terça-feira, 27 de setembro de 2011

Moralidade da Intervenção Estatal na Alteração ou Inversão da Guarda em decorrência da Dificuldade de Convivência entre Filhos e Genitores - Lei Brasileira de Alienação Parental





autora: Maria Aglaé Tedesco Vilardo - palestra proferida em 19 de setembro de 2011 - EMERJ - Forum da Infância e Juventude


A Guarda unilateral e compartilhada       

No Direito de Família um dos problemas mais inquietantes diz respeito à guarda dos filhos quando um casal se separa.
            A lei brasileira sempre foi extremamente conservadora ao tratar do tema. Primeiramente não considerando qualificada a mulher separada como guardiã do filho do sexo masculino. Depois fazendo ressalvas quanto ao motivo da separação, afastando o genitor da criança se entendesse que a conduta nos relacionamentos daquela pessoa adulta poderia comprometer o cuidado para com a criança, mesmo sem ter relevância na criação do filho.
            Com o tempo a legislação avançou, porém na prática até hoje persistem diferenças de cunho discriminatório. Os avanços práticos foram surgindo aos poucos. A princípio a mulher era tida como a melhor cuidadora e, por isso, vocacionada para criar os filhos. Esse entendimento foi sendo superado e alguns pais passaram a ter a guarda dos filhos.
            Recente conquista legal se deu com a modificação do Código Civil em que a guarda unilateral deixou de ser a referência para ser a guarda compartilhada a primeira opção. A Terceira Turma do STJ, em decisão no mês de agosto, entendeu que “exigir-se consenso para a guarda compartilhada dá foco distorcido à problemática, pois se centra na existência de litígio e se ignora a busca do melhor interesse do menor”. Esta decisão reforça o que há muito vinha sendo decidido por alguns juízes no sentido de que a guarda compartilhada pode ser determinada pelo juiz mesmo na ausência de harmonia entre os genitores.  Nesse sentido já havia escrito em artigo publicado no blog, em 2007, conforme texto abaixo
“Por fim, no tocante às decisões judiciais que deferem a guarda compartilhada somente quando há harmonia entre o casal, cabe lembrar que as divergências ocorrem também entre pais casados ou que vivam em união estável e que ambos terão direito de opinar e participar das escolhas relacionadas aos filhos. Quando os pais não conseguem conciliar as suas idéias e opiniões cabível o recurso ao juiz para solução do desacordo. O mesmo princípio deve ser aplicado aos pais separados. Ao juiz caberá a decisão. Portanto, não há empecilhos para que o juiz determine a guarda compartilhada quando os pais não estão em plena harmonia, sempre com o embasamento legal do art.1586 do Código Civil atendendo-se ao melhor interesse do filho quanto ao seu direito personalíssimo de ter reconhecida a sua filiação não só no registro de nascimento, mas no seu pleno desenvolvimento afetivo e psicológico”.
            Nos processos em trâmite ainda há grande incidência da guarda unilateral para um dos genitores, especialmente a mãe, ainda não se encontrando solidificada a intenção legislativa de distribuir responsabilidades entre ambos os genitores.
Problema
            Um dos graves problemas decorrentes da guarda unilateral é quando a criança fica afastada do outro genitor não-guardião, não convive com este e, algumas vezes, o repudia. A Lei nº 12318, de 2010, que disciplina a alienação parental considera que a prática desta fere direito fundamental da criança ou adolescente e configura abuso moral. A decisão que irá disparar a reação aos atos de alienação parental é aquela em que o juiz declara indícios desses atos. A partir daí,
poderão ser tomadas medidas provisórias para manutenção da integridade psicológica do filho, assegurando convivência com o genitor afastado, com “garantia de mínima de visitação assistida”.
            As providências legais possíveis são amplas, pois a lei permite a utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos. Especifica sete providências possíveis, após a mencionada declaração: advertência do genitor alienador; ampliação do regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; fixação de multa ao alienador; determinação de acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; a alteração da guarda unilateral para guarda compartilhada; e medidas mais drásticas como ou sua inversão; bem como a suspensão da autoridade parental.
            Diante do amplo espectro de determinações judiciais que poderão ser requeridas pelos interessados, sempre com a manifestação do Ministério Público, caberá ao juiz estipular a medida mais adequada ao caso sempre com o propósito de “preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente” e “assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso”.
            A partir do objetivo principal que considera o princípio do melhor interesse da criança, sob o enfoque da doutrina da proteção integral, deve pautar-se o juiz em sua decisão.

