EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ATO
JUDICIAL QUE NÃO SE APRESENTA ILEGAL OU ABUSIVO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA
DESPERSONALIZAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO DE FAMÍLIA.
POSSIBILIDADE. Havendo fortes evidências de que o bem pertencente à impetrante,
na realidade, seja de propriedade do sócio-gerente, que apenas empregou a
pessoa jurídica como artifício para prejudicar futura partilha de bens,
utilizando, para tanto, a tese de que os bens da pessoa jurídica não se
confundem com os do sócio, é justificável, para fins de preservação de futura
partilha, o ato judicial que determinou a expedição de ofícios a cartório de
registro de imóveis, com fim de bloquear a venda de bem imóvel registrado em
nome da impetrante. Tal entendimento encontra amparo na teoria da
despersonalização da pessoa jurídica, que, quando aplicada no âmbito do Direito
de Família, permite relativizar a autonomia da pessoa jurídica para investigar
eventual fraude contra meação do consorte conjugal. Segundo Rolf Madaleno:
"é larga e producente sua aplicação no processo familial, principalmente,
frente à diuturna constatação nas disputas matrimoniais, do cônjuge empresário
esconder-se sob as vestes da sociedade, para a qual faz despejar, senão todo,
ao menos o rol mais significativo dos bens comuns. É situação rotineira
verificar nas relações nupciais que os bens materiais comprados para uso dos
esposos, como carros, telefones, móveis e mormente imóveis, dentre eles a
própria alcova nupcial, encontram-se registrados ou adquiridos em nome de empresas
de que participa um dos consortes. Com este estratagema, controlam e manipulam
ao seu talante os resultados econômicos do desfazimento de suas núpcias, não
sendo infreqüente a esposa descobrir que toda sua meação conjugal resvala das
suas mãos, sob o pálio da personalidade jurídica que a deu em comodato."
(Direito de família - aspectos polêmicos, Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1998, p. 27).
MANDADO DE SEGURANÇA Nº
1.0000.04.413821-2/000 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - IMPETRANTE (S): O C. E P.
LTDA. - AUT COATORA (S): JD 12ª V FAMÍLIA COMARCA BELO HORIZONTE - RELATORA:
EXMª. SRª. DESª. MARIA ELZA
ACÓRDÃO
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc., acorda a QUINTA CÂMARA
CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o
relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas
taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DENEGAR A SEGURANÇA.
Belo Horizonte, 12 de maio de 2005.
DESª. MARIA ELZA – Relatora
.........
......
(destacada apenas parte do acórdão para o blog)
Destarte, não
poderia a decisão anterior, que determinara a expedição de ofícios a cartório
de registro de imóveis, com fim de bloquear a venda de bem imóvel registrado em
nome de pessoa jurídica de cujo quadro societário figura o recorrido, ter sido
revogada."
A duas, porque há
fortes evidências de que o bem pertencente à impetrante, na realidade, seja de
propriedade de A, que apenas empregou a pessoa jurídica como artifício para
prejudicar futura partilha de bens, utilizando, para tanto, a tese de que os
bens da pessoa jurídica não se confundem com os do sócio.
As evidências
mencionadas se concretizam, quando se constata que:
a) a impetrante foi
constituída, quando ainda A e B viviam em união estável;
b) A é sócio
majoritário, detendo 90% (noventa por cento) das quotas da impetrante;
c) o bem imóvel
adquirido pela impetrante, na pessoa de A, uma propriedade rural, denominada
Fazenda X, situada no Município de Y, não se correlaciona com objeto social da
impetrante;
d) é vedado, nos
termos da cláusula 5ª, da alteração contratual de f. 36 - TJ, que o sócio
gerente, no caso A, use da denominação social em negócios particulares ou
estranhos à sociedade;
e) as reportagens
de f. 44/55 - TJ, ao noticiarem o matrimônio de A com M, registraram que o
casamento e a recepção ocorreram na Fazenda X, de propriedade de A. É notório
que tais informações veiculadas em colunas sociais, mesmo quando não-pagas, são
prestadas pelos próprios noivos, no caso A;
Destarte,
justificável, para fins de preservação de futura partilha, o ato judicial que
determinou a expedição de ofícios a cartório de registro de imóveis, com fim de
bloquear a venda de bem imóvel registrado em nome da impetrante.
Tal entendimento
encontra amparo na teoria da despersonalização da pessoa jurídica, que, quando
aplicada no âmbito do Direito de Família, permite relativizar a autonomia da
pessoa jurídica para investigar eventual fraude contra meação do consorte
conjugal.
