Em Portugal, residem ou trabalham milhares de brasileiros que constituem a maior comunidade de imigrantes no nosso país.
Vários motivos contribuíram para esta situação: - as condições de trabalho e as remunerações mais elevadas, a facilidade no uso da língua e na adaptação cultural e a busca de um certo sentimento de segurança que o Brasil não oferecia.
Hoje em dia, muitas destas realidades se alteraram em consequência da crise económica e financeira que atinge a Europa ao passo que, no Brasil, a melhoria das condições sociais e económicas, tem justificado o regresso de muitos brasileiros ao seu país natal.
Apesar disso, uma realidade que resultou (e ainda resulta) da presença da comunidade brasileira em Portugal consiste no estabelecimento das relações familiares ou parentais que se estabeleceram entre brasileiros e portugueses ou entre brasileiros entre si e que podem justificar a intervenção dos Tribunais de Família e de Menores portugueses.
Vamos abordar apenas os conflitos familiares envolvendo nacionais brasileiros quando estejam em causa situações de divórcio ou de regulação das responsabilidades parentais dos filhos com menos de 18 anos de idade.
De acordo com a lei portuguesa, quando as pessoas envolvidas tenham a mesma nacionalidade, ao divórcio e às relações entre pais e filhos, é aplicável a lei nacional comum (artigos 52.º, n.º 1, 55.º, n.º 1 e 57.º, n.º 1 todos do Código Civil Português).
Assim, estando em causa situações de divórcio ou de regulação das responsabilidades parentais de cidadãos de nacionalidade brasileira e dos seus filhos que residam em Portugal, seria aplicável a lei brasileira.
Contudo, a lei brasileira, contrariamente ao que acontece com a maioria dos restantes países de expressão portuguesa, determina que ao direito da família se aplica a lei do país onde a pessoa se encontre domiciliada (artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 4.657, de 4 de Setembro de 1942 - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).
Esta é uma norma de duplo reenvio que devolve à lei portuguesa (onde se situa o domicílio dos cônjuges ou da criança) a aplicação para a resolução de conflitos envolvendo cidadãos de nacionalidade brasileira.
Assim sendo, aos cidadãos brasileiros que residam em Portugal e que pretendam divorciar-se ou regular o exercício das responsabilidades parentais dos seus filhos menores de idade, é aplicável a lei portuguesa.
Quais as regras que importa observar quanto ao divórcio ?
O divórcio pode ser decretado no âmbito de um processo administrativo quando ambos os cônjuges estejam de acordo em divorciar-se e tenham acordado também na resolução das questões envolvendo os filhos menores (se os houver), os bens comuns do casal, o uso da casa de morada de família e a obrigação alimentícia entre os cônjuges.
Neste caso, o divórcio é decretado na conservatória do registo civil, não carece da intervenção de advogado e a sua tramitação é bastante simples na medida em que não pressupõe conflito entre os cônjuges.
Ao contrário, se não existir esse acordo, qualquer um dos cônjuges pode pedir ao tribunal que decrete o divórcio mesmo contra a vontade do outro cônjuge, invocando a separação de facto por mais de um ano consecutivo, a ausência do cônjuge, sem notícias, pelo mesmo prazo, a alteração das faculdades mentais do outro cônjuge ou quaisquer outros factos que permitam concluir pela ruptura definitiva da vida em comum do casal.
Contudo, este processo carece da intervenção de advogado embora o interessado possa requerer junto da segurança social a nomeação de advogado oficioso se demonstrar não ter condições económicas para suportar o pagamento dos seus honorários.
Também aqui os cônjuges podem chegar a acordo junto do juiz sobre as questões relativas aos filhos, património comum e interesses pessoais de cada um deles e, neste caso, o divórcio é decretado em seguida.
Não havendo acordo, o divórcio é decretado pelo tribunal mediante a realização de um julgamento submetido aos princípios do contraditório, da igualdade das partes e de outros princípios gerais do processo civil.
E quais são as regras a observar na regulação do exercício das responsabilidades parentais ?
Qualquer um dos progenitores pode requerer a regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores de idade, quer em nome próprio, quer requerendo ao Ministério Público que o faça em representação da criança.
