autor:Paulo Guerra - Juiz de Direito - Juiz-Secretário do Conselho Superior da Magistratura -Portugal
1. Pensando no tema em causa, foi-me fácil relacionar com ele o filme que há bem pouco tempo vi, intitulado “D-PAX”,
que conta a história dúbia de um homem errante e misterioso que tanto pode passar por um alienígena vindo de outro sistema solar em visita ao nosso planeta (aliás como se intitula) ou por um doente mental que, obviamente, é logo internado numa clínica psiquiátrica de Manhattan.
No decurso da película, quando o psiquiatra que o segue o interroga, ele diz-lhe que no seu planeta não há famílias já que as crianças quando nascem são logo separadas dos seus pais biológicos, passando por várias casas, pelas vidas de vários indivíduos, de forma a deles retirarem o melhor de cada um. Mais tarde, numa festa dada em casa do dito psiquiatra, o nosso herói emociona-se com o ambiente familiar que ali se vive, com o calor de lareira acesa que ali se sente, com o embalo de um balancé onde as crianças, umas atrás das outras, vão voando e roubando gargalhadas numa serena tarde de Verão – e quando pergunta à mulher do seu médico o que é uma família, ela responde-lhe, sem hesitar: “Uma Família é termos alguém por quem nos preocupar”.
Foi Bruno Ribes, filósofo e sociólogo, que recentemente deixou pensado e escrito o seguinte:
“A família não será mais a célula de base da sociedade mas antes a flor que desabrocha no tronco social, que lhe dá brilho e que contém os seus órgãos de reprodução. Contudo, de tanto idealizar a família, tornamo-la portadora de promessas que ela não pode cumprir. Toda a flor é frágil, estiolável. Será que a família poderá sobreviver privadamente, vendo-se privada da sua concha de preocupações? A resposta só poderá ser dada ao bom estilo de “prognósticos... só no fim do jogo”!
2. Pois é, o mundo complica-se e sofistica-se à velocidade da luz, as crianças deixaram de acreditar nas Fadas Sininhos e na eterna Terra do Nunca, já comungando doses maciças de “Pokémon” e da pressa meteórica dos seus pais, entregues a edifícios de aço e nervos de tijolo e argamassa, capazes de lhes ocupar todo o tempo dos seus dias e das suas noites.
Sorriam, por favor: é que dizem que chegamos à era moderna.
Falar em modernidade, é também falar na Família, esse reduto sacrossanto dos afectos, primeiro impostos, depois sentidos, e da realização, desenvolvimento e consolidação da personalidade de qualquer ser humano.
Falar em modernidade, é trazer à ribalta das opções que um casal desavindo tem perante si, a fim de conseguir, caso queira, resolver os seus diferendos, a Mediação Familiar.
Numa sociedade onde as estatísticas de divórcio são cada vez mais expressivas, a par da tendência europeia e mundial, e onde se torna cada vez mais premente consagrarmos os acordos que irão traçar o futuro dos “filhos do divórcio”, a Mediação Familiar impõe-se como alternativa à resolução judicial das crises familiares.
O reconhecimento internacional da necessidade da consagração da mediação familiar como forma eficaz e alternativa à via judicial de resolução dos litígios nesta área tem tido expressa consagração em diversos tratados, a saber:
Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança
– n.º 7 do Preâmbulo e artº 12º
Princípios Orientadores das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Princípios Orientadores de Riade), n.ºs 11, 13, 16 e 17
(No fundo, procura-se garantir o acesso das famílias necessitadas de assistência a serviços adequados à resolução de condições de instabilidade e conflito e realçar a necessidade de adopção de medidas e programas que promovam, junto das famílias, relações pais-filhos positivas e que desencorajem a separação das crianças e dos pais).
Recomendação n.º R(85) 4, do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados Membros sobre Violência do Seio da Família:
(No fundo, promove-se a importância da promoção da divulgação nas famílias de conhecimentos e de informações em matéria de regulação dos conflitos interpessoais e intra familiares).
