quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Carnaval e o Poder Judiciário

autora: Maria Aglaé Tedesco Vilardo

Um dos feriados mais esperados pelos brasileiros é o carnaval. A movimentação é intensa e recebemos muitos turistas de todo o Brasil e do exterior. No Rio de Janeiro o grande evento é o desfile das escolas de samba, mas temos os blocos de rua que voltaram com força total reunindo dois milhões de pessoas atrás dos blocos.
Nestes dias de alegria ocorrem várias situações que terão repercussão no Judiciário. Antes mesmo diversas normas são estipuladas para que tudo transcorra em harmonia, além das normas legais existentes que devem ser seguidas sempre. Não há feriados ou exceções para leis que determinam a proteção de crianças e adolescentes.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a proteção integral daqueles que ainda não alcançaram 18 anos de idade. Esta proteção deve ocorrer por ação ou omissão da sociedade e do Estado; por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável ou em razão da própria conduta da criança ou adolescente, conforme previsto no art.98 do ECA. As medidas são especificadas e devem ser aplicadas pelo Juiz da Infância e Juventude, de cada Comarca, visando a proteção integral e prioritária prevista no art.100, II do Estatuto. Os princípios que regem essas medidas estão dispostos neste artigo e cabe ao Poder Judiciário segui-los a fim de cumprir a Constituição Federal.
A criança e o adolescente devem ter tratamento prioritário de fato e não somente como regra legal. As autoridades devem interferir tão logo a situação de perigo seja identificada e, como já salientado, a situação de perigo poderá advir da sociedade ou mesmo por parte do pai ou da mãe. Ou , ainda, quando a criança, sem discernimento das consequências de seus atos, possa causar mal a si própria.
Identificada a situação que mereça intervenção do Judiciário não pode o Juiz deixar de agir. A determinação deve ser precisa e com base no ECA, muitas vezes através de decisões antipáticas perante a opinião pública.
Como lemos nos comentários à notícia da Folha.com http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1051521-juiza-proibe-criancas-com-menos-de-5-anos-no-sambodromo-do-rio.shtml, alguns leitores reagem à atuação do Judiciário considerando como interferência indevida nas decisões das famílias. É certo que não cabe ao Estado interferir na vida privada, porém, quando ocorra situação onde há possibilidade de perigo, o Estado tem a obrigação legal de intervir. A intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo e de modo que os pais assumam sua responsabilidade para com seus filhos, pois deveres deixados de lado devem ter seu cumprimento exigido. A intervenção precoce e proporcional não é opção do Judiciário, mas determinação legal.
Ao analisarmos a presença de crianças nos desfiles das escolas de samba no sambódromo deve ser lembrado que o espetáculo é preparado para adultos e não para crianças. Tem início em horário avançado e acontece durante toda a madrugada, há o barulho intenso das baterias e do som da multidão, o uso da bebida alcoólica e o ambiente voltado para proporcionar alegria aos adultos certamente não faz do local o ideal para diversão de crianças pequenas. Mesmo que compareça acompanhada dos pais não há proteção possível de ser proporcionada diante do ambiente descrito. Todos concordam em que não se deva levar uma criança pequena a uma boate, aliás para este tipo de local nem mesmo adolescentes são permitidos, somente maiores de 18 anos.
No sambódromo, dada a característica da festa popular, a proibição se deu até os 5 anos de idade. Não porque a criança acima desta idade esteja imune a toda a exposição referida, mas em atenção aos princípios da intervenção mínima, proporcional e atual, de acordo com a situação encontrada para o momento em que a decisão foi tomada (expressos no art. 100, incisos VII e VIII do ECA). Nada impede que esta idade seja modificada, ampliada ou reduzida, em entendimento posterior do Judiciário. No momento do desfile, detectada situação de desconforto e inconveniência para determinadas crianças, dentre elas um bebê de dois meses de vida,  o Judiciário entendeu adequada esta faixa etária passível de mudança em qualquer tempo.
O respeito à cidadania inclui o respeito às crianças. No Estado Democrático temos que ter limites dentro da sociedade para uma convivência pacífica. Assim como é determinado por lei que os pais matriculem seus filhos na escola a partir de determinada idade, outras imposições podem ser determinadas para alcançar um bem maior. Não se trata de um Estado paternalista, mas um Estado atuante e atento aos fundamentos com o objetivo de uma sociedade livre, justa e solidária. Além da família e da sociedade, é dever do Estado colocar a criança, o adolescente e o jovem, com absoluta prioridade, a salvo de toda forma de negligência (art.227 do ECA).
Ao se  indagar o porque do Judiciário não estar se preocupando com as crianças nas ruas ao tomar decisões dessa natureza quando a criança tem pai e mãe, devemos buscar informações sobre a participação do Poder Judiciário, ao lado do Poder Executivo, em projetos de resgate das crianças em situação de risco nas ruas, trabalho longo e ainda em prosseguimento, mas pouco noticiado. Paralelo a esse trabalho, há muitas medidas a serem tomadas, afinal, o Estatuto não existe somente para um segmento social específico de crianças ou somente para as crianças abrigadas em instituições sem pai ou mãe, mas para todas as crianças e adolescentes independente de raça ou classe social.


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