Para isso, apenas necessita de dispor de uma certidão de assento de nascimento da criança e solicitar essa regulação junto do Ministério Público que exerce funções nos tribunais de família e de menores ou, na falta destes, nos tribunais de comarca da área de residência da criança.
Este processo não obriga à constituição de advogado mas, se o progenitor achar que é conveniente e não dispuser de condições económicas para pagar essas despesas, pode também requerer à segurança social a nomeação de advogado oficioso.
De acordo com a lei portuguesa, o tribunal deve determinar com qual dos progenitores fica a residir a criança, qual o regime de exercício das responsabilidades parentais, os contactos entre a criança e o progenitor com quem não ficar a residir (o chamado “direito de visita”) e a fixação da prestação alimentícia a favor do filho.
Desde 1 de Dezembro de 2008 que o regime-regra de exercício das responsabilidades parentais é o exercício conjunto, ou seja, as questões de particular importância da vida da criança devem ser resolvidas por acordo entre os seus progenitores; as questões ou actos da vida corrente serão decididas pelo progenitor com quem a criança se encontrar, embora o progenitor não residente não possa contrariar as orientações educativas mais relevantes definidas pelo progenitor residente (aquele com quem a criança ficar a residir e que antes se denominava “progenitor guardião”).
Isto significa que, em caso de separação dos progenitores, as questões do dia-a-dia da criança serão decididas pelo progenitor com quem esta se encontrar naquele momento; porém, as questões mais importantes da vida da criança devem ser resolvidas por ambos.
Nas situações envolvendo crianças e pais pertencentes a uma determinada comunidade imigrante, uma das questões de particular importância que se coloca com mais frequência reside na possibilidade da realização de viagens para o estrangeiro sem a autorização do outro progenitor, o que pode causar alguns conflitos.
Porém, é possível que os pais possam acordar entre si ou pedir ao juiz que estabeleça a possibilidade de qualquer um dos progenitores sair para o estrangeiro com o filho dispensando a autorização do outro, facilitando assim as possibilidades da criança poder deslocar-se, por exemplo, de Portugal para o Brasil para visitar a família materna ou paterna e regressar ao nosso país, dispensa de autorização que terá que ser bilateral, ou seja, deve aplicar-se a ambos os progenitores.
O exercício exclusivo das responsabilidades parentais a cargo de um dos progenitores (aquele com quem a criança ficará a residir) apenas pode ser decidido pelo tribunal, mediante decisão fundamentada e no superior interesse da criança, quando se conclua, por exemplo, que é mais vantajoso para a vida do filho que esse exercício seja exercido apenas por um dos progenitores, nomeadamente em situações de ausência ou de impedimento, de violência doméstica ou de total desinteresse culposo nos contactos regulares entre os progenitores e a criança.
Neste caso, apenas o tribunal pode estabelecer um regime diverso daquele que a lei portuguesa estabelece como o regime-regra (exercício conjunto das responsabilidades parentais).
Os progenitores também podem pedir ao tribunal que homologue o acordo de regulação das responsabilidades parentais que tenham ajustado entre si, pessoalmente, através de advogado ou dos serviços de mediação. Neste caso, o processo é muito mais simples e rápido na medida em que pode não justificar a marcação de uma conferência de pais mas sim apenas a audição do Ministério Público sobre o acordo, seguida de decisão do juiz homologando o acordo se entender que este acautela os interesses da criança.
Com o decretamento do divórcio ou a fixação do exercício das responsabilidades parentais realizado desta forma em Portugal, qualquer um dos cônjuges ou progenitores pode depois requerer o reconhecimento dessas decisões junto das autoridades judiciárias brasileiras e, desta forma, não necessita de instaurar novos processos de divórcio ou de regulação do exercício das responsabilidades parentais caso, no futuro, algum deles pretenda regressar ao Brasil ou até mesmo procurar novas oportunidades num outro país.
Por seu turno, nas situações em que os progenitores estejam separados, a regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores é importante para a atribuição de prestações sociais (abonos de família e outros subsídios) ou para a resolução das questões relacionadas com a saída da criança para o estrangeiro ou com a escola, o que pode justificar a necessidade do pai ou da mãe se deslocarem ao tribunal para resolver essa situação quanto antes.
António José Fialho
Juiz de Família e Menores
Tribunal de Família e Menores do Barreiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário