RECURSO ESPECIAL Nº 821.660 - DF (2006/0038097-2) (f)
DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE. EVOLUÇÃO
LEGISLATIVA. SITUAÇÃO JURÍDICA MAIS VANTAJOSA PARA O COMPANHEIRO QUE PARA O CÔNJUGE.
EQUIPARAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL.
... (clique no título para acessar a íntegra)
6- A. e sua esposa, B. eram proprietários do apartamento X .
7.- A cônjuge virago faleceu 26/10/81, transferindo às filhas do casal, a meação que tinha sobre o imóvel.
8.- Em 28/06/89 A. convolou novas núpcias com C., tendo sido adotado o regime da separação obrigatória de bens. Dessa união não resultou filhos.
9.- Em 18/06/99 A. veio a óbito, ocasião em que as filhas do primeiro casamento herdaram a outra metade do imóvel descrito.
10.- Em 17/02/02 as filhas ajuizaram ação de reintegração de posse contra a viúva de seu pai, C., visando a se imitirem na posse do bem (fls. 02/06).
11.- A sentença indeferiu o pedido, argumentando, basicamente, que o artigo 1.831 do Código Civil outorgava ao cônjuge supérstite o direito real de habitação sobre o imóvel da família, desde que fosse o único a inventariar (fls. 116/120).
12.- O Tribunal de origem manteve a sentença nos termos da ementa constante do relatório.
13.- Não se viabiliza o especial pela indicada ausência de prestação jurisdicional, porquanto a matéria em exame foi devidamente enfrentada, emitindo-se pronunciamento de forma fundamentada e sem contradições. A jurisprudência desta Casa é pacífica ao proclamar que, se os fundamentos adotados bastam para justificar o concluído na decisão, o julgador não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos utilizados pela parte.
14.- A questão posta no presente recurso especial está, essencialmente, em saber se a recorrida C. faz ou não faz jus ao direito real de habitação sobre o imóvel em que residia com o seu falecido esposo tendo em vista a data da abertura da sucessão e o regime de bens do casamento.
15.- O Código Civil de 2002, no seu artigo 1831, confere ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens e sem prejuízo do que lhe caiba por herança, o direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único dessa natureza a inventariar.
16.- Não se trata, porém de uma inovação legislativa. A Lei nº 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada) havia acrescido ao artigo 1.611 do Código Civil de 1916, um parágrafo segundo que estabelecia o mesmo direito subjetivo, restringindo-o, porém, às hipóteses em que o cônjuge sobrevivente e o de cujus fossem casados pelo o regime da comunhão universal de bens.
17.- A restrição contida no Código antigo era alvo de severas críticas, sobretudo a partir de 1977, quando o regime legal de bens no casamento, deixou de ser o da comunhão universal para ser o da comunhão parcial, por criar situações de injustiça social.
ORLANDO GOMES assinalava, a propósito, que:
“A restrição ao regime da comunhão universal é injustificável. Quando se não quisesse estender o favor ao cônjuge casado pelo regime da separação, caberia pela mesma razão, no caso de comunhão parcial, ao menos quando imóvel fosse adquirido na constância do matrimônio e, portanto se houvesse comunicado, tornando-se bem comum. (GOMES, Orlando, apud LEITE, Eduardo de Oliveira: Comentários ao Novo Código Civil, Vol. XXI, Forense, Rio de Janeiro, 2003, p. 226).”
Possivelmente em razão dessas críticas, o legislador de 2002 houve por bem abandonar a posição mais restritiva, conferindo o direito real de habitação ao cônjuge supérstite casado sob qualquer regime de bens (art. 1831).
18.- Antes do Código Civil de 2002, porém, a Lei nº 9.278/96 já havia conferido direito equivalente às pessoas ligadas pela união estável.
Art. 7º. Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.
19.- Instaurou-se, assim, um certa perplexidade, pois, entre a edição dessa lei e o início da vigência do Código Civil de 2002, uma interpretação literal das normas de regência então vigentes, autorizavam concluir que o companheiro sobrevivente estava em situação mais vantajosa do que o cônjuge sobrevivente (que não fosse casado pelo regime da comunhão universal de bens). Perceba-se que o direito real de habitação, até então exclusivo do cônjuge supérstite, havia sido estendido ao companheiro sobrevivente por força do parágrafo único do artigo 7º, da lei 9.278/96, de maneira mais abrangente, conferindo ao companheiro sobrevivente um direito subjetivo que não socorria à maioria dos cônjuges em idêntica situação. Examinando-se as consequências dessa exegese tem-se o seguinte: Se duas pessoas vivessem em união estável e uma delas falecesse a outra teria a segurança de continuar vivendo no imóvel em que residiam. Se porém, essas mesmas pessoas resolvessem se casar, o que provavelmente ocorreria sob o regime da comunhão parcial, já que esse era o regime legal a partir de 1977, o cônjuge sobrevivente não teria mais assegurado o direito de continuar habitando o imóvel da família.
