Brasília – O Brasil ainda precisa combater o "núcleo
duro" do trabalho infantil no país, que são os casos de exploração de
crianças e adolescentes em situação menos evidente, especialmente em
residências, segundo dados divulgados hoje (8) no relatório Brasil Livre de
Trabalho Infantil, da organização não governamental (ONG) Repórter Brasil.
Estima-se que aproximadamente 258 mil crianças e adolescentes entre 10 e 17
anos trabalham na casa de terceiros no país – das quais 94% são do sexo
feminino. No mundo, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) avalia que
15,5 milhões de pessoas com menos de 18 anos exerçam atividades domésticas.
Com a aprovação da Emenda Constitucional 72 no início de
abril, passou a ser proibido o trabalho doméstico insalubre a menores de 18
anos e qualquer tipo de atividade a menores de 16 anos. Ainda assim, não há
instrumentos que viabilizem a fiscalização. De acordo com informações do
relatório, das mais de 7,2 mil ações de fiscalização do Ministério do Trabalho
e Emprego feitas em 2012, apenas nove foram referentes a trabalho infantil
doméstico.
A justificativa para a relativa ausência de ações é a
inviolabilidade do lar, garantida pelo Artigo 5º, Inciso 11, da Constituição. A
lei estabelece que ninguém pode entrar em um domicílio sem o consentimento do
morador, salvo em caso de flagrante delito, desastre, emergência ou por
determinação judicial.
Atualmente, a fiscalização dos casos de trabalho infantil
doméstico é regida pela Instrução Normativa 77, de 2009, do Ministério do
Trabalho, que determina que a ação dos auditores se limita a plantões fiscais e
ações de sensibilização. A partir disso, as denúncias devem ser feitas aos
conselhos tutelares ou à Procuradoria do Ministério Público.
"A inviolabilidade do lar não pode ser mais sagrada do
que o princípio de máxima e prioritária proteção às crianças e aos
adolescentes, estabelecida tanto pela Constituição Federal quanto pelo ECA
[Estatuto da Criança e do Adolescente]. O problema é que, diante de conflitos
entre princípios jurídicos, a tendência do Estado brasileiro tem sido a do
caminho mais fácil: existe a inviolabilidade do lar, então não podemos
fiscalizar", explicou, no relatório, a professora de mestrado em Políticas
Sociais e Cidadania da Universidade Católica de Salvador.
O diretor do Departamento de Fiscalização do Trabalho do
ministério e coordenador da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho
Infantil, Leonardo Soares, informou, no estudo, que é difícil um juiz emitir
autorizações para que fiscais do trabalho entrem em um domicílio – exceto em
casos de busca e apreensão ou crime. Na maioria dos casos, a fiscalização é
negociada entre os auditores e os proprietários.
Concomitantemente, a ONG identificou a resistência cultural
na sociedade brasileira, inclusive por parte de representantes do Poder
Público, no sentido de naturalizar o trabalho infantil, tanto no âmbito do lar
quanto em outros locais – o que dificulta a negociação com os possíveis
empregadores e as denúncias feitas por terceiros. Em 2011, foram registrados mais
de 3,1 mil casos de crianças e adolescentes trabalhando na iniciativa privada
com autorização prévia da Justiça. Entre 2005 e 2010, esses casos superaram 33
mil.
Somada às demais dificuldades impostas pelo tema está o fato
de que o trabalho infantil atual está menos relacionado à exploração e mais a
questões econômicas, como a desigualdade de renda. Segundo o Censo de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 40% dos 3,4
milhões crianças entre 10 e 17 anos que exercem algum tipo de atividade no
mercado de trabalho não estão abaixo da linha de pobreza e usam o que recebem
para comprar bens de uso pessoal, como eletroeletrônicos, jogos, celulares,
roupas e calçados.
Ainda hoje, haverá uma audiência pública na Câmara dos
Deputados para a apresentação oficial do relatório e promoção de debates sobre
o tema, com o objetivo de ampliar as discussões sobre a erradicação das piores
formas de trabalho infantil. Está prevista a participação de representantes da
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e da OIT.
do site Geledes.org.br
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