sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Direitos do Pai ao Acompanhamento da Gestação


A lei nº 11.804/2008 regulamenta a fixação de alimentos gravídicos para a mulher gestante a fim de que possa se manter diante das despesas adicionais comuns à gravidez. O Código Civil garante o direito de visitação e convívio para o pai. Todavia, não há legislação específica que trate do tema quando a mãe não permite que o pai participe do período de gestação e nascimento do filho. É possível encontrar uma interpretação da lei existente para garantir ao pai participar deste momento, o que será demonstrado a seguir.

Quando o legislador fixou alimentos gravídicos teve o propósito de proteger a mulher gestante e, por consequência, o nascituro. O homem indicado como pai do bebê que irá nascer deve ser chamado ao processo. Para a fixação de alimentos provisórios que irão perdurar até o nascimento do bebê. O principal indício é o fato de a mulher afirmar perante o juiz que aquele determinado homem é pai de seu filho. Para o homem deve ser considerado o mesmo. Se o homem afirmar perante o juiz que é o pai daquele feto que está sendo gestado, caberá ao juiz fixar os alimentos e permitir que o suposto pai acompanhe os procedimentos e seja comunicado da data do parto para poder acompanhar estes momentos. Assim que o bebê nascer, o juiz fixará a visitação, respeitadas as peculiaridades do caso. O exame de DNA irá sanar as dúvidas existentes.

  Portanto, também o pai que estiver alijado do período de gestação e nascimento, pelos mesmos princípios que protegem o nascituro e o obriga a pagar pensão para a gestante, poderá acompanhar a gestação.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

País ganha 2,7 milhões de solteiros, segundo a Pnad

Solteiros são 49,2% da população acima de 15 anos e os casados, 38,6%.
Cresce o número de pessoas que vivem com companheiro sem se casar.


Em 2013, o Brasil tinha 77 milhões de solteiros, 2,7 milhões a mais do que no ano anterior. O total de casados passou de 61,1 milhões para 60,4 milhões – uma redução de cerca de 720 mil. Os números são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013, divulgada nesta quinta-feira (18) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Considerando a população de 15 anos ou mais, 49,2% do total eram solteiros, 38,6%, casados e 6,1%, divorciados, desquitados ou separados judicialmente.
De 2012 para 2013, mais 370 mil pessoas deixaram de viver com o cônjuge, e o total de divorciados, desquitados e separados judicialmente chegou a 9,6 milhões.
Em números relativos, a região Norte é a que tinha a maior proporção de solteiros – 60,5% da população local. Em seguida, apareceram a Nordeste (56,7%), Centro-Oeste (48,6%) e Sudeste (44,3%). A região Sul é a que teve menos solteiros – 44,2%.
Menos homens
solteiros (Foto: Editoria de Arte/G1)
O número de homens solteiros entre 20 e 29 anos ainda é maior que o de mulheres, mas a diferença ficou menor de um ano para o outro. Enquanto o total de solteiros caiu 1%, o de solteiras aumentou 2,2%.
Em 2012, 13,16 milhões de homens dessa faixa etária se declaravam solteiros. No ano seguinte, eram 13,03 milhões. Entre as mulheres, o total passou de 11,78 milhões para 12,05 milhões. O Pnad mostra que houve um maior aumento de mulheres entre 20 e 29 anos
numeros do Brasil
Outras pesquisas, como o Censo do IBGE e relatório do Unicef, mostram que, entre os jovens, os homens são as principais vítimas de assassinatos e acidentes de trânsito.
Solteiros, mas não sozinhos
Mesmo entre quem se declara solteiro há pessoas que vivem em união conjugal, já que o estado só muda após o casamento no civil. No ano passado, 56,7% da população acima de 15 anos viviam com companheiro, ou seja, 88,78 milhões. Em 2012, eram 57%, ou 87,78 milhões.
O número de uniões consensuais subiu de 35,4% para 35,8%. Nesse caso, o IBGE considera quem vive com outra pessoa sem ter se casado no civil ou religioso e quem vive em união estável, com contrato registrado em cartório.
De 2012 para 2013, menos pessoas se casaram no civil e no religioso: de 42,7% para 41,9%. O total de casamentos só no religioso também caiu, de 3,3% para 3,1%.
Mais pessoas se casam só no civil (alta de meio ponto percentual), e menos só no religioso (queda de 0,2 ponto). A proporção de casamentos civis subiu de 18,7% do total de uniões para 19,2%.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Criança terá duas mães e um pai em seu registro

Uma criança da comarca de Nova Lima terá em seu registro o nome de duas mães e de um pai. Constará no documento o nome da mãe biológica e dos pais adotivos. A decisão foi possível a partir da aplicação da moderna doutrina da mutiparentalidade, que consiste basicamente na possibilidade de uma pessoa possuir mais de um pai e/ou mais de uma mãe, simultaneamente, e produz efeitos jurídicos em relação a todos eles. Assim, os nomes dos pais biológicos são mantidos, mas acrescenta-se no registro de nascimento o pai ou a mãe socioafetivos.
O pedido de adoção foi feito por um casal de Nova Lima, pois a criança vive com ele desde o nascimento, pelo fato de a mãe ter morrido em abril de 2011, em virtude de complicações pós-parto. O pai biológico da criança é desconhecido. Os pais adotantes, o irmão da mãe biológica e sua esposa, alegaram ter condições de oferecer ao menor boas condições para o seu sustento e educação, bem como para o seu desenvolvimento físico, mental e social.
A Defensoria Pública foi nomeada curadora do menor e não concordou com a adoção por entender que a criança não foi abandonada por sua mãe e, portanto, não era razoável a perda dos vínculos com a mãe biológica. Assim, para a Defensoria Pública, o casal deveria ter apenas a guarda definitiva da criança.
O Ministério Público manifestou-se favorável aos pedidos do casal, ressalvando a manutenção do nome da mãe biológica no registro, prevalecendo-se os princípios que regem o direito em detrimento à legislação engessada.
Proteção integral
Para o juiz Juarez Morais de Azevedo, titular da Vara Criminal e da Infância e da Juventude de Nova Lima, no caso em questão, não há que se cogitar na destituição do poder familiar, como normalmente ocorre nos casos de adoção, pois a mãe não abandonou o menor. "Qualquer decisão deve orientar-se pelo melhor interesse e proteção integral, o que, no presente caso, impõe a adoção pelos requerentes, que têm todas as provas constantes nos autos favoráveis", disse o magistrado.
O juiz citou ainda o parecer constante no estudo social, que deixou claro que a adoção irá regulamentar uma situação que ocorre de fato desde o nascimento da criança, além de tratar do seu melhor interesse.
O magistrado levou em conta também a oposição da Defensoria Pública em relação ao pedido de adoção. O defensor salientou que uma das consequências da adoção é o rompimento do vínculo com os pais biológicos, "medida extremamente gravosa", uma vez que a mãe não abandonou o menor.
Para Juarez Morais de Azevedo, a sugestão do Ministério Público de que a adoção seja deferida, sem, contudo, a perda do vínculo com a mãe biológica, traz à baila debate interessante em relação aos novos arranjos familiares da atualidade, que têm refletido no direito de família. "Com amparo constitucional, o conceito de família tem se alargado para abranger as mais diversas formas de núcleos familiares, dando especial relevo ao afeto entre os conviventes e às situações de fato, ainda não amparadas expressamente pelo ordenamento jurídico", destacou o magistrado.
Multiparentalidade
O juiz afirmou que a multiparentalidade privilegia o melhor interesse da criança, que tem direito ao conhecimento de suas raízes biológicas, mas também de reconhecer como seus pais aqueles que a criam, dedicando-lhe amor e cuidados.
"Desta feita, o menor será o mais privilegiado com a situação, eis que, além de possuir em seu registro todas aquelas pessoas que contribuíram na sua formação e história de vida, fará jus a alimentos, benefícios previdenciários e sucessórios de todos eles", disse o magistrado. Para ele, "a manutenção do nome da mãe no registro protege não só a memória da falecida, que trouxe em seu ventre o menor e certamente o amou, mas também o melhor interesse da criança, que terá conhecimento de seu passado, não passando pelos traumas advindos pela suposição de que foi rejeitado pela mãe", pontuou.
Com essa fundamentação, o juiz entendeu ser possível o deferimento da adoção sem o rompimento dos vínculos biológicos.
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Os efeitos do abandono para o desenvolvimento psicológico de bebês e a maternagem como fator de proteção