20.- O casamento, a partir do que se extrai inclusive da Constituição Federal, conserva posição juridicamente mais forte que a da união estável. Não se pode, portanto, emprestar às normas destacadas uma interpretação dissonante dessa orientação constitucional. Tal impossibilidade vem bem destacada, por exemplo, nos seguintes precedentes desta Corte Superior:
Direito civil. Família. Recurso especial. Concubinato. Casamento simultâneo. Ação de indenização. Serviços domésticos prestados.- Se com o término do casamento não há possibilidade de se pleitear indenização por serviços domésticos prestados, tampouco quando se finda a união estável, muito menos com o cessar do concubinato haverá qualquer viabilidade de se postular tal direito, sob pena de se cometer grave discriminação frente ao casamento, que tem primazia constitucional de tratamento; ora, se o cônjuge no casamento nem o companheiro na união estável fazem jus à indenização, muito menos o concubino pode ser contemplado com tal direito, pois teria mais do que se casado fosse.- A concessão da indenização por serviços domésticos prestados à concubina situaria o concubinato em posição jurídica mais vantajosa que o próprio casamento, o que é incompatível com as diretrizes constitucionais fixadas pelo art. 226 da CF/88 e com o Direito de Família, tal como concebido.(...)
- Inviável o debate acerca dos efeitos patrimoniais do concubinato quando em choque com os do casamento pré e coexistente, porque definido aquele, expressamente, no art. 1.727 do CC/02, como relação não eventual entre o homem e a mulher, impedidos de casar; a disposição legal tem o único objetivo de colocar a salvo o casamento, instituto que deve ter primazia, ao lado da união estável, para fins de tutela do Direito. (REsp 872.659/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Processual civil. Recurso especial. Ação de conhecimento sob o rito ordinário. Casamento. Regime da separação legal de bens. Cônjuge com idade superior a sessenta anos. Doações realizadas por ele ao outro cônjuge na constância do matrimônio. Validade.- São válidas as doações promovidas, na constância do casamento, por cônjuges que contraíram matrimônio pelo regime da separação legal de bens, por três motivos: (i) o CC/16 não as veda, fazendo-no apenas com relação às doações antenupciais; (ii) o fundamento que justifica a restrição aos atos
praticados por homens maiores de sessenta anos ou mulheres maiores que cinqüenta, presente à época em que promulgado o CC/16, não mais se justificam nos dias de hoje, de modo que a manutenção de tais restrições representam ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana; (iii) nenhuma restrição seria imposta pela lei às referidas doações caso o doador não tivesse se casado com a donatária, de modo que o Código Civil, sob o pretexto de proteger o patrimônio dos cônjuges, acaba fomentando a união estável em detrimento do casamento, em ofensa ao art. 226, §3º, da Constituição Federal.(REsp 471.958/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 18/02/2009).
21.- Considerando, pois, que a interpretação literal das normas postas levaria à conclusão de que o companheiro estaria em situação privilegiada em relação ao cônjuge e, bem assim, que essa exegese, propõem uma situação de todo indesejada no ordenamento jurídico brasileiro, é de se rechaçar a adoção dessa interpretação literal da norma.
22.- Uma interpretação que melhor ampara os valores espelhados na Constituição Federal é aquela segundo a qual o artigo 7º da Lei nº 9.278/96 teria derrogado, a partir da sua entrada em vigor, o § 2º do artigo 1.611 do Código Civil de 1916, de modo a neutralizar o posicionamento restritivo contido na expressão "casados sob o regime da comunhão universal de bens".
23.- Em outras palavras é de se admitir que a Constituição Federal (artigo 226, § 3º) ao exortar o legislador a criar de uma moldura normativa pautada pela isonomia entre a união estável e o casamento, exortou também o intérprete da norma e o juiz a concluírem pela derrogação parcial do § 2º do artigo 1.611 do Código Civil de 1916, de modo a equiparar a situação do cônjuge e do companheiro no que respeita ao direito real de habitação.
24.- Perceba-se que, dessa maneira, tanto o companheiro, como o cônjuge, qualquer que seja o regime do casamento, estarão em situação equiparada, adiantando-se, de tal maneira, o quadro normativo que só veio a se concretizar de maneira explícita, com a edição do novo Código Civil.
25.- Resumindo é possível afirmar que, no caso dos autos, como o cônjuge da recorrida faleceu em 1999, é indevido recusar a esta o direito real de habitação sobre o imóvel em que residiam desde essa data, tendo em vista a aplicação analógica por extensão do artigo 7º da Lei nº 9.278/96.
26.- Ante o exposto, nega-se provimento ao Recurso Especial.
Ministro SIDNEI BENETI
Relator
Nenhum comentário:
Postar um comentário