quinta-feira, 10 de abril de 2014

Comunhão parcial de bens e previdência privada: mear ou não mear eis a questão! Parte 2.


José Fernando Simão
Na última edição da Carta Forense, analisamos a chamada previdência privada e sua natureza. Percebemos, então, que, a previdência privada permite que o segurado garanta uma renda, após certa idade, para si apenas e tão somente até sua morte ou por determinado período de tempo, ou, ainda que haja uma substituição do beneficiário em caso de morte do próprio segurado.
A partir da leitura dessas regras, salientando o caráter de pecúlio, o TJ/SP tem entendido que não há incidência de meação sobre tal investimento:
“O mesmo não ocorre, porém, com a previdência privada, visto que, de fato, tais valores têm natureza jurídica de pecúlio, por se caracterizar pela reserva de dinheiro acumulada aos poucos como resultado do trabalho e economia da pessoa, resgatável em vida. Daí sua incomunicabilidade no casamento” (TJ/SP, Ag Intrum nº 548.039-4/9, Rel. Des. Benedito Silvério, 5ª Turma de Direito Privado, j. 09.04.2008)”
“Partilha judicial. Aplicações em plano de previdência privada – Exclusão da partição – Inconformismo – Desacolhimento – Aplicação que não tem natureza de investimento ou poupança – Fundo que representa garantia de benefício futuro, de cunho previdenciário, complementar ao plano oficial de benefícios – Contribuições que não integram o patrimônio comum – Recurso não provido” (TJ/SP, Ag Intrum nº 502.984-4/4-00, Rel. Des. Grava Brazil, 9ª Turma de Direito Privado, j. 19.06.2007)”
Acreditamos que a questão é polêmica. Isso porque, a própria SUSEP prevê o direito de resgate, ou seja, a restituição ao participante do montante acumulado na Provisão Matemática de Benefícios a Conceder relativa ao seu benefício. O Resgate é obrigatório nos planos de benefício por sobrevivência (aposentadoria), sendo concedido ao participante que desistir do plano, no valor correspondente ao montante acumulado em sua provisão matemática de benefícios a conceder. Nos demais planos, deverá ser observado o contrato (Regulamento).
Sendo possível o resgate no prazo de 30 dias antes da conversão em renda, ou seja, antes da idade estabelecida pelas partes em contrato, indaga-se: a previdência privada realmente tem caráter de pecúlio e, portanto, é bem particular ou se trata de uma aplicação financeira com regras especiais?
Discordamos da orientação que considera a previdência como pecúlio. Antes de se atingir a idade estabelecida no plano, a previdência privada não passa de aplicação financeira como qualquer outra. Não há pensão antes desse momento e, portanto, não há incomunicabilidade. Isso porque, sequer há certeza de que, ao fim do plano, efetivamente os valores se converterão em renda ou serão sacados pelo titular. Trata-se de opção dos cônjuges o investimento na previdência privada, em fundos de ações, ou de renda fixa. Assim, as decisões transcritas permitem a fraude ao regime, bastando que, para tanto, ao invés de um dos cônjuges adquirir um imóvel ou investir em fundos (bens partilháveis ao fim do casamento), basta investir na previdência privada para se ver livre da partilha.
Quando há a conversão da aplicação em renda e o titular passa a receber o benefício, esse sim será incomunicável por ter caráter de pensão. Nesse sentido também decisão do TJ/SP: (Ap. Cível nº 409.104.4/1-00, Rel. Des. Ribeiro da Silva, 8ª Câmara de Direito Privado, j. 27.03.2008).
Alguns leitores podem indagar o porquê desse princípio não se aplicar à previdência pública (INSS, por exemplo, ou no Estado de São Paulo, o IPESP). A resposta é simples. Na previdência pública, atingida a idade de recebimento do benefício, o titular não tem a opção de sacar os valores pagos, mas apenas passa a receber sua aposentadoria. Não tem, assim, caráter de aplicação financeira e não haverá comunicabilidade.
Por fim, não podemos esquecer que a previdência privada permite aportes financeiros periódicos em única aplicação. Imaginemos, então, que a esposa, empresária bem sucedida, aporta na previdência vultosa soma. Já o marido, também executivo de certa empresa, aporta a mesma quantia em um fundo de renda fixa. Ao fim do casamento, a esposa terá a meação do fundo, mas o marido não terá qualquer direito sobre a previdência privada. Essa conclusão não nos parece lógica, pois em ambos os casos temos aplicações financeiras, com uma diferença: a previdência privada pode se converter em renda após certo prazo.
Nesse sentido, se os cônjuges forem casados pelo regime da comunhão universal ou parcial de bens, entendemos que há meação incidente sobre a previdência privada antes dessa se transformar em pecúlio e gerar frutos ao titular.
do site www.professorsimao.com.br

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