Estud. psicol. (Campinas) vol.21 no.3 Campinas Sept./Dec. 2004

 

The abandonment effects for the babies's Psychological development and the mothely care as a protection factor


Elisângela BöingI; Maria Aparecida CrepaldiII
IResidente, Curso de Especialização em Saúde da Família/ Modalidade Residência, Centro de Ciências da Saúde, Departamento de Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina. Campus Universitário, Trindade, 88940-000, Florianópolis, SC, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: E. BÖING
IICurso de graduação de Psicologia e Pós-Graduação de Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC, Brasil




RESUMO
O objetivo deste artigo é descrever o trabalho de maternagem realizado com bebês deixados para adoção em uma maternidade. Rejeição, doença ou morte e pobreza da mãe/família apresentam-se como determinantes da entrega de um bebê para os cuidados institucionais. Vários estudos apontam os efeitos nocivos sobre a formação das crianças quando observadas num processo de separação dos pais e, em especial, da mãe. Essas crianças requerem assistência especializada para minimizar, tanto quanto possível, o prejuízo psíquico decorrente do abandono. Com base nos estudos que abordam essa temática, o serviço de psicologia dessa maternidade realiza com esses bebês a maternagem, objetivando suprir a carência de cuidados maternos e intervir através da palavra e do contato com o bebê. Longas rupturas com pessoas significativas e institucionalização prolongada agem como importantes fatores de risco para o desenvolvimento normativo da criança. A maternagem atua como fator de proteção para o desenvolvimento do bebê abandonado, promovendo saúde mental.
Palavras-chave: comportamento materno infantil; bebês; separação mãe-bebê; desenvolvimento psicológico; fatores de risco; fatores de proteção.

ABSTRACT
The purpose of this article is to describe the motherly care process carried out with babies who were let at the Maternity foster care service. Rejection, disease, death and poverty can be presented as the determinants for living the babies at the institutional care service by mothers and families. Several studies point out the harmful effects on the children's development when they are observed during the separation processes from the parents and, specially, from their mothers. These children require specialized assistance to minimize, as much as possible, the abandonment psychological consequences. Based on the studies that deal with this subject, the Maternity Psychological Service practices the motherly care with these babies, in order to supply the mother care privation using the influence of interaction through speech and hold held contact. Significant people long absences and an extended institutionalization period bring against the child development. The motherly care acts as a protection factor for the abandoned baby development, promoting mental health.
Key-words: maternal behavior (human), infants, holding, mother-baby separation, psychological development, risk factors, protection factors.



O objetivo do presente artigo é descrever o trabalho realizado pelo serviço de psicologia na maternidade do hospital da Universidade Federal de Santa Catarina junto aos bebês abandonados e encaminhados para a adoção.
Ao nascer, o bebê é um ser indefeso e incapaz de sobreviver por meio de seus próprios recursos; o que lhe falta deve ser compensado e fornecido por um adulto cuidador. Para além dos cuidados de alimentação e higiene, vários autores ressaltam a necessidade do bebê de um contato afetivo contínuo advindo de uma figura constante - a mãe ou um cuidador substituto competente - com a qual estabelecerá relações de apego que vêm assegurar e favorecer seu desenvolvimento biopsicoafetivo (Spitz, 1979; Bowlby, 1984; Goldstein, Freud & Solnit, 1987; Bowlby, 1988; 1989; Winnicott, 1993; Szejer, 1999).
Por cuidador competente entende-se o indivíduo capaz de decifrar os sinais que a criança emite para então atendê-la nas suas necessidades desenvolvimentais (Santos da Silva, 2003).

O papel do vínculo afetivo no desenvolvimento do bebê

Spitz (1979, p.99) ressalta a importância do afeto na relação mãe-filho no aparecimento e desenvolvimento da consciência do bebê e a participação vital que a mãe tem ao criar um "clima emocional favorável", sob todos os aspectos, ao desenvolvimento da criança. Segundo o autor, são os sentimentos maternos que criam esse clima emocional que confere ao bebê uma variedade de experiências vitais muito importantes por estarem "interligadas, enriquecidas e caracterizadas pelo afeto materno". Tais experiências são essenciais na infância, pois, nesse período, os afetos são de altíssima relevância, maior do que em qualquer outro período posterior da vida, visto que, do ponto de vista psicológico, grande parte dos aparelhos sensório, perceptivo e de discriminação sensorial ainda não amadureceu; como conseqüência, a atitude emocional da mãe serve para orientar os afetos do bebê e conferir qualidade de vida à sua experiência.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Projeto de Erradicação do Sub-registro da CGJ/TJRJ é um dos destaques em encontro da América Latina