Recomendação n.º R (86) 12, do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados Membros Relativa a Medidas Visando Prevenir e Reduzir a Sobrecarga de Trabalho dos Tribunais
(Saliente-se a importância da promoção da regulação amigável dos conflitos, nos casos apropriados, quer fora do ordenamento judiciário, quer no início ou na pendência do processo judicial como forma de reduzir a sobrecarga de trabalho dos tribunais).
Recomendação n.º R(98)1 do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados Membros sobre MEDIAÇÃO FAMILIAR, adoptada em 21 de Janeiro de 1998
(Saliente-se a necessidade premente dos Estados Membros acatarem as recomendações dadas pelo Comité de Ministros em todas as suas vertentes)
Como já foi dito de manhã, em relação ao restante mundo civilizado, Portugal continua na pré-história nesta área, talvez pelo enraizamento na nossa cultura de que não cabe a terceiros intrometerem-se na vida do marido e da mulher, nem na sua vida familiar - em nome dessa privacidade, continuamos a aceitar acordos de regulação do exercício do poder paternal que não contemplam as reais necessidades dos filhos, e que muitas vezes mais não constituem do que acordos-tipo, uniformizadores, como se a realidade familiar de cada criança fosse a mesma.
A Mediação Familiar tem uma raiz anglo-saxónica, sendo certo que encontrou a sua primeira expressão europeia na Grã-Bretanha, nomeadamente em Bristol, uma típica cidade industrializada e com uma das mais elevadas taxas de divórcio nacional na época; posteriormente aderiu a esta nova forma de resolução de conflitos a França, a Espanha, a Bélgica, a Alemanha e a Itália, onde existem vários centros de mediação, quer de índole estatal, quer de índole municipalizado ou privado.
Portugal aderiu há muito pouco tempo e de forma ténue ao projecto mundial de mediação familiar, e a sua primeira expressão oficial foi a criação, em 1993, do Instituto Português de Mediação Familiar, resultado dos esforços conjuntos de psicólogos, juristas, magistrados judiciais e terapeutas familiares - o Centro de Estudos Judiciários teve, aliás, o grande mérito de ter estado à frente do projecto de desenvolvimento da mediação familiar em Portugal, tendo organizado e ministrado, conjuntamente com o referido Instituto, o primeiro curso de formação de mediadores familiares, que decorreu em 1994/95, continuando agora a fazê-lo, sob a orientação da Professora Doutora Maria Saldanha Pinto Ribeiro; em Janeiro de 1997 foi constituída a Associação Nacional para a Mediação Familiar – Portugal, com vista a garantir a promoção e a dinamização da mediação familiar, na formação inicial , permanente e complementar dos mediadores e na definição do quadro normativo do exercício profissional da mediação familiar. Finalmente, em 1997, o Estado Português reconheceu a importância da mediação familiar e legislou no sentido da implementação de um Gabinete de Mediação Familiar, a título experimental em Lisboa, através do Despacho n.º 12 368 do Ministério da Justiça, de 25/11/97, publicado no DR II Série, n.º 283 (em 9/12/1997).
3. Um acordo mediado pode abrir novas perspectivas aos pais, ao menor e ao futuro relacionamento entre os mesmos, porque cada aspecto da vida da criança pode ser discutido com propostas diferentes e adaptados à sua realidade concreta.
Por outro lado, num momento da vida dos pais em que muitas vezes são mais as barreiras à comunicação do que as pontes que se estabelecem, a intervenção de uma terceira pessoa, estranha ao conflito, pode tirar a força intransigente das posições assumidas por estes, e levar-lhes à consciência de que é preciso salvaguardar das suas eventuais amarguras e lutas, os próprios filhos.
Um acordo mediado é um acordo que mais dificilmente é objecto de incumprimento, porque adaptada à realidade sócio-económica dos pais e em que os mesmos sentem que deram o seu contributo válido.
