essa fronteira quando trabalhava no Hospital da Lagoa.
Crianças eram internadas, tinham alta, iam para casa — e logo estavam de volta
ao hospital, em condições ainda piores, num ciclo vicioso que, quase sempre, só
terminava com a morte dos pequenos pacientes. Claro: ir para casa significa
voltar para as condições insalubres que os tinham feito adoecer. Significava
falta de medicação, de cuidados, de comida. Ela chegou à conclusão de que era
virtualmente impossível tratar das crianças sem tratar das suas famílias e do
seu entorno. E foi à luta.
Trabalhando
com voluntárias, correndo atrás de donativos e de parceiros, ela traçou um
plano de ação e passou a atacar a miséria em várias frentes: dando remédios e
alimento para as crianças, mas também reformando os seus barracos infectos,
ensinando um ofício às mães e, muitas vezes, obtendo documentos para famílias
inteiras que não existiam oficialmente.
Deu
tão certo que hoje o Saúde Criança — que começou como Renascer, mas mudou de
nome no meio do caminho para não ser confundido com a famigerada igreja — virou
franquia social, e está presente em sete estados brasileiros, sendo que, em
Minas Gerais, virou política de governo. A organização ganhou todos os prêmios
mundiais do setor, é exemplo no mundo inteiro e chamou a atenção de Muhammad
Yunus, o banqueiro bengali que ganhou o Prêmio Nobel da Paz pela concepção do
conceito de microcrédito.
Dentro
deste quadro de sucesso, faltava calcular, em números concretos, o efeito a
longo prazo da atuação do Saúde Criança. Não é segredo para ninguém que a
metodologia funciona; afinal, as voluntárias e voluntários ficam ligados às
famílias que atendem, e volta e meia têm notícias delas mesmo depois que se
desligam do programa. Mas haveria como medir o seu impacto?
Sim,
havia. Há três anos, os pesquisadores Daniel Ortega Nieto, James Habyarimana e
Jennifer Tobin, da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, passaram a
acompanhar e comparar 127 famílias assistidas pelo SC com outras tantas que não
foram beneficiadas. O resultado do seu trabalho, divulgado no mês passado, foi
surpreendente. O tempo médio de internação hospitalar das crianças caiu de 62
dias por ano para nove. A renda familiar per capita passou de R$ 566 para R$
1.087. Houve também um aumento notável na porcentagem de adultos empregados, de
54 por cento na entrada para 70 por cento até cinco anos após a participação no
programa. Esse índice é atribuído aos cursos profissionalizantes promovidos
pelo Saúde Criança.
A
percepção de bem-estar das famílias é eloquente: ao entrar no programa, 56 por
cento definiam a sua situação como ruim ou muito ruim. Passados três anos, esse
índice caiu para pouco mais de 15 por cento — enquanto 51,2 por cento passaram
a se achar em situação boa ou muito boa, contra os 9,6 anteriores.
Como
disse uma das mães atendidas:
“Quando
você chega aqui você está triste, abatida, sem esperança. Aqui eles ensinam a
gente a andar com a cabeça erguida.”
Pois
é.
Isso
também é Brasil, mas no meio de tantas notícias ruins protagonizadas por
elementos torpes, nem sempre nos lembramos dos pequenos milagres que acontecem
todos os dias, promovidos por brasileiros que honram o seu país.
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E
agora, os nossos comerciais: o Saúde Criança está participando do “Skoll
Foundation social entrepreneurs challenge”, um desafio internacional para
arrecadação de recursos online promovido pela Fundação Skoll, que investe em
empreendedores sociais ao redor do mundo.
Entre
as 57 instituições escolhidas, há apenas duas brasileiras (a outra é o CDI, o
Comitê para Democratização da Informática, muito bem colocado graças à doação
de um trabalho do Vik Muniz). O Saúde Criança está em sétimo lugar, e precisa
melhorar a posição para garantir uma parte no prêmio de 250 mil dólares que
será repartido entre as ONGs que mais arrecadarem.
O
desafio termina no próximo dia 22 de novembro. Até lá, é só ir ao site, que
fica em crowdrise.com/SaudeCrianca, e fazer a sua doação. Doe o valor de uma manicure,
por exemplo, ou de um jantar: não vai fazer falta a você, e vai ajudar muito a
uma causa que é nobre e digna de apoio.
(O
Globo, Segundo Caderno, 7.11.2013)
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