O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) promoveu nos dias 18 e 19 de agosto, na cidade de La Paz, na Bolívia, um encontro denominado "consulta a experts" sobre a temática do Registro de Nascimento. A juíza Raquel Chrispino e outros convidados foram chamados a apresentar suas experiências para os oficiais de proteção à criança que trabalham na Unicef/ONU nos diversos países da América Latina. O encontro objetivou a reflexão de experiências dos países latinos na construção de políticas públicas para o registro civil.
A magistrada, coordenadora do Serviço de Apoio a Erradicação do Sub-registro Civil de Nascimento da Corregedoria Geral da Justiça/SEPEC, apresentou o painel "Eliminando Barreiras: o papel do Sistema Judiciário. Estudo de caso do Brasil", destacando a experiência do Poder Judiciário do Rio de Janeiro.
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Convidados do encontro, na Bolívia | Foto: Unicef
“Percebemos que, para o Unicef, fica claro que as crianças sem registro de nascimento são mais vulneráveis e possuem maior risco de se tornarem vítimas de violência em todo o mundo”, disse Raquel Chrispino ao retornar do evento. Na sua participação em La Paz, a juíza relatou a experiência do Judiciário do Rio de Janeiro nas ações para erradicação do sub-registro bem como para garantir o acesso ao registro daqueles que são "invisíveis" ao estado e que precisam ver garantidos os seus direitos. O Unicef mostrou-se muito interessada nesta experiência pois é singular e traz o caminho de superação da questão numa grande metrópole, com graves problemas de segurança.
Como aprendizado com a experiência, a juíza relata ter consolidado o entendimento de que o registro de nascimento é um direito em si mesmo, além de também ser porta de entrada para os demais direitos, como educação, saúde e direito ao voto. Afinal, o registro de nascimento é o meio pelo qual informações essenciais para qualquer ser humano são anotadas e ficam resguardadas.
“Pontuamos as quatro importantes informações que constam do registro: o nome, a data de nascimento, a filiação e o local do nascimento. Cada uma destas informações consolida direitos essenciais protegidos pelas convenções internacionais de direitos humanos. O nome é imprescindível para a construção da identidade e reconhecimento da individualidade do ser. A data de nascimento nos situa na linha do tempo da vida, estabelecendo nossa idade cronológica o que, por sua vez, é essencial para o exercício de alguns direitos, inclusive o de ser protegido pelo Estado. A filiação consolida o direito, reconhecido universalmente, de conhecimento da ascendência genética. Já o local de nascimento é condição para estabelecimento da nacionalidade o que, em época de guerras e grande número de refugiados, é um direito muito importante e que merece ser valorizado”, explica.
A reflexão da magistrada no encontro foi sobre a vulnerabilidade do homem ao nascer, sendo necessário que o Estado proteja este direito da criança, essencial ao desenvolvimento saudável do ser, pois nem sempre as famílias conseguem proteger suas crianças. “Sendo um direito per se, que deve ser encarado para além de seu aspecto instrumental, cabe ao Poder Judiciário posicionar-se na proteção deste direito humano quando instado a fazê-lo, além de implementar ações para a redução do sub-registro na medida em que somos nós, do Poder Judiciário, os responsáveis pela normatização e fiscalização da atividade dos delegatários que, no Brasil, prestam à população o importante serviço do registro civil”. Um ponto interessante observado por ela no encontro foi que o Brasil é o único país da América Latina que confere esta responsabilidade pelo registro civil ao Poder Judiciário.
O Projeto
A Secretaria de Apoio à Comissão de Erradicação do Sub-registro Civil de Nascimento foi implementada pela Corregedoria Geral da Justiça, através do Provimento CGJ n° 24 de 2009 para o combate à problemática da falta de registro civil, buscando meios para conferir amplo acesso ao registro dos nascituros, crianças, adolescentes e até mesmo pessoas adultas e idosas sem registro, de modo a garantir o direito à cidadania. Atualmente, tal secretaria consiste em um serviço permanente e é uma iniciativa precursora do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Fonte: TJ-RJ

Cartilha elaborada para filhos de pais que estão se divorciando


Leia a cartilha

Esta cartilha foi elaborada, pelo CNJ, com o objetivo de ajudar os adolescentes cujos pais decidiram

não mais viver juntos a superar esta fase difícil de suas vidas.

O divórcio é muito difícil para todos os envolvidos, pois implica grandes mudanças e

grandes mudanças podem ser assustadoras.

É natural você se assustar com todos os diversos sentimentos que pode ter com o divórcio

dos pais: raiva, decepção, culpa, tristeza, alívio etc. Você deve estar se perguntando

se você ficará bem novamente. Sim, você ficará bem. Com o tempo, as coisas vão melhorar.

E esperamos que, com as informações desta Cartilha, você consiga superar as dificuldades

e continuar sendo esta pessoa especial que você já é.

Algumas considerações sobre o benefício assitencial do LOAS


  Breves considerações sobre a assistência social e sobre o LOAS

Por Caio César Soares Ribeiro Patriota, advogado.  
Sobre os princípios norteadores da assistência social, tem-se o art. 203, da Constituição Federal
que diz:
“A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.”
Desse artigo, percebe-se que os sujeitos passivos e detentores dos seus benefícios, serão aqueles quem dela necessitar, ou seja, não possui restrição para somente aqueles filiados, ou somente para o rol prévio de pessoas previstas em uma lista específica.
Para fins de regulamentação desse artigo 203, V, da Constituição Federal, quanto a prestação desse benefício de um salário mínimo, foi editada a Lei 8.742/93 que veio a cumprir este papel, e possibilitar a implantação deste benefício.
Prevê o art. 20 da Lei 8.743/93:
“Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem tê-la provida por sua família.
§ 1º. Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2º. Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
I – pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II – impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
§ 4º. O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
§ 5º. A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.
§ 6º. A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2º, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS.
§ 7º. Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.
§ 8º. A renda familiar mensal a que se refere o § 3º deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.
§ 9º. A remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para fins de cálculo a que se refere o § 3º deste artigo.
§ 10º. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2º deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.”
Sobre a concessão do benefício do LOAS para os idosos, a partir da vigência da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), baixou o requisito etário para 65 anos estando em vigor até a presente data.
Diz o art. 34, da Lei 10.741/2003:
“Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas.”
Entretanto, o requisito da idade mínima será considerado somente para as pessoas que não possuam nenhum tipo de deficiência, pois se o tiverem não precisarão respeitar esse requisito.
Para as pessoas portadoras de deficiência seja ela física ou psíquica, não existe imposição legal de idade mínima, podendo inclusive o recém-nascido receber o LOAS, desde que comprove apenas a deficiência.
Neste caso não se levará em consideração a real capacidade de trabalho do requerente, mas tão somente se existe independência para a prática dos atos da vida civil.
O LOAS somente será concedido para aqueles que necessitem da ajuda do Estado, uma vez que, tal benefício não requer prévia contribuição.
Além desses requisitos, existe o requisito da renda per capita. Uma das inovações da Lei 12.345/2011 é a forma de cálculo para a apuração da renda per capita, uma vez que na redação anterior utilizava-se o conceito de família do art. 16 da Lei 8.213/91.
Com a nova redação inclui no cálculo as seguintes pessoas:
A) O próprio requerente;
B) Cônjuge, companheiro ou companheira;
C) Os pais, na ausência destes o padrasto ou madrasta;
D) Irmãos solteiros; e
E) Enteados solteiros e menores tutelados.
Essas pessoas citadas acima terão a sua renda considerada somente na hipótese de conviverem sob o mesmo teto, para fins de preenchimento do critério de miserabilidade.
Cabe ainda ressaltar que o LOAS não possui o mesmo padrão de contributividade que prevalece na lei previdenciária.
Portanto, em caso de falecimento do titular do benefício, mesmo que existam dependentes diretos deste, não será gerado o benefício de pensão por morte.
Bem como cabe ressaltar que se as condições financeiras que levaram a concessão do LOAS mudarem e o beneficiário não mais se enquadrar nos requisitos exigidos pela lei, poderá o mesmo ser revisto e posteriormente cancelado.
Em se tratando da concessão do LOAS, é possível a desconsideração da renda de alguém da casa, por exemplo, do cônjuge, desde que esta seja no importe de 1 salário mínimo, mesmo que advenha de aposentadoria.
Deve-se ressaltar que o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a redação do parágrafo 3º do Artigo 20 da Lei 8.743/93.
Assim, cabe mais autonomia ao magistrado para analisar os critérios de miserabilidade do pleiteando do benefício, e não será aplicado aquele critério rígido de renda per capita de apenas ¼ do salário mínimo.
Deve-se sempre avaliar o caso concreto e principalmente as condições pessoais e sociais dos requerentes do benefício.
Para efeitos de estudo foi a Reclamação 4374 e Res 567985 e 580963 do STF que julgaram a inconstitucionalidade do dispositivo supramencionado.

