Juíza pode se tornar a primeira desembargadora negra do
estado
Anúncio será feito nesta hoje, e, na lista de candidatos, o
nome com maiores chances de promoção é o da juíza Ivone Ferreira Caetano,
titular da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso
FRANCISCO ALVES FILHO
Rio - Mais de dois séculos e meio após sua criação, a
Justiça do Rio pode ter, enfim, a primeira desembargadora negra. O anúncio será
feito nesta segunda-feira, e, na lista de candidatos, o nome com maiores
chances de promoção é o da juíza Ivone Ferreira Caetano, titular da Vara da
Infância, da Juventude e do Idoso. O Rio tem mulheres desembargadoras e tem
desembargadores negros. Não há no cargo, porém, alguém que reúna as duas
qualificações. Se a promoção se confirmar, Ivone, de 69 anos, será a segunda do
Brasil nessa condição.
A juíza lamenta essa realidade. “É uma vergonha isso ser
raridade em pleno Século XXI”, diz.
Tida como durona, Ivone é conhecida por decisões
controvertidas como a internação compulsória de adolescentes dependentes de
drogas e por obrigar adolescentes grávidas a se submeterem a tratamento médico.
Quando fala de preconceito, não usa meias palavras. “Essa decantada democracia
racial não existe”, afirma.
A juíza Ivone Ferreira Caetano: "Não dou bola para o
preconceito e sigo em frente fazendo o que tem que ser feito"
Foto: Fernando Souza
/ Agência O Dia
A possível promoção a desembargadora só será confirmada no
anúncio oficial, já que há outros candidatos. Mas, pelo critério de obter 13
votos em três eleições, Ivone é quem tem a melhor posição. Mais uma vez, seria
pioneira no estado, já que há 20 anos foi a primeira mulher negra a passar em
um concurso para a magistratura fluminense.
Desde então, ela avalia, o preconceito se manteve.
Reconhece, no entanto, que houve avanços. “O negro está começando a ter
autoestima e a gostar de si próprio”, acredita. “Está crescendo a consciência
do meu povo”.
Ivone diz ter sido vítima de racismo várias vezes. Explica
como enfrentou essas situações, fazendo analogia com a atitude do
lateral-direito Daniel Alves em resposta a torcedores preconceituosos. “Só não
digo que como a banana e limpo as mãos no calção porque minha área não é o
futebol”, ironiza. “Não dou bola para o preconceito e sigo em frente fazendo o
que tem que ser feito”. Além da segregação sofrida por causa da cor da pele,
Ivone enfrenta os preconceitos contra a condição feminina. “Ser negra e mulher
é muito difícil no Brasil”.
Caso o Tribunal de Justiça confirme a escolha, ela se
considera à altura da tarefa. “Pode haver quem trabalhe tanto quanto, mas não
mais que eu”. Filha de uma lavadeira que foi abandonada pelo marido e conseguiu
criar 11 filhos, ela acredita que a possível promoção seria um avanço contra o
racismo: “Isso sinaliza para os demais negros que sim, eles podem”
Em todo o Brasil, houve apenas um caso, na Bahia
Somente em 1998, o TJ-RJ teve o seu primeiro desembargador
negro: Gilberto Fernandes. Mesmo hoje, são poucos. “Não se contam nos dedos de
duas mãos”, diz a juíza Ivone Caetano. Em todo o país, há apenas uma mulher
negra que chegou ao cargo de desembargadora. Filha de vaqueiro com uma
costureira, Luizlinda Valois Santos foi nomeada na Bahia, em 2011.
"Pode haver quem trabalhe tanto quanto, mas não mais
que eu"Ivone Ferreira Caetano, titular da Vara da Infância, da Juventude e
do Idoso
Uma das poucas pesquisas sobre o perfil da magistratura
brasileira, feita pelo pesquisador Romeu Ferreira Emygdio, do IBGE, demonstra
que o Poder Judiciário de Brasil reflete a segregação étnica que se repete em
várias instituições. O estudo, com dados de 1980 a 2000, revela que 85,9%, dos
juízes togados declaram-se de cor branca, havendo 14,1% não brancos. Apesar dos
14 anos de diferença, o pesquisador alerta que não há grandes diferenças dos
últimos 400 anos de história do Brasil.
Muitas críticas por defender a internação compulsória
Para a juíza Ivone Caetano, o trabalho à frente da Vara da
Infância, da Juventude e do Idoso é a tarefa mais pesada no Judiciário. “Com o
crack, os problemas nessa área têm crescido bastante”. Ela foi uma das
primeiras autoridades a determinar internação compulsória para adolescentes
dependentes de drogas que vivem na rua. Desde 2011, enfrenta críticas por isso.
Alguns argumentam que essa iniciativa fere o direito de ir e
vir. “Aqueles que criticam não oferecem soluções para essa grave questão. Quem
tem boa condição financeira pode internar o filho, enviar ao exterior para
tratamento. Já os pobres podem ficar na rua, entregues ao tráfico?”
Ivone ressalva que é preciso garantir atendimento médico de
qualidade. “Os adolescentes não devem ser jogados em um depósito de gente”.
Outro debate em que frequentemente é chamada a opinar: a
discussão sobre redução da maioridade penal como medida para combater a
criminalidade. “Por enquanto, eu ainda sou contra. Na minha opinião, a esses
menores nada foi dado. Nem saúde, nem educação, nem ambiente digno de moradia.
Então, pouco lhes pode ser cobrado”.
Sua atuação rendeu admiradores, mas também fez
surgir adversários: teve contra si 19 representações (tentativas de punição).
Nenhuma delas foi aceita. “Não sei se essas iniciativas foram por discordâncias
legais ou apenas pelo objetivo de martelar a cabeça de um prego saliente
(risos). Nunca poderão dizer que eu seja desonesta ou aja fora da legalidade”.
Ela não se abala e mantém o foco. “Busco fazer o melhor pela criança e adolescente". do site do Jornal O Dia
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