Ari Francisco Brabosa - Advogado e Professor Universitário
Um dos indicativos da consciência de vida é a capacidade
de sorrir e se indignar. Sorriso e indignação representam a bipolaridade, os
contrários que se opõem e só sobrevivem
exatamente por serem essa opostos, forçando a regulação de suas forças. O atual
momento brasileiro reflete essas forças. À primeira vista, esse vigor juvenil sem
precedentes surpreende a todos ao dizer em alta voz tudo que se diz em casa,
nos bares, nas filas, nas praias, no trabalho: tem corrupção em tudo! Como se,
de repente, se entendessem as razões de tanta revolta, tudo que precisava ser
ouvido. O poeta sublimava as confissões de amor que morriam na garganta. No garganta
de todos os brasileiros estavam
adormecidas reclamações de tanta dívidas que se acumularam ao longo do tempo.
Dívidas históricas, dívidas sociais, dívidas econômicas. Não há marco inicial. Remontam
ao tempo os privilégios e opressões, cuja maioria, os livros de história não registram,
que é mais uma dívida, talvez a maior delas. E não se diga que não tenha havido
oportunidades de resgate. A independência, o fim da escravidão, a república, a
constituição, momentos em que a esperança ficou mais forte e embalou o velho
gigante. E tudo ficou na garganta.
Nesse momento nas ruas explodiu a garganta do povo e ninguém sabe o que vai acontecer
depois. A física ensina que todo movimento tende a fadiga sendo precisa outra
força para alimentá-lo. Como o leite fervido que extrapola os limites da panela
em influxo, não se dá o refluxo até o esgotamento total, até queimar a panela,
o fogão, a casa, as pessoas, a rua, a cidade, o país ...
A alegria e espontaneidade dos jovens converteu-se em
indignação. O sorriso virou raiva. Excludentes das decisões políticas, da vida
cotidiana, da saúde, da educação, do transporte público, dos projetos sociais,
das decisões jurídicas, tudo isso emoldurado por uma mídia comprometida,
vestida rosa e de ídolos, esses jovens, ausentes de partidos, juntaram-se aos da
classe média, ainda que não atingidos pela exclusão social, comportados ou não, todos, de repente,
carentes de participação, expectadores de decisões políticas, fundiram num
grito único de revolta. A voz das ruas sabe o que não quer, e isso explica a
ausência de liderança, porque a liderança, no momento brasileiro, é
organização, racionalidade, comprometimento com a mentira, a corrupção, o deboche.
Tem-se uma democracia, representativa na forma, delegativa na finalidade. O
poder foi delegado a quem não quer representar, antes usufruir para seu grupo,
seu partido, sua organização. E o povo, essa entidade abstrata, delegou poder
concreto a uma classe política que faz uso, consciente, da coisa pública para o
fim privado. Por isso, a indignação ganhou do riso, encheu a rua, trouxe à
praça o tamanho da dívida. Que os culpados paguem a conta!
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