do site JusBrasil

Multiparentalidade: a chegada da filiação socio-afetiva

Por Des. Jones Figueirêdo Alves

Multiparentalidade a chegada da filiao socio-afetiva
Cabe mais um?

Laços de afeto: por quanto tempo eles resistem às questões patrimoniais?

Daquela vez, o almoço de domingo estava envolto em suspense. O casal espera o filho de 32 anos que trará o neto, de um primeiro casamento, e avisou que levaria a nova namorada. Eles abriram o portão da garagem assim que ouviram o barulho do motor. Carro estacionado, quatro portas se abrem: de uma sai o filho, de outra uma bela jovem e, das portas de trás, pulam o querido neto acompanhado de outro menino, da mesma idade, filho da namorada Em menos de dez minutos, sabe-se que o pai biológico do garoto mora no Alaska e fala com seu filho só a cada seis meses, por telefone. O menino parece adorar o novo pai que ganhou. Então o casal anfitrião do almoço se dá conta: ganhamos mais um neto!

Para a lei, pais socioafetivos são aqueles que convivem e educam, tendo ou não seus nomes no registro da criança. Desde a Constituição
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de 1988, esse tema da paternidade ganhou nova dimensão com a flexibilização das normas relativas às entidades familiares. O artigo 227
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da Constituição Federal
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, em seu inciso 6, diz que: “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.


Por exemplo, um caso clássico envolvendo um pai socioafetivo é aquele no qual o marido ou namorado da mãe “dá seu nome” à criança cujo pai biológico está ausente, ou fugiu ou se negou a reconhecer a criança como sua. Ou seja, o pai socioafetivo assume legalmente o lugar do biológico. Também é um enredo bem conhecido aquele no qual a pessoa cresce, e mesmo tendo um pai socioafetivo procura pelo pai biológico e este decide reparar o erro, “assumir o filho”. As decisões judiciais costumam favorecer o reconhecimento, o que, afinal, parece justo, especialmente quando é o próprio filho quem busca esse reconhecimento.

Foi a partir de situações como essa que começaram a aparecer pedidos inusitados: os de dupla paternidade. Ou seja, pedidos para registro na certidão de nascimento do nome de um pai, sem a exclusão do nome de outro. Ou ainda, mantendo o pai socioafetivo – aquele que primeiro “deu o nome” –, e inserindo o nome do pai biológico, aquele que reconheceu tardiamente seu filho ou filha. Já houve casos em que esse direito foi concedido e a criança passou a receber assistência moral e financeira de dois pais. Parece bom, não é? Porém, essa pessoa é contemplada com mais um sobrenome, com a inclusão até dos nomes dos avós biológicos, mas nada se delibera especificamente sobre o direito à herança. Essa criança poderá herdar bens dos dois pais?

Agora, vamos a outra situação. Pense na sua família ou no seu círculo de amigos. Quantos núcleos familiares você conhece que é formado tradicionalmente por pai, mãe e seus filhos? Ao pensar, talvez você flagre: um irmão que vivenciou duas uniões estáveis; ou uma filha que já lhe deu dois genros; um filho que ao se casar trouxe para a família duas crianças já nascidas, filhas da esposa. Patriarcas e matriarcas da atualidade, se no dia a dia pensarem em seus descendentes apenas como aqueles consanguíneos ou que portam o nome da família, podem incorrer naquele erro básico de “fazer diferença” entre as crianças e jovens da família, na hora de oferecer um mimo ou dar atenção. Afinal, quem chega, não importando que nome carregue, deseja ser aceito como parte integrante.

As transformações na família estão cada vez mais dinâmicas e complexas; tanto que vem se tornando até corriqueiro as situações nas quais crianças e/ou adolescentes acompanham suas mães quando estas se unem a um novo companheiro, que passa, então, a fazer as vezes de pai. Menos  usual, mas tão factível quanto, são casos em que a prole acompanha o pai na formação de uma nova família. Em qualquer um dos dois casos, a lei entende haver aí a paternidade – ou maternidade – socioafetivas: são os também chamados padrastos e madrastas, mesmo sem a morte do ex-cônjuge.
É natural que o arcabouço jurídico acompanhe os novos comportamentos. Ocorre que a partir dessa vertente, também passaram a figurar os pedidos de paternidade ou maternidade dupla. Assim, um pai ou mãe assume os filhos do cônjuge como sendo seus, ou porque o pai ou mãe biológicos se mantiveram distantes voluntariamente ou por contingências da vida. No caso citado inicialmente, o pai socioafetivo acabou por requerer a guarda do garoto, para facilitar os trâmites diários e poder incluí-lo no plano de saúde. Ele ainda pretende mover uma ação judicial para inclusão do seu sobrenome e dos avós socioafetivos na certidão de nascimento do menino.

Vale lembrar que essa demanda por oficialização da família multiparental, esse ato de “colocar o sobrenome” do novo pai ou mãe não ocorre apenas a partir da vontade de pais ou mães socioafetivos ou de seus companheiros ou mesmo da criança ou adolescente. Será necessária a ação judicial, realizada por intermédio de advogados, pela qual o juiz ouvirá todos os envolvidos na questão, analisará as justificativas e motivações, e só então arbitrará a favor ou contra o pedido.

Sabe-se que além de afeto, nomes carregam patrimônio. E então, supondo que a dupla paternidade seja concedida, que o pai socioafetivo consiga inserir seu sobrenome na certidão de nascimento do seu novo filho, sem a exclusão do nome do pai biológico que está lá no Alaska: como ficam os direitos sucessórios? Também serão duplos?

