segunda-feira, 26 de maio de 2014

Juíza pode se tornar a primeira desembargadora negra do estado

Juíza pode se tornar a primeira desembargadora negra do estado
Anúncio será feito nesta hoje, e, na lista de candidatos, o nome com maiores chances de promoção é o da juíza Ivone Ferreira Caetano, titular da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso

FRANCISCO ALVES FILHO

Rio - Mais de dois séculos e meio após sua criação, a Justiça do Rio pode ter, enfim, a primeira desembargadora negra. O anúncio será feito nesta segunda-feira, e, na lista de candidatos, o nome com maiores chances de promoção é o da juíza Ivone Ferreira Caetano, titular da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso. O Rio tem mulheres desembargadoras e tem desembargadores negros. Não há no cargo, porém, alguém que reúna as duas qualificações. Se a promoção se confirmar, Ivone, de 69 anos, será a segunda do Brasil nessa condição.

A juíza lamenta essa realidade. “É uma vergonha isso ser raridade em pleno Século XXI”, diz.

Tida como durona, Ivone é conhecida por decisões controvertidas como a internação compulsória de adolescentes dependentes de drogas e por obrigar adolescentes grávidas a se submeterem a tratamento médico. Quando fala de preconceito, não usa meias palavras. “Essa decantada democracia racial não existe”, afirma.






 A juíza Ivone Ferreira Caetano: "Não dou bola para o preconceito e sigo em frente fazendo o que tem que ser feito"
Foto:  Fernando Souza / Agência O Dia
A possível promoção a desembargadora só será confirmada no anúncio oficial, já que há outros candidatos. Mas, pelo critério de obter 13 votos em três eleições, Ivone é quem tem a melhor posição. Mais uma vez, seria pioneira no estado, já que há 20 anos foi a primeira mulher negra a passar em um concurso para a magistratura fluminense.
Desde então, ela avalia, o preconceito se manteve. Reconhece, no entanto, que houve avanços. “O negro está começando a ter autoestima e a gostar de si próprio”, acredita. “Está crescendo a consciência do meu povo”.
Ivone diz ter sido vítima de racismo várias vezes. Explica como enfrentou essas situações, fazendo analogia com a atitude do lateral-direito Daniel Alves em resposta a torcedores preconceituosos. “Só não digo que como a banana e limpo as mãos no calção porque minha área não é o futebol”, ironiza. “Não dou bola para o preconceito e sigo em frente fazendo o que tem que ser feito”. Além da segregação sofrida por causa da cor da pele, Ivone enfrenta os preconceitos contra a condição feminina. “Ser negra e mulher é muito difícil no Brasil”.
Caso o Tribunal de Justiça confirme a escolha, ela se considera à altura da tarefa. “Pode haver quem trabalhe tanto quanto, mas não mais que eu”. Filha de uma lavadeira que foi abandonada pelo marido e conseguiu criar 11 filhos, ela acredita que a possível promoção seria um avanço contra o racismo: “Isso sinaliza para os demais negros que sim, eles podem”

Em todo o Brasil, houve apenas um caso, na Bahia

Somente em 1998, o TJ-RJ teve o seu primeiro desembargador negro: Gilberto Fernandes. Mesmo hoje, são poucos. “Não se contam nos dedos de duas mãos”, diz a juíza Ivone Caetano. Em todo o país, há apenas uma mulher negra que chegou ao cargo de desembargadora. Filha de vaqueiro com uma costureira, Luizlinda Valois Santos foi nomeada na Bahia, em 2011.
"Pode haver quem trabalhe tanto quanto, mas não mais que eu"Ivone Ferreira Caetano, titular da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso
Uma das poucas pesquisas sobre o perfil da magistratura brasileira, feita pelo pesquisador Romeu Ferreira Emygdio, do IBGE, demonstra que o Poder Judiciário de Brasil reflete a segregação étnica que se repete em várias instituições. O estudo, com dados de 1980 a 2000, revela que 85,9%, dos juízes togados declaram-se de cor branca, havendo 14,1% não brancos. Apesar dos 14 anos de diferença, o pesquisador alerta que não há grandes diferenças dos últimos 400 anos de história do Brasil.

Muitas críticas por defender a internação compulsória

Para a juíza Ivone Caetano, o trabalho à frente da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso é a tarefa mais pesada no Judiciário. “Com o crack, os problemas nessa área têm crescido bastante”. Ela foi uma das primeiras autoridades a determinar internação compulsória para adolescentes dependentes de drogas que vivem na rua. Desde 2011, enfrenta críticas por isso.
Alguns argumentam que essa iniciativa fere o direito de ir e vir. “Aqueles que criticam não oferecem soluções para essa grave questão. Quem tem boa condição financeira pode internar o filho, enviar ao exterior para tratamento. Já os pobres podem ficar na rua, entregues ao tráfico?”
Ivone ressalva que é preciso garantir atendimento médico de qualidade. “Os adolescentes não devem ser jogados em um depósito de gente”.

Outro debate em que frequentemente é chamada a opinar: a discussão sobre redução da maioridade penal como medida para combater a criminalidade. “Por enquanto, eu ainda sou contra. Na minha opinião, a esses menores nada foi dado. Nem saúde, nem educação, nem ambiente digno de moradia. Então, pouco lhes pode ser cobrado”.
Sua atuação rendeu admiradores, mas também fez surgir adversários: teve contra si 19 representações (tentativas de punição). Nenhuma delas foi aceita. “Não sei se essas iniciativas foram por discordâncias legais ou apenas pelo objetivo de martelar a cabeça de um prego saliente (risos). Nunca poderão dizer que eu seja desonesta ou aja fora da legalidade”. Ela não se abala e mantém o foco. “Busco fazer o melhor pela criança e adolescente".                              





do site do Jornal O Dia



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