quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Pensão post mortem e União entre pessoas do mesmo sexo

(clique no título para íntegra do acórdão)

Acórdão REsp 1026981 / RJ
Relator(a)Ministra NANCY ANDRIGHI
Órgão Julgador - TERCEIRA TURMA
Data da Publicação/Fonte DJe 23/02/2010 Data do Julgamento 04/02/2010
Ementa
Direito civil. Previdência privada. Benefícios. Complementação.
Pensão post mortem. União entre pessoas do mesmo sexo. Princípios
fundamentais. Emprego de analogia para suprir lacuna legislativa.
Necessidade de demonstração inequívoca da presença dos elementos
essenciais à caracterização da união estável, com a evidente exceção
da diversidade de sexos. Igualdade de condições entre beneficiários.
- Despida de normatividade, a união afetiva constituída entre
pessoas de mesmo sexo tem batido às portas do Poder Judiciário ante
a necessidade de tutela, circunstância que não pode ser ignorada,
seja pelo legislador, seja pelo julgador, que devem estar preparados
para atender às demandas surgidas de uma sociedade com estruturas de
convívio cada vez mais complexas, a fim de albergar, na esfera de
entidade familiar, os mais diversos arranjos vivenciais.
- O Direito não regula sentimentos, mas define as relações com base
neles geradas, o que não permite que a própria norma, que veda a
discriminação de qualquer ordem, seja revestida de conteúdo
discriminatório. O núcleo do sistema jurídico deve, portanto, muito
mais garantir liberdades do que impor limitações na esfera pessoal
Jurisprudência/dos seres humanos.
- Enquanto a lei civil permanecer inerte, as novas estruturas de
convívio que batem às portas dos Tribunais devem ter sua tutela
jurisdicional prestada com base nas leis existentes e nos parâmetros
humanitários que norteiam não só o direito constitucional, mas a
maioria dos ordenamentos jurídicos existentes no mundo.
Especificamente quanto ao tema em foco, é de ser atribuída
normatividade idêntica à da união estável ao relacionamento afetivo
entre pessoas do mesmo sexo, com os efeitos jurídicos daí derivados,
evitando-se que, por conta do preconceito, sejam suprimidos direitos
fundamentais das pessoas envolvidas.
- O manejo da analogia frente à lacuna da lei é perfeitamente
aceitável para alavancar, como entidade familiar, na mais pura
acepção da igualdade jurídica, as uniões de afeto entre pessoas do
mesmo sexo. Para ensejar o reconhecimento, como entidades
familiares, de referidas uniões patenteadas pela vida social entre
parceiros homossexuais, é de rigor a demonstração inequívoca da
presença dos elementos essenciais à caracterização da união estável,
com a evidente exceção da diversidade de sexos.
- Demonstrada a convivência, entre duas pessoas do mesmo sexo,
pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de
constituição de família, haverá, por consequência, o reconhecimento
de tal união como entidade familiar, com a respectiva atribuição dos
efeitos jurídicos dela advindos.
- A quebra de paradigmas do Direito de Família tem como traço forte
a valorização do afeto e das relações surgidas da sua livre
manifestação, colocando à margem do sistema a antiga postura
meramente patrimonialista ou ainda aquela voltada apenas ao intuito
de procriação da entidade familiar. Hoje, muito mais visibilidade
alcançam as relações afetivas, sejam entre pessoas de mesmo sexo,
sejam entre o homem e a mulher, pela comunhão de vida e de
interesses, pela reciprocidade zelosa entre os seus integrantes.
- Deve o juiz, nessa evolução de mentalidade, permanecer atento às
manifestações de intolerância ou de repulsa que possam porventura se
revelar em face das minorias, cabendo-lhe exercitar raciocínios de
ponderação e apaziguamento de possíveis espíritos em conflito.
- A defesa dos direitos em sua plenitude deve assentar em ideais de
fraternidade e solidariedade, não podendo o Poder Judiciário
esquivar-se de ver e de dizer o novo, assim como já o fez, em tempos
idos, quando emprestou normatividade aos relacionamentos entre
pessoas não casadas, fazendo surgir, por consequência, o instituto
da união estável. A temática ora em julgamento igualmente assenta
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sua premissa em vínculos lastreados em comprometimento amoroso.
- A inserção das relações de afeto entre pessoas do mesmo sexo no
Direito de Família, com o consequente reconhecimento dessas uniões
como entidades familiares, deve vir acompanhada da firme observância
dos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, da
igualdade, da liberdade, da autodeterminação, da intimidade, da
não-discriminação, da solidariedade e da busca da felicidade,
respeitando-se, acima de tudo, o reconhecimento do direito
personalíssimo à orientação sexual.
- Com as diretrizes interpretativas fixadas pelos princípios gerais
de direito e por meio do emprego da analogia para suprir a lacuna da
lei, legitimada está juridicamente a união de afeto entre pessoas do
mesmo sexo, para que sejam colhidos no mundo jurídico os relevantes
efeitos de situações consolidadas e há tempos à espera do olhar
atento do Poder Judiciário.
- Comprovada a existência de união afetiva entre pessoas do mesmo
sexo, é de se reconhecer o direito do companheiro sobrevivente de
receber benefícios previdenciários decorrentes do plano de
previdência privada no qual o falecido era participante, com os
idênticos efeitos operados pela união estável.
- Se por força do art. 16 da Lei n.º 8.213/91, a necessária
dependência econômica para a concessão da pensão por morte entre
companheiros de união estável é presumida, também o é no caso de
companheiros do mesmo sexo, diante do emprego da analogia que se
estabeleceu entre essas duas entidades familiares.
- A proteção social ao companheiro homossexual decorre da
subordinação dos planos complementares privados de previdência aos
ditames genéricos do plano básico estatal do qual são desdobramento
no interior do sistema de seguridade social de modo que os
normativos internos dos planos de benefícios das entidades de
previdência privada podem ampliar, mas não restringir, o rol dos
beneficiários a serem designados pelos participantes.
- O direito social previdenciário, ainda que de caráter privado
complementar, deve incidir igualitariamente sobre todos aqueles que
se colocam sob o seu manto protetor. Nessa linha de entendimento,
aqueles que vivem em uniões de afeto com pessoas do mesmo sexo,
seguem enquadrados no rol dos dependentes preferenciais dos
segurados, no regime geral, bem como dos participantes, no regime
complementar de previdência, em igualdade de condições com todos os
demais beneficiários em situações análogas.
- Incontroversa a união nos mesmos moldes em que a estável, o
companheiro participante de plano de previdência privada faz jus à
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pensão por morte, ainda que não esteja expressamente inscrito no
instrumento de adesão, isso porque a previdência privada não perde
o seu caráter social pelo só fato de decorrer de avença firmada
entre particulares.
- Mediante ponderada intervenção do Juiz, munido das balizas da
integração da norma lacunosa por meio da analogia, considerando-se a
previdência privada em sua acepção de coadjuvante da previdência
geral e seguindo os princípios que dão forma à Direito
Previdenciário como um todo, dentre os quais se destaca o da
solidariedade, são considerados beneficiários os companheiros de
mesmo sexo de participantes dos planos de previdência, sem
preconceitos ou restrições de qualquer ordem, notadamente aquelas
amparadas em ausência de disposição legal.
- Registre-se, por fim, que o alcance deste voto abrange unicamente
os planos de previdência privada complementar, a cuja competência
estão adstritas as Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ.
Recurso especial provido.

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