Os avós socioafetivos da história relatada têm outros filhos e netos. Passaram dos sessenta anos, têm uma vida bem regrada financeiramente, já tinham feito contas e pelo menos em suas consciências, o trabalho de toda a vida já estava muito bem dividido entre os filhos, o que, como se sabe, também acaba por beneficiar indiretamente os netos. Sequer pressentiam a necessidade de um testamento. Quais preocupações advêm dessa nova situação? A principal preocupação é, no futuro, não haver brigas, não haver quem se sinta injustiçado ou preterido.

Ora, se o nome na certidão do neto socioafetivo inferir em direito de sucessão, esse indivíduo que ganhou a dupla paternidade terá a proteção patrimonial garantida pelos pais biológicos e pelo pai socioafetivo, que, no entanto, tem um filho biológico, que terá de partilhar bens com aquele. Pois é a pergunta que também os avós fazem: o neto biológico não será prejudicado?

A lacuna da lei abre espaço para inseguranças jurídicas. Parece ser este o caso.

do site JusBrasil

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

A proibição de incesto em Lévi-Strauss


Josefina Pimenta Lobato
jolobato@ig.com.br
Mestre em Filosofia, Doutora em Antropologia Social e Professora Adjunta do Centro Universitário Fumec, Brasil.
1999

Artigo publicado na Revista Oficina: Família, seus conflitos e perspectivas sociais, Belo Horizonte, ano 6, n 9, p.14-20, jun. 1999.