Não assistindo aos magistrados nesta área, muitas vezes, a disponibilidade de conseguirem a mediação do conflito nos gabinetes dos tribunais, dado que os mesmos pressupõem diversos contactos entre as partes, nem muitas vezes existindo da parte dos mesmos qualquer formação na mediação de conflitos, deve ser promovida essa mesma mediação fora das paredes do tribunal, num ambiente neutro e não institucional, tantas vezes por si só inibidor de uma entrega efectiva das partes nos objectivos da mediação.
Porque se trata um pouco dos nossos filhos, porque é deles que se faz a nossa sociedade, e porque o futuro e o interesse superior do menor o impõe, temos a obrigação de procurar formas alternativas de conseguir que tenham a oportunidade de um são desenvolvimento afectivo com cada um dos pais, mesmo quando estes já não conseguem viver juntos.
Podemos, assim, definir a Mediação Familiar como, e parafraseando Meyer Elkin, investigadora das questões da mediação familiar, um processo no qual os cônjuges, em instância de divórcio, pedem voluntariamente a ajuda de uma terceira pessoa neutra e qualificada, para resolver os seus conflitos, de maneira naturalmente aceitável, o que lhes permitirá estabelecer um acordo durável e equilibrado, que tomará em linha de conta as necessidades de todos os membros da família, especialmente as das crianças.
Trata-se de um processo solicitado ou pedido pelas partes em litígio, ocorrendo graças à intervenção de uma terceira pessoa, visando o acordo entre as partes - a Mediação Familiar poderá versar sobre a situação de divórcio em si, com o objectivo de alcançar um divórcio por mútuo consentimento, como também sobre a eventual regulação do exercício do poder paternal dos filhos desse casamento - quando engloba ambos estes aspectos, estamos diante da Mediação Familiar Global (por oposição à Mediação Familiar Parcial).
A Mediação Familiar poderá ter lugar dentro da actividade jurisdicional (o modelo americano aplicado sobretudo nos Estados de Califórnia, Minnesota e Maine), ou fora dele (o modelo europeu e português); deve, em princípio, ser um processo voluntário, em que os pais procuram resolver a regulação do exercício do poder paternal dos seus filhos numa negociação baseada na Boa Fé, e motivados por um verdadeiro desejo de consenso e acordo e descoberta da melhor solução para os seus filhos.
A opção pela mediação familiar num momento prévio à acção judicial normalmente surte melhores e mais rápidos efeitos, porque os pais iniciam a negociação sem terem previamente determinado uma posição processual perante determinado assunto, e sem também haver a interferência de mandatários e negociações prévias, pelo menos formalizadas e quando estes não se encontram sensibilizados para a resolução do conflito de forma consensual.
A assunção do interesse do menor no contexto da dissociação familiar é a mola de acção na Mediação Familiar – aqui, o interesse do menor tem uma componente subjectiva, que deve ser concretizada caso a caso perante cada contexto familiar em que o mesmo se insere, e ainda uma vertente objectiva, que se traduz no estabelecimento de condições psicológicas, afectivas, materiais, sociais e morais favoráveis ao desenvolvimento harmonioso da criança e à sua progressiva autonomização, dependendo esta vertente objectiva da inserção da criança num contexto de vida familiar estável e gratificante, da possibilidade de um amplo relacionamento pessoal e directo com ambos os pais, e da promoção de um nível de vida bastante para a satisfação das suas mais elementares necessidades.
O interesse do menor parece estar essencialmente relacionado com a observância de dois princípios fundamentais: nenhum dos pais pode substituir a função que ao outro cabe; e as relações paterno-filiais situam-se a um nível diferenciado das relações conjugais.
Daí se impor a necessidade de assegurar laços afectivos estáveis e profundos entre a criança e ambos os pais, prevenindo a sua instrumentalização nos eventuais conflitos que os oponham, bem como a necessidade de promover a participação interessada, a intervenção concertada e a co-responsabilização activa de ambos os pais pela educação do filho.