Moralidade da intervenção judicial de alteração ou inversão da guarda
            Nessa breve análise das medidas possíveis a serem aplicadas vamos nos focar nas medidas de alteração e inversão da guarda, indagando sobre a moralidade de tais decisões à luz da doutrina da proteção integral.
            A moralidade se refere a convenções sociais sobre o comportamento humano certo ou errado, convenções que são largamente compartilhadas e chegam a formar um senso comum estável (mesmo que incompleto), conforme definição de Beauchamp & Childress.
Como salientado acima, a decisão judicial que declara indícios dos atos de alienação parental é a que dispara a aplicação de medidas protetivas da integridade psicológica da criança, direito fundamental previsto no ECA (art. 7º - direito à vida e à saúde), bem como o direito fundamental ao respeito que consiste na inviolabilidade da sua integridade psíquica (art. 17 do ECA) e à convivência familiar (art.19 do ECA).
Ao juiz caberá analisar se há indícios de interferência na formação psicológica da criança para que repudie o genitor ou cause prejuízo ao convívio entre este e seu filho.
Então, o juiz irá investigar se aquele guardião que tem a criança sob sua autoridade realiza alguma campanha de desqualificação, se dificulta ao outro o acesso ao filho, se omite informações escolares e médicas, se muda de endereço sem justificativa para dificultar ou inviabilizar o convívio, ou qualquer outra atitude que possa ser considerada como prática de alienação.
Estudos psicológicos dão conta de que diversos são os fatores que afastam pais e filhos após a separação, como idade, sexo, desenvolvimento cognitivo e vínculos afetivos com os pais, além do contexto social e econômico (SOUSA & BRITO, 2011). Dessa forma, o juiz deverá ter o cuidado na análise dos indícios e verificar os fatores que desencadearam o afastamento ente filho e genitor não-guardião, considerando todo o contexto vivenciado desde antes da separação e o que se seguiu.
Crítica à teoria de Gardner
Diversas são as críticas à teoria da síndrome da alienação parental de Gardner (psiquiatra americano). Uma delas diz respeito ao fato da síndrome ter sido recepcionada por lei brasileira e admitida como verdade inconteste, embora o autor não tenha considerado em seu trabalho os estudos psicológicos realizados com filhos de pais separados e outras percepções científicas a respeito do tema, conforme artigo publicado recentemente (SOUSA & BRITO, Síndrome de Alienação Parental: da Teoria Norte-Americana à Nova Lei Brasileira, 2011). Acrescente-se que Gardner entendeu que a alienação estaria ligada à estrutura psíquica do alienador, o que faria das mães – guardiães na sua maioria – possíveis portadoras de distúrbios psicológicos.
Após ser pressionado, Gardner mudou suas estatísticas sobre o genitor alienador. Em 2001 afirmava que 80% dos alienadores eram as mães e em 2002 reduziu para 50%, dividindo igualmente entre pais e mães. Mesmo apresentando esta inconstância, tal entendimento foi adotado pela justificação do Projeto de Lei da Alienação Parental, sem maiores discussões.
SOUSA & BRITO apresentam forte crítica à adoção rápida da legislação de uma síndrome pouco analisada e discutida. Ressaltam a preocupação de psiquiatras com a proposta do autor para inclusão da SAP no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-V – pela Associação Americana de Psiquiatria, pois resultaria em um aumento dos comportamentos vistos como transtornos psiquiátricos. Salientam que no Manual que se encontra em vigor, de 2002, há uma categoria de problemas de relacionamento entre pai/mãe-criança onde são enquadrados os graves conflitos entre pais separados envolvendo rejeição do filho o que tornaria desnecessária a inclusão de nova categoria.
A inclusão da SAP neste Manual faria uma caracterização dos genitores e filhos em diagnóstico médico, o que indica que existe uma doença, sem considerar a natural complexidade dos comportamentos humanos.
As autoras afirmam que não há publicações científicas brasileiras relevantes, na psiquiatria, sobre este tema, ou estudos na psicologia que sustentem estes conceitos. Tal ausência de pesquisas sobre o tema e fundamentação teórica gera insegurança para o acolhimento da teoria de Gardner como proposta.
O Processo
No plano processual, ao juiz caberia a prova pericial para ajudá-lo na caracterização da alienação parental, pois apenas identificaria indícios, que podem ou não caracterizar uma alienação e, em se tratando de uma síndrome, um problema de natureza psicológica, não cabe ao juiz fazer esse diagnóstico. Observados indícios caberia a aplicação de medidas provisórias de proteção.
Caracterizada a alienação pela perícia ou qualquer conduta que dificulte a convivência o juiz poderá fazer as determinações já elencadas. De acordo com a lei, o juiz não se restringe à caracterização da alienação parental podendo agir caso ocorra dificuldade para a convivência entre genitor e filho.
Devemos observar que diante da preocupação em garantir a sanidade psíquica da criança ou adolescente e o convívio com ambos os genitores, as medidas previstas no ECA, em seu art. 129, são perfeitamente aplicáveis.
 A lei de alienação parental repetiu algumas daquelas medidas e previu especificamente as medidas de alteração da guarda unilateral para guarda compartilhada ou a inversão da guarda, bem como a medida extrema de suspensão da autoridade parental.
Alteração da guarda