A proibição do incesto é sem dúvida um fenômeno universal
A proibição do incesto é sem dúvida um fenômeno universal. Não há sociedade alguma em que não haja uma norma que interdite o casamento entre pessoas situadas em um determinado grau de parentesco. As pretensas exceções a essa condenação unânime ao incesto, a do casamento de irmãos nas famílias reais do Egito Antigo, do Império Inca ou do Havaí, não devem ser tomadas como um indício da inexistência, entre eles, da noção de incesto e de sua proibição, mas apenas da adoção de uma forma diversa de classificar as relações que se enquadram nessa categoria. A constatação de que as relações incestuosas têm sido consideradas, nas mais diferentes épocas e lugares, como intrinsecamente perniciosas, condenáveis, não significa a universalidade de sua observância. Psicanalistas, sacerdotes, médicos e educadores sabem muito bem que as transgressões à proibição do incesto são uma realidade bem mais freqüente do que geralmente se imagina.1
Em busca das razões pelas quais o incesto tem sido tão veemente e extensivamente condenado, os cientistas sociais têm sugerido as mais diversas explicações. A proposta de Lévi-Strauss, a de que a proibição do incesto é universalmente imposta a fim de estabelecer a "troca de mulheres entre homens" – condição indispensável à instituição do matrimônio, da família, do parentesco e da própria vida social –, causou um grande impacto no contexto da reflexão antropológica, além de ter uma repercussão expressiva em outras áreas do saber. Antes de abordar as argumentações propostas por Lévi-Strauss, que são de difícil compreensão e aceitação, devido a sua originalidade e estranheza, farei algumas ressalvas e críticas a duas outras explicações relativas à universalidade da proibição do incesto, facilmente acatadas pela maior parte das pessoas.2
Uma das explicações mais comuns quanto à universalidade da proibição do incesto segue uma crença muito difundida entre nós, a de que o incesto foi proibido a fim de proteger a espécie humana das conseqüências genéticas nefastas do casamento entre parentes próximos. A fragilidade desse tipo de explicação, aparentemente sólida e inquestionável, deve-se ao fato de ela não levar em conta um fator inegável: o de que é sobre as relação de parentesco, e não sobre as relações de consangüinidade, que a proibição do incesto se constitui.3 A prevalência dos laços de parentesco sobre os de consangüinidade, na instituição da proibição do incesto, aparece claramente em sociedades cujo sistema de parentesco é unilinear. Com efeito, nessas sociedades a relação tida como incestuosa atinge certos parentes, os primos paralelos (filhos de irmãos do mesmo sexo), que, do ponto de vista da consangüinidade, são idênticos aos primos cruzados (filhos de irmãos de sexo diferente), sobre cujo relacionamento não há nenhuma interdição, uma vez que, de acordo com o sistema unilinear, eles não são parentes entre si, já que cada um deles pertence a um grupo de parentesco diferente.
Uma outra explicação fundamenta-se na idéia de que haveria um horror natural ao incesto, devido a fatores genéticos ou a tendências psíquicas ligadas “ao papel negativo dos hábitos cotidianos sobre a excitabilidade erótica” (LÉVI-STRAUSS. 1976a:57). Como contestação a esse tipo de explicação, basta considerar que, se houvesse um horror natural ao incesto e a conseqüente falta de desejo de praticá-lo, não seria preciso proibi-lo, pois só se proíbe aquilo que se deseja. Além disso, as constantes violações da proibição são uma prova suplementar de que não há nenhum horror instintivo a esse tipo de relação. É preciso observar também que se o incesto é interdito socialmente é porque ele ameaça, de alguma forma, a ordem social.
Após ter demostrado que as razões apresentadas por esses dois tipos de explicação não se fundamentam em argumentações sólidas, Lévi-Strauss muda totalmente a forma de abordar essa questão. Por um lado, ele se recusa a enfocar a proibição do incesto em termos biológicos ou psíquicos, pois o que realmente importa, no seu entender, são as razões que fazem do incesto algo socialmente inconcebível:
Nada existe na irmã, na mãe, nem na filha que as desqualifique enquanto tais. O incesto é socialmente absurdo antes de ser moralmente condenável (LÉVI-STRAUSS. 1976:526)
Por outro, ele abandona qualquer espécie de explicação substantiva – ligada à existência ou não de alguma coisa intrínseca às pessoas, cuja relação é interdita como incestuosa, que justifique a proibição do casamento entre elas - e adota uma abordagem estruturalista – na qual o fator explicativo encontra-se não nos termos, mas nas relações entre eles.4
Sob esse novo ângulo eminentemente estrutural, o que se deve levar em conta é, antes de tudo, a posição ocupada pelas pessoas, cujo casamento é classificado como incestuoso, em um determinado sistema de parentesco,. A questão central da razão de ser da proibição do incesto consiste, assim, antes de tudo, em se saber por que as pessoas, que estão na posição de pai e irmão, não podem reivindicar como esposa aquelas que estão na posição de filha ou irmã.
Uma primeira resposta a essa questão, que é dada de forma inédita e, para o nosso senso comum, inesperada, é de que objetivo primeiro da interdição do incesto é:
imobilizar as mulheres no seio da família, a fim de que a divisão delas ou a competição por elas seja feita no grupo e sob o controle do grupo, e não em regime privado (LÉVI-STRAUSS. 1976a:85).
Com efeito, ao fazer com que todos os homens que, em razão dos laços de paternidade ou de fraternidade, encontram-se ligados a certas mulheres por uma relação de posse, "abram a mão" da possibilidade de se unirem a elas matrimonialmente, em benefício de outros homens que se encontram, por sua vez, igualmente proibidos de se casarem com suas filhas e irmãs e, assim, sucessivamente, a proibição do incesto obriga-os a estabelecer uma série de normas através das quais se possa determinar a forma pela qual será feita a distribuição das mulheres, que estão imobilizadas no seio do grupo familiar. A necessidade de se regular a distribuição das mulheres e não a dos homens decorre do fato das mulheres , como esposas, constituírem-se um valor essencial à vida do grupo “tanto do ponto de vista biológico quanto do ponto de vista social” (LÉVI-STRAUSS. 1976a:521).5
A obrigação por parte dos homens, que se situam na posição de paternidade e de fraternidade, de darem suas filhas e irmãs em casamento a outros homens, que estão submetidos ao mesmo tipo de situação, constitui, assim, a finalidade última da proibição do incesto, o ponto fulcral onde se revela a verdadeira natureza dessa regra aparentemente negativa:
A proibição do incesto é menos uma regra que proíbe casar-se com a mãe, a irmã ou a filha do que uma regra que obriga a dar a outrem a mãe, a irmã e a filha. É a regra do dom por execelência (LÉVI-STRAUSS. 1976a:522).
Como ocorre com toda dádiva, a dádiva matrimonial cria naqueles que a recebem a obrigação de retribuir e assim sucessivamente.6 Através da constituição desse circuito ininterrupto de dádivas recíprocas, a proibição do incesto estabelece a troca de mulheres como base inelutável de qualquer espécie de instituição matrimonial:
A relação global de troca que constitui o casamento não se estabelece entre um homem e uma mulher como se cada um devesse e cada um recebesse alguma coisa. Estabelece-se entre dois grupos de homens, e a mulher figura aí como um dos objetos da troca, e não como um dos membros do grupo entre os quais a troca se realiza (LÉVI-STRAUSS. 1976a:155).
Tal hipótese, além de causar admiração e, em certos casos, rejeição, por subverter completamente a forma pela qual estamos habituados a pensar o casamento, costuma provocar também uma reação negativa, por colocar as mulheres como objeto de transação entre homens. Não se pode esquecer, todavia, que para se combater a desigualdade entre os sexos é preciso conhecer suas raízes mais profundas. Razão pela qual a noção de que o casamento estabelece um laço de reciprocidade e de aliança entre os homens, por meio das mulheres, tem sido considerada como válida e operacionalmente útil, não apenas por pensadores de várias áreas do saber, mas também por aqueles que se empenham em defender a causa feminista.
Simone de Beauvoir, que tomou conhecimento da noção de troca de mulheres de Lévi-Strauss em 1949, momento em que estava profundamente interessada em analisar a condição feminina através dos tempos, acata suas idéias ao atribuir a razão pela qual as mulheres jamais “constituíram um grupo separado que se pusesse para si em face do grupo masculino ao fato “de o laço de reciprocidade que estabelece o casamento não se firmar entre homens e mulheres e sim entre homens através das mulheres. Pelo mesmo motivo, “a mulher não é nunca o símbolo de sua linhagem, ela é apenas a mediadora do direito, não a detentora” (BEAUVOIR. 1970: 92).
Uma outra pesquisadora, também ligada ao movimento feminista, a antropóloga Gayle Rubin, ressalta, igualmente, a operacionalidade da noção da troca de mulheres, já que a constatação, por meio dela, de que locus da opressão da mulher situa-se na organização social do parentesco, da sexualidade e da reprodução, e não na biologia, constitui o degrau inicial e essencial para a construção de um arsenal de conceitos, indispensáveis à compreensão dos fatores que têm servido de alicerce para a elaboração de normas, valores e crenças que fundamentam a subordinação das mulheres aos homens em todas as sociedades humanas.
Georges Devereux, etnólogo e psicanalista, inventor da etnopsiquiatria, enfatiza, por sua vez, a fecundidade operacional da noção de troca de mulheres de Lévi-Strauss na interpretação de diferentes eventos psíquicos. Um desses eventos concerne ao sonho de um jovem, oriundo de um país colonial de fala francesa, relatado durante uma sessão de terapia psicanalítica, na qual esse jovem expressa a sensação de que a única forma que teria de sanar sua dívida, em relação a um amigo de cuja irmã tinha sido amante, seria ceder uma mulher ligada a ele por algum vínculo de parentesco:
Parece-me que em sonhos como na realidade, sinto que devo a meu amigo uma mulher que me pertença de uma ou outra maneira, uma mulher com quem esteja aparentado. Tenho a sensação de ser devedor porque seduzi a sua irmã e depois a abandonei para me tornar amante da mulher com quem me casei. Tenho a obrigação de ceder-lhe uma mulher ligada a mim por um vínculo de parentesco (DEVEREUX. 1975:179).
A troca matrimonial instituída pela proibição do incesto, que não se faz aleatoriamente, obedece a duas leis de reciprocidade: a da troca restrita, que fundamenta o casamento dos primos cruzados, e a da troca generalizada, que está na base do casamento com a prima cruzada matrilateral. O casamento por livre escolha, tal como o conhecemos, fundamenta-se igualmente na troca generalizada, mas em sua forma complexa.7
Desse prisma, o incesto é o ponto onde a reciprocidade se anula, onde há uma recusa à troca e por conseguinte à aliança. Como a recusa à troca depende da lei de reciprocidade, vigente na sociedade em questão, compreende-se o porquê de certos relacionamentos considerados como incestuosos, em uma determinada sociedade, não o serem em outra. O casamento com a prima cruzada patrilateral, por exemplo, tido como desejável em um sistema de troca restrita, no qual há uma dádiva bilateral de mulheres entre os membros de dois grupos de parentesco, torna-se incestuoso no sistema de troca generalizada que se fundamenta em dádivas cujo retorno nunca é direto.8
A proibição do incesto institui não só o casamento mas, também, e simultaneamente, o parentesco. Com efeito, uma estrutura de parentesco por mais simples que seja, não pode se restringir jamais ao núcleo familiar composto pura e simplesmente de um casal e seus filhos.9 Ela deve incluir, desde o início, a relação entre aquele que cede a mulher (o irmão ou pai da noiva) e aquele que a recebe (o marido), pois é essa troca que fornece o eixo em torno do qual as relações de filiação e de afinidade se constituem.
A concepção, proposta por Lévi-Strauss, de que é através da troca de mulheres que o parentesco se institui e se perpetua, tem também, a meu ver, uma importância fundamental para a compreensão da razão dos sistemas de parentesco matrilineares não serem a imagem simétrica e invertida dos patrilineares, como ocorreria caso fosse o laço entre mãe e filha, e não o existente entre o tio materno (o irmão da mãe) e o sobrinho, que tivesse as mesma funções do laço entre pai e filho, nos sistemas patrilineares. Conforme procuro demostrar, em meu artigo Troca de mulheres: destino ou opção?, essa inferência parece-me lícita, apesar de Lévi-Strauss não tê-la realizado, uma vez que a impossibilidade prática de se criar um sistema de parentesco realmente matrilinear, no qual o laço mãe e filho fosse equivalente ao existente entre pai e filho, nos sistemas patrilineares, só se torna inteligível quando se pensa na noção de troca de mulheres como um dispositivo por meio do qual a dependência unilateral do homem em relação à mulher, para a obtenção do direito à sua progênie, como marido ou como irmão, transforma-se em uma dependência recíproca entre homens, que obtém esse direito uns dos outros.