Assiste-se, assim, à assunção do papel do mediador como elemento de contenção da situação de crise produzida pela separação dos pais - normalmente aparecem sentimentos de culpa e inseguranças a respeito do dano que se inflige aos filhos, ainda mais relevantes no caso de uma decisão de separação não totalmente compartida; por outro lado, o acordo de regulação do exercício do poder paternal pode transformar-se no “campo de batalha” para irritar o outro progenitor e satisfazer os seus interesses pessoais e eventuais desejos de “vingança”.
Realce-se também a importância da adopção de um acordo que revista natureza provisória e extra-judicial que surge muitas vezes como benéfico para garantir o sucesso de um futuro acordo de natureza mais definitiva (sendo certo que não existem acordos definitivos em relação a menores). Em suma, o que aqui se trata é de dar aos pais um período experimental que lhes possibilitará tomar consciência directa das consequências das suas decisões no que respeita aos seus filhos.
Acredito que o mediador deve ser uma ponte para se estabelecer um mínimo de regras comuns na criação dos filhos, e salientar que não é negativo alguma variação relativamente aos outros aspectos, porque mesmo que os pais mantivessem a sua união, sempre haveria um ou outro ponto em que cada um trataria o seu filho de forma distinta.
O que se procura conseguir através da mediação é um sistema de resolução de conflitos que, pelo facto de ser completo, embora aparentemente menos económico, por implicar investimentos na criação de centros e na formação técnica de mediadores, não significa necessariamente que não seja eficiente e efectivo - a sua eficiência não está sempre ligada ao menor custo bruto, mas antes ao melhor resultado ao menor custo final.
Por isso o que se pretende é oferecer um sistema que, sendo o mais económico possível, sirva para solucionar uma série de problemas complexos, que, ao não terem solução, comportam um custo não apenas económico, mas também social e humano muito alto e que também deve ser considerado na avaliação da eficiência.
A presença da crise familiar nas crianças expressa-se frequentemente em problemas de aprendizagem e em alterações comportamentais - tudo isto deve ser calculado no custo final resultante de uma deficiente resolução do conflito.
Deve também considerar-se a actividade jurisdicional e profissional necessária para obter sentenças que resolvam os pleitos, e todo o esforço adicional que se torna necessário despender para assegurar o cumprimento real e efectivo das sentenças.
4. Em termos legislativos, impõe-se falar de Mediação Familiar em qualquer providência tutelar cível que mexa com a Família, sendo certo que o artigo 147º-D da OTM (na redacção da Lei 133/99 de 13 de Agosto, entrada em vigor em 1/1/2001) prevê tal Mediação nas disposições gerais do Título III do seu esqueleto – aí se estipula que em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, designadamente em processo de regulação do exercício do poder paternal
(âmbito primordial de actuação da Mediação Familiar),
oficiosamente, com o consentimento dos interessados ou
a requerimento destes,
pode o juiz determinar a intervenção de serviços públicos ou privados de mediação.
No entanto, o recurso à Mediação Familiar (total – lidando com a regulação do exercício do poder paternal, nas suas três vertentes, ou seja, exercício/destino da criança, convívio com o pai não exercente e alimentos devidos ao menor, com a partilha de bens, alimentos entre cônjuges e atribuição da casa de morada de família, em situações de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens - ou parcial, esta no âmbito de incidentes de incumprimento da regulação do exercício do poder paternal ou em casos de Novas regulações do exercício do poder paternal, mexendo-se apenas num dos itens das Responsabilidades Parentais) também pode ocorrer antes da utilização da via judicial, preparando-a já que urge a homologação judicial do acordo assim obtido (logo, o seu objectivo não é de evitar a instauração do processo judicial, não se excluindo as duas vias, antes se complementando).
Repare-se que hoje em dia pode falar-se em Mediação Familiar, a ocorrer antes da ida a uma Conservatória do Registo Civil para nos divorciarmos por mútuo consentimento (assente que, desde o DL 272/2001 de 13/10, a via do divórcio por mútuo consentimento é quase exclusivamente a das Conservatórias do Registo Civil).
