quarta-feira, 21 de março de 2012

Crítica à Dogmática Jurídica - A Estória da “Katchanga Real”,

A estória é muito boa para todos do mundo jurídico. Agradeço ao aluno Bruno pela dica.


Texto de Lenio Streck


February 10th, 2012
Author: clarissa

A ESTÓRIA DA “KATCHANGA REAL” – RECOLOCANDO AS COISAS NO LUGAR OU DE COMO SE PODE “KATCHANGAR” SEM SE DAR CONTA DE QUE SE ESTÁ “KATCHANGANDO” – UMA HOMENAGEM A LUIS ALBERTO WARAT.



1. Pedi um trabalho sobre princípios e regras para os meus alunos. Alguns dos papers vieram com uma estorinha que servia para criticar a ponderação e uso dos princípios. A estória que apresentaram era a Katchanga (Real), que, segundo eles, circulava na Internet como. Dias depois, na Conferência Nacional da OAB, em Curitiba, 2011, depois de minha palestra, um grupo de estudantes e advogados indagou-me sobre a tal da história da “katchanga”.

2. Alguns, mais velhos, já tinham ouvido eu contar essa estorinha há muitos anos atrás. Pois, como poderemos perceber, mais recentemente a estória da Katchanga ganhou “novos foros”, longe daquilo que significava originalmente. Com “C” ou com “K”, os alunos que usaram a estória tinham a convicção de que, ao se convocarem a estorinha, estavam sendo altamente críticos…

3. Pois bem. Vou fazer, aqui, uma espécie de “interpretação autêntica”, para brincar um pouco com essa palavra. Digo “autêntica” porque faço parte da história institucional do aparecimento da estória da Catchanga (ou Katchanga) em terrae brasilis, há muitos e muitos anos. Pode-se dizer que alguns dos que hoje invocam a metáfora, em sites ou blogs, ainda não haviam nascido quando a estória começou a ser usada na teoria do direito.

4. Então… A estória da Katchanga vem de Florianóplis, Universidade Federal e alrededores. Quem a construiu foi o saudoso Luis Alberto Warat. Ele a chamava de “O Jogo da Katchanga…”. Observe-se: Warat falava mal o português; ele pronunciava Katchanga, com “t”. Como esclarecerei mais adiante, a estória vem dos “escravos de Jó”, que jogavam “cachangá”…

5. Discuti em aula e na minha casa – Warat era frequentador diário, junto com Leonel Severo Rocha e Sérgio Cademartori (entre outros) – a tal estorinha, que virou metáfora. É da década de 80. E, depois, nos anos 90, contei isso em dezenas de conferências.

6. Warat contou a estória para metaforizar (e criticar acidamente) a dogmática jurídica. De certo modo, uma estorinha similar corre no Rio Grande do Sul, envolvendo um jogo de cartas do velho Assis Brasil, figura política importante nos pagos gaúchos. A Katchanga “Real” dele era denominada “Farroupilha”. Ele, porque detinha o poder, não perdia nunca: quando o jogo não tinha saída para ele, ele atirava as cartas na mesa e gritava: “Farroupilha” (lembremos, aqui, prontamente – e isso é extremamente relevante para a compreensão do sentido da metáfora – da decisionista Wille zur Macht de Nietzsche, que pode ser vista no Oitavo Capítulo da Teoria Pura do Poder de Kelsen, quando ali ele diz que “a interpretação é um ato de vontade”; não esqueçamos que Kelsen faz a distinção entre a interpretação como ato de conhecimento e ato de vontade – este último é o ato feito pelos juízes; eis o ovo da serpente do voluntarismo). Observemos como essas coisas têm uma relação.

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