Notas
  1. No Le Nouvel Observateur (1983), foi publicado um artigo dedicado exclusivamente ao problema do incesto na França. Logo no início do artigo, é posto em evidência o fato de que o incesto, embora seja uma realidade inegável, tem se mantido encobertado por ser “sem dúvida, o segredo mais bem guardado, o mais terrível, o único que resiste à grande maré de permissividade” (1983:36).
  2. Há ainda um terceiro tipo de explicação, a de Durkheim, a qual não farei referência.
  3. É essa identificação entre parentesco e consangüinidade, tão comum ao nosso modo de pensar, que dificulta a percepção, por parte das pessoas que vivem em nosso contexto cultural, de que “um sistema de parentesco não consiste nos elos objetivos de filiação ou consangüinidade dados entre os indivíduos; só existe na consciência dos homens, é um sistema arbitrário de representações” (LÉVI-STRAUSS. 1970:70).
  4. Esse tipo de abordagem é análoga a aplicada à analise estrutural dos fonemas. Com efeito, de um ponto de vista estrutural, os fonemas ganham um valor diferencial devido à posição que ocupam no seio de um sistema fonológico e não em razão de sua individualidade fônica. O som da letra erre de carro e de caro, por exemplo, são fonética e fonologicamente distintos, já o som da letra erre de porta, tal como ele é pronunciado pelos paulistas do interior e pelos mineiros, apesar de serem foneticamente distintos, não o são em termos fonológicos.
  5. Quando Lévi-Strauss procura justificar o fato da mulher ser um valor essencial à vida do grupo, ele se refere, antes de tudo, ao valor da mulher como esposa. Isso se revela na referência que ele faz à situação de mais completa abjeção que se encontrava um jovem indígena bororo, simplesmente devido ao fato de ser solteiro, razão única de sua “aparente maldição” (LÉVI-STRAUSS. 1976:79). Na maior parte das vezes, no entanto, o valor da mulher aparece muito mais como um postulado do como alguma coisa que necessita ser demonstrada. Em certas passagens é dito que essa é uma atitude psicológica suficientemente documentada, em outras são citados também certos aforismas, a exemplo de um que afirma que “para um homem sem mulher não há paraíso no céu nem paraíso na terra”. Em momento algum, todavia, ele nos dá uma justificativa realmente satisfatória desse valor. No entanto, se pensarmos que o que está em jogo no casamento não são apenas os direitos sexuais ou econômicos sobre a mulher, mas sobretudo o direito à sua progênie, a questão do valor da mulher aparece como inevitavelmente ligado à assimetria da relação entre os sexos, no que se refere ao estabelecimento das relações de parentesco, conforme procuro demonstrar em meu artigo Troca de Mulheres, Destino ou Opção (LOBATO. 1992).
  6. Como ressalta Marcel Mauss em seu famoso livro, Ensaio sobre a Dádiva.
  7. Referindo-se a esse fato, Jacques Lacan pondera que, apesar de crermos que nas estruturas complexas da aliança, sob cuja lei vivemos, há liberdade nas escolhas matrimoniais, a estatística já deixa entrever que, “se essa liberdade não se exerce ao acaso, é porque uma lógica subjetiva a orientaria em seus efeitos”. A seu ver, a vida em sociedade está sujeita “às regras de aliança, as quais ordenam o sentido em que se efetua a troca de mulheres, e aos préstimos recíprocos que a aliança determina” (LACAN. 1998:278).
  8. É por essa razão que Lévi-Strauss afirma que a análise rigorosa do casamento dos primos cruzados nos permite “atingir a natureza última da proibição do incesto” (LÉVI-STRAUSS. 1976:181).
  9. Ver LÉVI-STRAUSS (1970:65) e (1976b:91).

Referências Bibliográficas
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo: Fatos e Mitos. São Paulo: Difusão Européia do Livro. 1970.
DEVEREUX, Georges. Etnopsicoanálisis Complementarista. Buenos Aires: Amorrortu. 1975.
Dossier. L’inceste en france. Le nouvel observateur. Paris. 11 Nov. 1983. Notre Époque, p.36-39.
LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1998.
LÉVI-STRAUSS, Claude. 1970. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.
________. Antropologia estrutural dois. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1976b.
________. As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis: Vozes. 1976a.
LOBATO, Josefina Pimenta. Troca de mulheres: destino ou opção?. In: Anuário antropológico 88. Brasília e Rio de Janeiro: Editora da Universidade de Brasília e Tempo Brasileiro. 1992.
MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. vol.2. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 1974.
RUBIN, Gayle. The traffic in women: notes on the political economy of sex. In: REITER, Rayna. (org.). Toward an anthropology of women. New York: Monthly Review Press. 1975.

http://www.psicologia.pt/artigos/ver_artigo.php?codigo=A0180

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

O STJ e a aplicação da Lei Maria de Penha na área cível

Quarta Turma STJ decidiu de forma unânime:

as medidas protetivas da Lei Maria da Penha, observados os requisitos para concessão de cada uma, podem ser pedidas de forma autônoma para fins de cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher, independentemente da existência, presente ou potencial, de processo-crime ou ação principal contra o suposto agressor. Nessa hipótese, as medidas de urgência terão natureza de cautelar cível satisfativa.