Se se recorrer à Mediação Familiar após o recurso à jurisdicionalização
e durante a pendência da lide (haja ou não contestação ou oposição nos autos), há que suspender a instância judicial por ocorrência de um motivo justificado (artigo 279º, n.º 1 parte final do CPC “ex vi” artigo 161º da OTM), indo as partes (que de uma lógica de vencedor/vencido passam para o plano de alguma proximidade igualitária) para a Mediação Familiar tentar chegar a um acordo, enxertando-se, assim, num processo judicial, uma fase diria “administrativa” (daí dizer-se que a mediação familiar não é um substituto à via judicial, antes sendo perspectivada como rumo alternativo, no sentido de complementar desta), acrescentando-se que não deve ser enviado o processo “físico” do Tribunal para a entidade mediadora.
O despacho de 1997 (que delimita a acção do GMF às causas de conflito parental relativas às responsabilidades parentais para cujo conhecimento seja competente a comarca de Lisboa) fala mesmo em suspensão voluntária da instância nas situações com processo judicial pendente – no entanto, tal suspensão pode ser imposta pelo Juiz nos termos do supracitado artigo 147º-D da OTM, cessando tal suspensão no termo do prazo da mesma, prazo esse que pode variar de caso em caso, “conforme o tempo e o ritmo de cada mediado”.
Se conseguirem, voltam a Tribunal e aí o juiz homologa, após parecer do Ministério Público, o acordo assim obtido por via de mediação, sempre norteado pelo princípio supremo nesta Jurisdição – o do interesse do menor; a este propósito, convém dizer que quando, como resultado de uma mediação, se estabelece um acordo, em geral não é colocado qualquer obstáculo à sua homologação, devendo-se tal aceitação generalizada dos acordos à Recomendação do Conselho da Europa no sentido da promoção, divulgação e adopção de medidas que facilitem a homologação judicial dos acordos a que se chega por via da mediação familiar (preferindo, também aqui, a nossa lei a resolução destas questões por meios extrajudiciais, por soluções consensuais).
Se não conseguirem, então voltam a Tribunal que tentará ele exercer também os seus poderes de conciliação (aliás impostos pelo artigo 158º, 1 a) e 177º, n.º 1 da OTM), prosseguindo os autos o seu decurso processual de acordo com a letra da lei.
Obviamente também se cogita a hipótese de intervenção da Mediação Familiar após o processo judicial, prevenindo-se ou remediando-se situações de incumprimentos e de necessidade de coercividade.
Opino neste particular que a mediação familiar não será tendencialmente aconselhável para aquelas situações em que existe um enorme desequilíbrio de forças entre os pares (maltrato infantil, violência doméstica, doenças do foro psiquiátrico, comportamentos aditivos).
Finalmente, o papel do Juiz, durante um processo de mediação familiar, deve ser passivo e reservado às situações de necessidade de tomada de decisões urgentes (sobre desacordos fundamentais sobre questões urgentes), no âmbito dos processos judiciais (artigo 157º da OTM), aí se privilegiando, sempre que possível, o recurso à conciliação das partes por intermédio da acção também mediadora do Magistrado.
5. Autores afirmam que “a Mediação Familiar pretende contribuir para evitar o confronto do julgamento, prevenir o incumprimento das sentenças e fomentar a participação e a responsabilidade de ambos os progenitores relativamente aos vários aspectos da regulação do exercício do poder paternal, por forma a garantir que ambos continuem a exercer as suas funções parentais”.