Segundo Rolf
Madaleno:
"O usual, na
teoria da despersonalização, é equiparar o sócio à sociedade que dentro dela se
esconde, para desconsiderar seu ato ou negócio fraudulento ou abusivo e,
destarte, alcançar seu patrimônio pessoal, por obrigação formal da sociedade.
Já no Direito de Família, sua utilização dar-se-à de hábito na via inversa,
desconsiderando o ato, para alcançar bem da sociedade, para pagamento do
cônjuge ou credor prejudicado. É larga e producente sua aplicação no processo
familial, principalmente, frente à diuturna constatação nas disputas
matrimoniais, do cônjuge empresário esconder-se sob as vestes da sociedade,
para a qual faz despejar, senão todo, ao menos o rol mais significativo dos
bens comuns. É situação rotineira verificar nas relações nupciais que os bens
materiais comprados para uso dos esposos, como carros, telefones, móveis e
mormente imóveis, dentre eles a própria alcova nupcial, encontram-se
registrados ou adquiridos em nome de empresas de que participa um dos
consortes. Com este estratagema, controlam e manipulam ao seu talante os
resultados econômicos do desfazimento de suas núpcias, não sendo infreqüente a
esposa descobrir que toda sua meação conjugal resvala das suas mãos, sob o
pálio da personalidade jurídica que a deu em comodato." (Direito de
família - aspectos polêmicos, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 27).
Não se alegue que
tal decisão contraria entendimento firmado nos mandados de segurança n.
1000.246.718-1, 4ª Câmara Cível, TJMG, relator Almeida Melo,
1000.00.348412-8/000, 5ª Câmara Cível, TJMG, relator Cláudio Costa, pois as
circunstâncias fáticas eram diversas, pois aqueles julgados envolviam a figura
do sócio-minoritário, já este cuida de sócio-majoritário, além do que há fortes
indícios de que o bem imóvel pertença ao sócio.
Por fim,
insubsistente a alegação de que o referido ato judicial seria desprovido de
fundamentação, pois basta uma singela leitura, à f. 87 - TJ, para constatar a
motivação do conteúdo decisório embasada na existência de "fortes indícios
de que a propriedade ali mencionada seja de fato do requerido e que porventura
vindo a ser alienada, acarretaria flagrante prejuízo à requerente."
Pelo exposto, não-configurada a
ilegalidade ou abusividade do ato judicial, denego a segurança, revogando,
pois, a liminar, de forma a restaurar os efeitos da decisão que determinou a
expedição de ofícios a cartório de registro de imóveis, com fim de bloquear a
venda de bem imóvel registrado em nome da impetrante. Custas, pela impetrante.
Sem condenação em honorários, nos termos da súmula n. 105 do Superior Tribunal
de Justiça.
O SR. DES. NEPOMUCENO SILVA:
Sr. Presidente.
O insitituto da despersonalização da
pessoa jurídica é excepcionalíssimo, exigindo para sua aplicação situações
especiais. Esta é uma delas.
Quanto ao mais, também, estou como a
eminente Relatora, denegando a segurança.
O SR. DES. CLÁUDIO COSTA:
Sr. Presidente.
Tive o cuidado de examinar as peças
do mandado de segurança e não obstante seja avesso à paralisação da
despersonalização da pessoa jurídica, no caso concreto, tendo em vista o
disposto no art. 50 do Código Civil e o princípio da boa-fé, que hoje preside
todas as disposições contidas no aludido Código Civil, não tenho como deixar de
acompanhar a em. Relatora, porque vejo, no caso, caracterizado, no mínimo, um
desvio de finalidade ao se integralizar ao capital da sociedade o imóvel que
está sendo questionado nestes autos.
Acompanho, portanto, a em. Relatora e
denego a segurança.
O SR. DES. DORIVAL GUIMARÃES PEREIRA:
Também tive a oportunidade de
examinar as peças dos autos que me foram encaminhadas, fiz, evidentemente, um
exame até mesmo profundo das questões aventadas e entendi que, realmente, o ato
judicial atacado através desse remédio heróico, não contém nenhuma ilegalidade,
não se ensejando, pois, que se dê acolhimento à postulação nele contida, razão
pela qual acompanho a eminente Relatora, subscrevendo por inteiro os argumentos
contidos em seu voto, e, em conseqüência, denego a segurança.
O SR. DES. ALVIM SOARES (CONVOCADO):
VOTO
Em análise detida do aqui copilado,
tenho que aflora de forma indubitável que o bem em questão, in vero, seja de
propriedade de A; as evidências descritas pela eminente Desª. Maria Elza em seu
voto, concretizam o aqui afirmado, visando preservar futura partilha de bens.
À vista disso, acompanho
integralmente o voto proferido pela eminente Desª. Maria Elza e denego a
segurança.
É como voto.
do site do IBDFAM