23/09/2010 | Autor: Cristiana Nepomuceno
Estabelece a Constituição Federal, em seu artigo 5º, o princípio da igualdade, reconhecendo que homens e mulheres são iguais na forma da lei, sem distinção de qualquer natureza. Entretanto, ao mencionar a família como base da sociedade, a Carta Magna define que a união estável, reconhecida pelo Estado, somente será possível entre homem e mulher. Já o Código Civil (CC), ao tratar do direito de família, também faz essa restrição, referindo-se apenas à relação entre homem e mulher.
Ocorre que o direito é dinâmico e evolui conforme os avanços da sociedade. Hoje, somos todos sabedores de que as relações afetivas não ocorrem apenas entre homem e mulher, mas também entre pessoas do mesmo sexo. Dessa maneira, embora não tenhamos previsões legais, como ficariam, diante do silêncio do legislador, os direitos das pessoas que mantêm uma relação homoafetiva?
Atualmente, temos o conhecimento de que 78 direitos dos casais heterossexuais são negados aos casais homoafetivos. Só para exemplificar, citaremos alguns dos nãos que essa parcela da população recebe. Eles não podem se casar; não lhes é reconhecida a união estável; não podem adotar o sobrenome do parceiro; não têm impenhorabilidade do imóvel em que o casal reside; não têm garantia à metade dos bens em caso de separação; não podem assumir a guarda do filho do cônjuge; não têm direito à ordem da vocação hereditária na sucessão legítima; não podem acompanhar o parceiro servidor público transferido; não têm direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação penal caso o companheiro seja o ofendido e morra ou seja declarado ausente (artigo 100, § 4º, do Código Penal); entre outros.
Diante do silêncio do legislador, a jurisprudência vem assegurando a essas pessoas o direito de exercer a sua plena cidadania. E, assim, algumas conquistas estão sendo adquiridas, embora ainda existam muitas dificuldades e diversas formas de preconceito em relação aos casais homoafetivos. As decisões judiciais, no entanto, vêm mudando essa realidade.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), na onda de vanguarda sobre esse novo direito, decidiu sobre a adoção de dois irmãos menores por um casal em união homoafetiva. (STJ, 4ª Turma, REsp 889.852-RS, relator ministro Luis Felipe Salomão, j. 27/4/2010).
"MENORES. ADOÇÃO. UNIÃO HOMOAFETIVA. Cuida-se da possibilidade de pessoa que mantém união homoafetiva adotar duas crianças (irmãos biológicos) já perfilhadas por sua companheira. ... Decorre daí que, também no campo da adoção na união homoafetiva, a qual, como realidade fenomênica, o Judiciário não pode desprezar, há que se verificar qual a melhor solução a privilegiar a proteção aos direitos da criança. Assim, impõe-se deferir a adoção lastreada nos estudos científicos que afastam a possibilidade de prejuízo de qualquer natureza às crianças, visto que criadas com amor, quanto mais se verificado cuidar de situação fática consolidada, de dupla maternidade desde os nascimentos, e se ambas as companheiras são responsáveis pela criação e educação dos menores, a elas competindo, solidariamente, a responsabilidade. Mediante o deferimento da adoção, ficam consolidados os direitos relativos a alimentos, sucessão, convívio com a requerente em caso de separação ou falecimento da companheira e a inclusão dos menores em convênios de saúde, no ensino básico e superior, em razão da qualificação da requerente, professora universitária. Frise-se, por último, que, segundo estatística do CNJ, ao consultar-se o Cadastro Nacional de Adoção, poucos são os casos de perfilhação de dois irmãos biológicos, pois há preferência por adotar apenas uma criança. Assim, por qualquer ângulo que se analise a questão, chega-se à conclusão de que, na hipótese, a adoção proporciona mais do que vantagens aos menores (art. 43 do ECA) e seu indeferimento resultaria verdadeiro prejuízo a eles. (STJ, 4ª Turma, REsp 889.852-RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 27/4/2010)".
Já o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), numa decisão inovadora, reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo, com a observância dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, em acórdão da lavra do desembargador Elias Camilo (TJMG AC 1.0024.09.484555-9/001, relator desembargador Elias Camilo, p. 20/04/2010).
Ainda nessa esteira, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), também pioneiro em seus julgados, decidiu que a união homossexual merece proteção jurídica, porque traz em sua essência o afeto entre dois seres humanos. (TJRS, 8.ª C.Cív. AC 70035804772, j. 10.06.2010). Seguindo, assim, a vanguarda dos tribunais, a Procuradoria-geral da Fazenda Nacional deu parecer favorável em resposta a uma consulta formal, encaminhada ao Ministério do Planejamento por uma servidora pública, que solicitou a inclusão de sua companheira como dependente para efeito da dedução do Imposto de Renda.
E, agora, conforme a Receita Federal, as regras para os casais homossexuais serão as mesmas. Por isso, nessa onda crescente de assegurar esse novo direito aos casais homoafetivos, os advogados também estão se especializando, mobilizando e criando em seus estados a Comissão de Diversidade Sexual. Essas comissões já foram criadas em 10 seccionais da OAB país afora. Pois, diante dessa nova realidade, o mundo jurídico não pode ficar inerte e, como dizia Rui Barbosa: "O homem que não luta pelos seus direitos, não merece viver".
Hoje, aqueles que não contam com a proteção do Estado pelas vias naturais, por lutar, estão alcançando um novo status jurídico.
Cristiana Nepomuceno de Souza Soares é Advogada. Pós-Graduada em Gestão pública. Professora da Universidade de Itaúna-MG. Membro do IBDFAM
retirado do site do IBDFAM
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