Nos termos do artigo 1906º do C.Civil, na redacção dada pela Lei n.º 59/99 de 30 de Junho, após a ruptura de uma convivência parental (por via de um divórcio, de uma separação judicial de pessoas e bens, de uma anulação de casamento, de uma ruptura de uma convivência marital de facto ou da separação de facto de um casal unido pelo casamento), quatro regimes de exercício do poder paternal podem ser fixados judicialmente, quer por via de uma sentença homologatória de acordo ou de uma sentença final:
• O exercício conjunto do poder paternal, sendo necessário para o efeito o acordo dos pais;
• O exercício individual do poder paternal por um dos pais, quando não seja viável a obtenção desse acordo, assistindo ao outro o poder de vigiar a educação e as condições de vida do filho, através da fixação das tradicionais “visitas”, hoje mais encaradas como fixação de convívio ou como organização dos tempos da criança;
• O exercício misto do poder paternal que consiste na atribuição desse exercício a um dos pais, embora para determinados assuntos seja necessário o acordo de ambos;
• O exercício do poder paternal por parte de terceira pessoa ou por um estabelecimento de assistência, quando se verifique que a continuação do exercício do poder paternal pelos pais constitua perigo para a segurança, saúde, formação moral ou para a educação do filho (refira-se que, neste particular, não se exige a prova deste perigo, caso os pais estejam eles de acordo na atribuição das Responsabilidades Parentais a essa 3ª pessoa, só se exigindo tal prova no caso de sentença final e não de sentença homologatória de acordo).
Agora o regime regra no nosso C.Civil (ou seja aquele que a lei prefere que seja escolhido) é o exercício conjunto do poder paternal.
Esta opção revela, indiscutivelmente, a preferência do legislador pelo exercício conjunto do poder paternal,a outrora excepção, agora com estatuto de regra, revelando também uma
reacção contra as práticas sociais e judiciárias que consistem na atribuição do exercício do poder paternal a apenas um dos pais, quando a situação ideal seria a atribuição das responsabilidades parentais a ambos os progenitores – tal guarda conjunta beneficia
a mãe, a quem é geralmente atribuído o exercício unilateral do poder paternal, porque deixa de estar sobrecarregada economica, física e psiquicamente com o encargo da educação e manutenção dos filhos; beneficia o pai
, que geralmente é preterido na atribuição da guarda dos filhos, porque desta forma deixa de ser excluído da educação e da vida dos filhos; beneficia, finalmente, os filhos porque estes podem continuar a manter, embora com algumas alterações, as relações de afectividade normal com ambos os pais.
Antevê-se, mesmo que implicitamente, a vontade do legislador contrariar a tendência generalizada do exercício do poder paternal ser preferencialmente atribuído à MÃE, principalmente nos casos em que o pai, objectivamente, tem melhores condições, humanas e materiais, para cuidar e educar o filho – no plano sociológico, a família actual é caracterizada pela mútua colaboração dos cônjuges nas tarefas domésticas e pela repartição das responsabilidades com a educação dos filhos; a distância e o pouco envolvimento do pai tradicional foi substituída por uma maior proximidade e por uma preocupação, mesmo afectiva, do pai com a educação dos filhos.
Consagra-se, assim, no novo regime legal que o exercício do poder paternal deve ser decidido no único e exclusivo interesse do menor, e não tendo em conta considerações que se prendem com as posições dos progenitores no processo de divórcio – e aqui o que se pretende evitar são os inconvenientes que derivam do exercício unilateral do poder paternal que conduz a dois síndromes mortais: o da alienação parental (o afastamento emocional do filho de um dos progenitores em relação ao outro) e o “síndrome Disneyland”(quando os pais de fins de semana tentam agradar de todas as formas aos filhos durante os escassos dois dias/duas vezes por mês, em vez de tentarem manter com eles uma convivência normal, com a necessária imposição de regras e valores).
Uma questão que se levanta é a de saber se, como a actual redacção do artigo 1906º prevê, apenas nos casos em que há acordo dos progenitores deve ser aplicado pelo tribunal o regime do exercício conjunto ou se deveria ser possível ao tribunal impor tal modalidade do exercício do poder paternal aos pais ainda que estes não estivessem de acordo com essa medida.