Ao alterar a guarda unilateral para guarda compartilhada, o juiz estará concedendo ao genitor não-guardião a oportunidade de maior responsabilização sobre seu filho, com participação ampliada na vida da criança e o inegável aumento de sua auto-estima. O não-guardião deixa de ser o genitor visitante para voltar a ser integralmente pai - ou mãe – que, mesmo separados, possuem todos os direitos e deveres com relação aos filhos, exceto quanto ao tempo de convívio que com a separação terá de ser partilhado, nos exatos termos do Código Civil.
Caso este compartilhamento não seja em benefício da criança, o juiz não deverá fazê-lo, sob hipótese alguma. Se o genitor que está sendo alienado do convívio com o filho não apresentar condições de assumir a guarda conjuntamente com o genitor guardião, nem mesmo diante da prova de que está ocorrendo alienação parental caberá a determinação de alteração da guarda unilateral para compartilhada. Esta não pode ser uma guarda formal apenas, ela deve ser efetiva. Ter a guarda compartilhada e continuar a exercer o papel de “visitante” em nada modifica a guarda unilateral. O compromisso com as dificuldades da criação de um filho devem ser assumidos no momento em que se compartilha a guarda.
Portanto, a guarda compartilhada não pode estar atrelada à constatação de alienação parental. Inclusive sendo cabível a modificação mesmo quando não ocorra alienação parental em qualquer caso que seja verificado o benefício para a criança. O Código Civil instituiu a guarda compartilhada como regra, na ausência de consenso entre os pais, e para isso ambos devem apresentar condições para exercê-la propiciando aos filhos afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; saúde e segurança e educação. Quando apenas um dos genitores tem esta condição, a guarda deverá ser unilateral. Como um juiz poderá alterar a guarda se o genitor alienado não tiver as características apontadas como necessárias para exercer a guarda compartilhada? Repise-se, caso ambos apresentem condições de exercer a guarda compartilhada esta deverá ser determinada pelo juiz.
Contudo, se o genitor alienador não apresentar, diante dos atos caracterizadores da alienação parental, condições de continuar com a guarda unilateral ou de se manter na guarda compartilhada, a medida mais drástica prevista em lei é a inversão da guarda.
A inversão da guarda
Analisando a possibilidade de inversão, mais uma vez sob a luz da doutrina da proteção integral, questiona-se sobre a aplicação desta medida respaldada na prática de atos de alienação. Deve o juiz romper o vínculo emocional criado entre filho e genitor alienador transferindo sua guarda para o genitor alienado? Ou deve conceder tratamento psicológico ou psiquiátrico para os envolvidos nos conflito, nos moldes do art.129, III do ECA?
Tratando-se de uma síndrome, se há inclusão no DSM-IV-TR (2002) de problemas de relacionamento que merecem cuidado clínico, a melhor indicação seria uma medida de proteção para a criança e uma medida sócio-educativa para os pais. Ou seja, tratamento psicológico ou psiquiátrico para a família. Ao juiz cabe analisar as consequências da inversão da guarda implementado um quadro de cumplicidade entre a criança e o genitor alienador. Se há uma patologia, o afastamento por ordem judicial poderá gerar conseqüências psicológicas maiores do que as existentes, o que não se coaduna com a doutrina da proteção integral.
A avaliação cuidadosa de cada caso deverá ser feita pelo juiz para minorar as conseqüências danosas de uma situação de conflito entre os genitores onde o filho repudia um deles. A inversão da guarda poderia representar em alguns casos uma dupla punição – ao genitor alienador e à criança. O apego com o guardião não se dissolve pela decisão judicial, assim maior sofrimento seria gerado para a criança que deve, obrigatoriamente, ser poupada.
Caberá ao juiz analisar o caso particularmente, com o apoio do serviço social e de psicologia, examinar as provas dos autos para poder decidir se a medida deve ser aplicada sem ferir os interesses da criança. Uma reaproximação gradativa poderá ser feita mediante acompanhamento judicial devendo o juiz agir firmemente para que o genitor alienador não deixe de cumprir a ordem judicial, inclusive com busca e apreensão caso entenda necessário.
Entretanto, havendo extrema resistência da criança e do genitor alienador há premente necessidade de tratamento psicológico ou psiquiátrico, porque a resistência sem justificativa poderá caracterizar distúrbio psicológico ou psiquiátrico devendo ocorrer o devido acompanhamento médico e/ou psicológico.
Concluindo
Em tema tão delicado não é tarefa fácil indicar caminhos a serem seguidos. Porém, verifica-se na prática que a persistência na reaproximação paulatina entre a criança e o genitor afastado, muitas vezes com a retomada do convívio inicialmente realizada no próprio fórum com o auxílio do serviço social e psicológico; o acompanhamento e tratamento psicológico de todos os envolvidos e a ampliação da responsabilização dos genitores no compromisso do bem-estar da criança surtem melhores efeitos do que a determinação de inversão da guarda.
Diagnosticada uma patologia a indicação é o tratamento com terapias e não apenas com ordem judicial que não tem o condão de, por si só, modificar uma situação difícil de convivência familiar. Somente dessa forma, a criança estará tendo seus direitos preservados de forma prioritária.

2 comentários:

Rosana disse...

Gostaria de saber se a SAP é um processo da Vara da Família ou da Vara da Infância e Juventude.

Anônimo disse...

O pai da minha filha e toda sua famlia sao usuarios de todo tidpo de drogas ,ele quer estar levando ela para dormir em sua residencia ele pode conseguir isso sabendo que toda a sua familia e problematica