POR MARIA LUISA BARROS
Genética dos moradores do Rio é 90% portuguesa. Entre negros, chega a 56%
Rio - Cariocas sangue bom com um pé na Europa. Não foi só nos costumes que nossos colonizadores deixaram sua marca. A herança portuguesa está registrada também na genética de 90% dos moradores do Rio de Janeiro. Mesmo entre negros, a origem europeia é maioria. É o que mostra uma pesquisa inédita realizada pelo Laboratório de Diagnósticos por DNA da Universidade do Estado do Rio (Uerj). O estudo, coordenado pelo biólogo Elizeu Fagundes de Carvalho, identificou a origem do gene presente na população carioca e descobriu que as características físicas e biológicas, passadas de pai para filho, geração após geração, estão mais próximas dos europeus do que dos africanos ou indígenas.
A descoberta feita a partir da análise de cerca de 500 amostras sanguíneas revelou mais uma surpresa, que pode apimentar ainda mais a discussão sobre a polêmica política de cotas raciais. Depois de comparar o sangue de 250 pessoas que se autodeclaram afrodescendentes, a conclusão é que, até mesmo neste grupo, a presença dos antepassados europeus é dominante em 56% dos indivíduos. “O que vemos hoje é um reflexo de como os homens se relacionaram no passado e como essa hereditariedade se mantém até os dias atuais. Por isso, não há como se falar em cotas, a não ser sociais, numa população miscigenada como a nossa”, explica o diretor do laboratório, Elizeu Carvalho.
O mapeamento genético dos cariocas surpreendeu o professor de Educação Física Geilton Câmara, 35 anos. “Achava que fosse o contrário. Que a maior herança tivesse vindo de africanos ou indígenas”, conta. Neto de negros e bisneto de índios, o carioca se casou com a fisioterapeuta Silvana Fernandes de Araújo, 32 anos, que, por sua vez, herdou a genética dos avós portugueses. Da mistura, nasceu Júlia, 6 anos. A beleza da filha contrasta com o preconceito que perdura por cinco séculos após a colonização. “A maioria não fala, porque o racismo é crime. Mas a gente nota os olhares de reprovação. Chegam a perguntar se ele é jogador de futebol”, diz Silvana.
Uma volta ao passado permite decifrar as razões da supremacia dos patrícios na genética carioca. Segundo o historiador Nireu Cavalcanti, no período colonial era comum que senhores brancos tivessem filhos com esposas, negras e índias. “As escapadas sexuais eram aceitas culturalmente. Afinal, ele detinha o poder financeiro. Quando nascia uma criança do branco com a escrava, a própria senhora criava. Já o negro não tinha a mesma liberdade para se relacionar com a branca”, explica Cavalcanti. Assim, os genes europeus foram sendo passados ao longo dos anos.
O carioca Marcelo Velloso, 43, técnico em eletroeletrônica, é facilmente confundido com estrangeiro. Tem pele e olhos claros, herança alemã e portuguesa. Já a esposa, a fonoaudióloga Cinthia Barbosa Velloso, 38, com quem teve a filha Marcela, de 1, tem traços indígenas e negros. Se tivesse vivido no passado, ele teria sido um dos muitos beneficiados por ajudar na mistura dos povos. “Naquela época, o casamento de brancos com negras ou índias era incentivado com a partilha de cargos públicos”, diz o historiador.
Na família Rocha, a mistura de raças virou tradição. Uma miscigenação que não está só no sangue: faz parte de um cultura passada por gerações. Neta de portugueses e índios, Maria José Rocha, 59 anos, é bem branca, apesar de ter pai de pele vermelha. Há 30 anos, conheceu seu marido, Sérgio Martins da Rocha, 60, fruto do casamento de um negro com uma branca. A história dos pais de Sérgio se repetiu. Os filhos café com leite do casal gostaram da ideia de colorir o Rio: também namoram jovens com tons de pele diferentes. “A diferença física não é importante, o que atrai é a personalidade”, ensina Maria.
Amostras de teste de paternidade
Nos últimos 14 anos, o Laboratório de Diagnóstico por DNA da Uerj se tornou um dos mais importantes centros de referência no País. Ali são feitos todos os testes de paternidade determinados pela Justiça. Por ano, são realizados 6.500 exames. Todos gratuitos. Pais e filhos devem ceder sangue ou saliva, no caso de crianças, para as análises que são custeadas pelo Tribunal de Justiça (TJ) e pelo Ministério Público.
A cada mês, o laboratório realiza em média 500 testes que, em caso positivo, vão obrigar o pai a reconhecer a criança e a pagar pensão alimentícia. Foi justamente através dessas amostras que surgiu a pesquisa. “Pedimos autorização a todos eles e garantimos que o sigilo seria mantido”, diz o professor e doutor em Ciências Elizeu Carvalho. A partir de uma amostra de sangue ou saliva, o pesquisador chega até o núcleo das células onde estão os DNAs.
O mesmo estudo foi realizado em outros dois estados brasileiros. Em Alagoas, os genes europeus estão presentes em 91% da população, enquanto na Bahia, 19% das pessoas têm origem africana e 80% traços europeus. No Rio são 8% de africanos e 2% de indígenas.
retirado do site de O Dia Online
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