O Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que diante da recusa do réu a fazer o exame de DNA, a presunção de paternidade deve ser considerada dentro do conjunto de provas levantado no processo. A recusa não conduz automaticamente a procedência do pedido, pois é necessário que o autor da ação de paternidade apresente indícios mínimos da existência de relacionamento entre a genitora e o investigado.
Para a magistrada Ana Florinda Dantas, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família de Alagoas (IBDFAM/AL), o caso envolve uma realidade dos processos de família, na qual o juiz de primeiro grau está próximo das partes e forma seu convencimento também a partir desse contato, que influencia sua decisão, pois sua experiência muitas vezes leva à certeza daquela paternidade. “Por outro lado, os tribunais tendem a examinar o processo numa perspectiva técnica e, portanto, prevalecem os aspectos processuais no julgamento. Não há solução horizontal para essa questão, e cada caso é único. Existem, sim, demandas de paternidade abusivas que causam constrangimento desnecessário, mas às vezes a prova da relação casual também é muito difícil”, explica.
Ana Florinda entende que diante do sistema jurídico brasileiro, o entendimento do STJ é irretocável, porque a lei é clara ao determinar que a presunção seja relativa e deve compor o contexto probatório. A magistrada aponta que nosso sistema de convencimento e motivação judicial nem é o tarifado, em que só determinadas provas servem para fundamentar o julgamento; nem é o do julgamento conforme a consciência, em que haveria total liberdade para fazê-lo. “Nosso sistema é o da persuasão racional, ou convencimento motivado (na lei e na prova), e as presunções seguem o sistema. A Lei nº 12.004/2009, que estabeleceu a presunção de paternidade no caso de recusa do suposto pai em submeter-se ao exame de código genético – DNA diz expressamente que na ação de investigação de paternidade todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos”, expõe. Por fim, a juíza esclarece que somente a recusa não pode fundamentar a decisão e com isso a parte deve buscar outros meios para reforçar a prova.
Dados do caso - A Quarta Turma do STJ teve este entendimento ao julgar um processo em que o réu se recusou por duas vezes a realizar o exame, e o juízo de primeiro grau reconheceu a presunção absoluta, ou seja, o juiz aceitou o fato presumido, desconsiderando qualquer prova contrária, por considerar que seria impossível ao autor da ação apresentar provas por outros meios, considerando se tratar de um relacionamento esporádico e oculto.
De acordo com o juízo, seria ilógico impor ao autor prova impossível. O réu, no entanto, reclamou que o magistrado antecipou o julgamento da matéria e com isso limitou sua defesa, já que não existia no processo elementos mínimos que indicassem a existência do suposto relacionamento entre o casal. A sentença foi baseada no artigo 232 do Código Civil, segundo o qual a recusa à perícia ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.
O ministro Luis Felipe Salomão relatou que a questão deve ser tratada da mesma forma como quando há revelia em processo de investigação de paternidade e, nesses casos, os fatos alegados não podem ser tidos como verdadeiros, cabendo ao autor apresentar prova mínima dos fatos alegados. O ministro considera que a recusa ao exame de DNA não é mais grave do que a revelia.
O relator do processo e ministro Marco Buzzi afirmou que não se pode exigir a produção de provas por parte do autor da ação, pois seria impossível, já que o relacionamento sexual, muitas vezes, possui caráter reservado e furtivo, o que dificulta a produção de prova. Para Luis Felipe Salomão, a prova do relacionamento amoroso não é indispensável para a declaração de paternidade, muito menos a prova de um relacionamento esporádico; no entanto, a prova indireta, constituída em indícios, deve ser produzida para que seja conceituada a verdade real dos fatos. Ele votou no sentido de que o processo volte à primeira instância para que sejam produzidas as provas necessárias.
Conforme alegações do processo, o autor, atualmente com 32 anos, teve educação custeada no exterior pelo réu, mas sempre por meios indiretos e com a preocupação de não deixar provas da paternidade. O réu sustentou que possui grande poder econômico e por isso é inviável fornecer material genético toda vez que alguém alega ser seu filho, ainda mais diante da realidade de laboratórios mal equipados e de profissionais mal treinados.
Presunção relativa - Em recurso de apelação, a defesa sustentou que, nos termos do artigo 2º- A da Lei 8.560/92 (com redação dada pela Lei 12.004/09), a recusa do réu em realizar o exame genético gera a presunção de paternidade, que será analisada com o conjunto de provas. A defesa sustenta que não houve contexto probatório levado em consideração pela sentença.
Para julgar a matéria, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) aplicou o enunciado da Súmula 301 do STJ, que determina que em ação investigatória, a recusa do suposto pai em fazer o exame de DNA induz presunção juris tantumdepaternidade, ou seja, presunção relativa, que admite prova contrária. O TJSP apontou julgado do Supremo Tribunal Federal (STF), segundo o qual a necessidade da produção da prova ficará evidenciada para que o julgamento antecipado da demanda implique cerceamento de defesa (RE 101.171).
Luis Felipe Salomão considerou que no caso não houve citação na sentença e acórdão aos fatos narrados ou às provas eventualmente produzidas pelas partes. Salomão entendeu que o TJSP pode aplicar o enunciado da Súmula 301 do STJ, mas somente após a necessária conferência da prova produzida. O ministro Marco Buzzi negou provimento por entender que a procedência da ação investigatória é necessária, pois não existe nos autos nenhuma prova capaz de rescindir a presunção relativa de paternidade decorrente da recusa do réu.
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