Face à experiência forense que tenho, não me parece que a solução possa ser outra que não a afirmação da essencialidade do acordo dos pais, já que a ideia subjacente a todo o instituto se funda numa lógica de consenso, devendo partir dos próprios progenitores a vontade de exercer em conjunto as responsabilidades parentais, nomeadamente por entenderem que a ruptura da sua união não condena a sua responsabilidade comum em relação aos seus filhos. Tentar impor-lhes uma solução com a qual não concordam não deixará de ser algo de artificial, até porque a própria falta de acordo é já um sintoma da dificuldade com que se alcançarão os necessários consensos.
Pode mesmo dizer-se que muitas vezes será o próprio interesse do menor a ditar a não imposição, na medida em que assim se livrará de continuar a assistir às disputas estéreis entre os pais, com a agravante de ter a consciência de ser ele próprio o causador desses diferendos. Diga-se ainda que nada impedirá estes pais de, apesar de inicialmente não estarem de acordo, praticarem o exercício conjunto de facto, indo mais tarde pedir a alteração judicial da decisão, até porque “pais que põem os interesses dos filhos acima dos seus e que se conseguem entender após uma separação para educarem em uníssono os filhos, fazem-no e sempre o fizeram, independentemente do que diga a lei...”
Jean-Paul Carrière conta-nos a história daquele eremita cristão, vestido de andrajos, com os pés ensanguentados pelos rochedos e pelos espinhos, com a cabeça a arder de sol, que corria sem destino pela areia, gritando a todos os ecos do deserto:
“Tenho uma resposta! Tenho uma resposta! Quem tem uma pergunta?”
A este propósito, diria eu, em suma, que a lei oferece uma resposta aos pais que se divorciam, esperando que estes lhe coloquem a pergunta certa, mas não pode querer obrigá-los a formulá-la...
Neste particular, a Mediação Familiar pode fazer muito pela vulgarização destes exercícios conjuntos, explicitando, quiçá de forma mais pormenorizada e paciente (do que aquela que é feita nos nossos Tribunais)
as virtualidades deste novo regime que pressupõe que após a ruptura ainda pode ainda haver lugar à família, já que o objectivo de qualquer casal em disputa emocional, na linha do opinado por Isolina Ricci num interessante livro intitulado “CASA DA MÃE, CASA DO PAI, recentemente traduzido para português e editado pela Edições Sílabo, Lda”, é obter um divórcio ou uma separação “decentes”, abandonando-se, de vez, as palavras malcheirosas como “o casamento falhou” ou “visito o meu filho”, substituindo-as por outras mais perfumadas como “o casamento acabou” ou por “estou com o meu filho”...
6. A Mediação Familiar pode não ser um ovo do colombo que, de forma mágica, nos permitirá ter filhos e pais felizes apesar da quebra dos laços afectivos que uniu estes últimos, mas é um caminho, uma via diferente que pode abrir novas portas no entendimento desta nova realidade que veio alicerçar-se entre nós e no qual devemos investir para bem do nosso futuro em sociedade.
E os Tribunais só têm de nela acreditar, sem pré-conceitos e preconceitos.
E as entidades que a executam devem dar as mãos, sem rivalidades estéreis que só tenderão a fragilizar a própria Mediação familiar, ainda tão pouco divulgada junto dos nossos concidadãos (que, não raramente, a confundem com Terapia Familiar) – a Mediação não deve ser “feudo” de ninguém mas deve ser levada a cabo por quem a sabe fazer, com formação apropriada e devidamente legalizada pelo Estado.
Maria Saldanha Pinto Ribeiro deixou escrito que “O divórcio pode resultar de uma doença de comunicação. Esta não fluiu, não passou. Se os membros da família, até à data da separação, não foram capazes de entender as razões tão humanas de cada um, se os pais não foram capazes de salvar o seu casamento, é chegada a hora de, ao menos, pouparem os seus filhos, salvando o seu divórcio”.
Assim seja e que o agente mediador e toda e qualquer mediação aprenda com as Primaveras, a deixar-se cortar e a voltar sempre inteira.
retirado do site novofuturo.org
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