Ari Francisco Brabosa Filho - advogado e professor universitário
Um dos traços característicos
da cultura brasileira é a capacidade de esquecer fatos marcantes. Somos um povo
com memória, sem lembranças. Essa lógica
do conformismo contradiz o ditado popular que diz: aquele que bate esquece, mas o que apanha guarda a marca
para sempre. O grande historiador Sergio Buarque criou a expressão “ homem
cordial “ que para alguns simboliza a
disponibilidade do brasileiro em aceitar passivamente todas as situações, até
as mais adversas; uma outra interpretação que se faz é que o brasileiro não define com
precisão a fronteira entre coisa pública
da coisa privada, tendo daí nascido o famoso jeitinho brasileiro e talvez o
nascedouro da corrupção. Há ainda a interpretação deturpada que na verdade seria uma suposta fragilidade
de conceitos morais que tornam o brasileiro excessivamente complacente com os
erros alheios. Essas explicações pseudo-sociológicas, porque provêm de dados empíricos ou reflexões
preconceituosas, ajudam a compreender a desvalorização histórica do passado e
pouco aprendizado que se tem da história brasileira, desde as capitanias
hereditárias, passando pelo regime imperial e desaguando com intensidade ainda
maior na república. Mesmo a república entra nesse roldão de paliativos, lembrando
que já se teve república velha,
república nova que não é necessariamente a atual, ainda que
repita os mesmo equívocos dos sistemas políticos anteriores.
A linguagem
jurídica usa a expressão vício de origem quando a raiz do erro
decorre de um momento inicial,
distante, muito anterior à causa que se
julga no momento. Pode-se dizer que a sociedade brasileira tem vício de origem
de responsabilidade. Numa visão mais aguda, o vício estaria no após descobrimento,
quando se trouxe, como primeiros
habitantes para povoar a terra, presos
políticos e gente sem qualificação da terra portuguesa para cá. Sem dúvida não é
o melhor início para qualquer nação e
isso seria determinante no comportamento
do brasileiro. Em outra linha, o vício de origem estaria no distanciamento que
sempre houve entre governantes e governados, historicamente senhor e empregado.
De novo, a história está recheada de exemplos.
Tem-se aí o distanciamento entre povo-política-nação. A
verdade é que poucas vezes em nossa história a participação popular foi
efetiva. Dito de outra forma, nunca
houve cobrança de responsabilidade de governantes. Quando os desafortunados sem
nome e sem riqueza reclamavam, aí vinha
a lei de forma rápida e cruenta. Sempre
foi assim, que sintam os atuais
manifestantes. Afinal, nesse contexto, a importância do povo só aparece nas
eleições, através de um ato delegativo
de poder aos viciados políticos e seus indicados, parentes, amigos, empresários
financiadores, já perfeitamente ajustados à lógica dos partidos e uma vez eleitos, irão sustentar e aumentar classe política , de origem nada elogiativa
na sociedade brasileira. Esse distanciamento que se tem dos atos políticos não
significa desinteresse; é antes de tudo
resultado de toda uma história de dominação cultural, de um sociedade extremamente
preconceituosa em que a distribuição da riqueza sempre esteve horizontalizada,
circulando nas grandes famílias, da época imperial até o presente.
Não é estranho o fato de que cerca de sessenta e sete sobrenomes dominem todo o
cenário econômico- social do Brasil.
Nesse contexto, a ascensão social
do cidadão sempre foi sutilmente delimitada. Os avanços são contidos pela
lógica dos acordos, da cordialidade e as
concessões que se fazem nos
momentos de crise não alteram a estrutura social. Porque se antes os líderes
eram formados na elite para manterem o poder, hoje, é a classe média que imita as elites na
manutenção dos direitos sociais. Principalmente o direito à qualidade da
educação. Não. A educação não é a culpada! Mas quem a faz ...
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