REsp 1419421 / GO – julgado em 11/2/2014.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI N. 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA). INCIDÊNCIA NO ÂMBITO CÍVEL. NATUREZA JURÍDICA. DESNECESSIDADE DE INQUÉRITO POLICIAL, PROCESSO PENAL OU CIVIL EM CURSO.
1. As medidas protetivas previstas na Lei n. 11.340/2006, observados os requisitos específicos para a concessão de cada uma, podem ser pleiteadas de forma autônoma para fins de cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher, independentemente da existência, presente ou potencial, de processo-crime ou ação principal contra o suposto agressor.
2. Nessa hipótese, as medidas de urgência pleiteadas terão natureza de cautelar cível satisfativa, não se exigindo instrumentalidade a outro processo cível ou criminal, haja vista que não se busca necessariamente garantir a eficácia prática da tutela principal. "O fim das medidas protetivas é proteger direitos fundamentais, evitando a continuidade da violência e das situações que a favorecem. Não são, necessariamente, preparatórias de qualquer ação judicial. Não visam processos, mas pessoas" (DIAS. Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012).
3. Recurso especial não provido.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Fiança prestada em união estável não precisa de anuência - outorga uxória

É válida a fiança prestada por fiador em união estável sem a autorização do companheiro, a chamada outorga uxória, exigida no casamento. O entendimento é da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar recurso interposto por uma empresa do Distrito Federal.
Pelo casamento se presume a publicidade do estado civil dos contratantes, sendo assim “dispensadas as vênias conjugais para a concessão de fiança, afirmou o relator do caso”, ministro Luis Felipe Salomão.
No caso julgado, uma empresa ajuizou execução contra a fiadora por causa do inadimplemento das parcelas mensais, de dezembro de 2006 a novembro de 2007, relativas a aluguel de um imóvel comercial. Com a execução, o imóvel residencial da fiadora foi penhorado como garantia do juízo.
Inconformada, a fiadora opôs embargos do devedor contra a empresa, alegando nulidade da fiança em razão da falta de outorga uxória de seu companheiro, pois convivia em união estável desde 1975. O companheiro também entrou com embargos de terceiro.
O juízo da 11ª Vara Cível da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília rejeitou os embargos da fiadora, mas o Tribunal de Justiça do Distrito Federal reformou a sentença.
Como foram acolhidos os embargos do companheiro, para declarar nula a fiança prestada pela fiadora sem a outorga uxória, o TJ-DF entendeu que deveria julgar procedentes os embargos apresentados pela própria fiadora, a fim de excluí-la da execução.
Regime de bens
No STJ, a empresa sustentou a validade da fiança recebida sem a outorga uxória, uma vez que seria impossível ao credor saber que a fiadora vivia em união estável com o seu companheiro.
O ministro Salomão (foto), em seu voto, registrou que o STJ, ao editar e aplicar a Súmula 332 — segundo a qual a fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia —, sempre o fez no âmbito do casamento. Se alguém pretende negociar com pessoas casadas, é necessário que saiba o regime de bens e, eventualmente, a projeção da negociação no patrimônio do consorte.
A outorga uxória para a prestação de fiança, deu como exemplo, é hipótese que demanda “absoluta certeza, por parte dos interessados, quanto à disciplina dos bens vigentes, segurança que só se obtém pelo ato solene do casamento”, segundo o relator.
Salomão concluiu que só quando se analisa o casamento como ato jurídico formal e solene é que se tornam visíveis suas diferenças em relação à união estável, “e apenas em razão dessas diferenças que o tratamento legal ou jurisprudencial diferenciado se justifica”.
Para o relator, a questão da anuência do cônjuge a determinados negócios jurídicos se situa exatamente neste campo em que se justifica o tratamento diferenciado entre casamento e união estável.

Escritura pública Luis Felipe Salomão não considerou nula nem anulável a fiança prestada por fiador convivente em união estável, sem a outorga uxória, mesmo que tenha havido a celebração de escritura pública entre os consortes.
Ele explicou que a escritura pública não é o ato constitutivo da união estável, “mas se presta apenas como prova relativa de uma união fática, que não se sabe ao certo quando começa nem quando termina”.
Como a escritura da união estável não altera o estado civil dos conviventes, acrescentou Salomão, para tomar conhecimento dela o contratante teria de percorrer todos os cartórios de notas do Brasil, “o que se mostra inviável e inexigível”.

REsp 1.299.894

do site do STJ e Conjur

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Fraude na partilha de bens


Autora: Lucia Deccache

No início da vida em comum, evita-se falar em patrimônio, seja para não melindrar o parceiro, seja para não parecer que o dinheiro está acima do amor, seja para que os familiares não interpretem de forma equivocada a intenção de organizar a vida patrimonial da família.
De fato, existe um tabu que precisamos vencer. Falar sobre o patrimônio e as formas de rescisão do casamento evitaria boa parte dos litígios de modo a harmonizar a continuidade da família ainda após o divórcio.
Quando surgem os litígios, o patrimônio deixa de ser uma questão secundária e contribui para acirrar ainda mais os conflitos familiares. Isto porque, em meio ao conflito, o casal se depara com a divisão de bens, que agora parece injusto ou desmerecido.
Aquela sociedade sem fim lucrativo, pautada pelo amor, passa a criar mecanismos para desequilibrar a partilha de bens de uniões tuteladas pelos regimes de comunhão universal ou parcial de bens.

FRAUDE POR PRODUTOS OFERTADOS POR INSTITUIÇÃO FINANCEIRA

Algumas instituições financeiras oferecem produtos de investimento para seus clientes sem o cuidado de estar contribuindo para o desequilíbrio na partilha de bens em eventual separação.
Há casos em que os bancos já são procurados para burlar a partilha de bens, e acabam sendo coadjuvantes na empreitada de prejudicar patrimonialmente o outro cônjuge ou companheiro, sem, muitas vezes, perceberem a má-fé do cliente.
Primeiramente, todos os produtos regidos por leis estrangeiras devem se compatibilizar com a lei interna nacional. Assim, produtos que permitem a organização do patrimônio da família de forma diferente do que a lei brasileira garante, ou seja, que possa causar algum tipo de renúncia à meação, não deve ter sua eficácia preservada quanto a esta cláusula. (Trusts bancários, por exemplo).
A constituição de Off Shores tem sido a escolha dos cônjuges que pretendem excluir bens do acervo comum, pela dificuldade de identificar o titular do dinheiro que se dilui em diversas empresas, onde figura o nome de um terceiro, prestador de serviço fiduciário contratado para administrar bens, logrando pela privacidade e sigilo.
Por motivo de controle fiscal, o Banco Central do Brasil passou a ter conhecimento de valores remetidos ao exterior, facilitando a vida de cônjuges prejudicados, apesar da medida muitas vezes não ser suficiente. O dinheiro enviado para fora do país, em regra, se perde em outras empresas, cuja sociedade é feita por agentes fiduciários ou laranjas.
Com relação aos PGBL e VGBL, também há muita discussão quanto à destinação dos recursos do casal para beneficiar um dos cônjuges, e, com o advento da separação, o cônjuge beneficiado, se recusa a partilhar ou compensar o valor vinculado a esse tipo de previdência privada, acarretando em desfalque do acervo comum.
De fato, após a ocorrência do sinistro do PGBL ou do VGBL, visando o completo de uma aposentadoria, não parece viável a partilha desses valores pela natureza alimentar. Mas sobre o valor investido sim, caso tenha sido retirado do patrimônio do casal.
Assim, antes de assinar qualquer documento melhor ouvir a opinião de um advogado especializado em direito de família.

FRAUDE POR MUDANÇA DE REGIME DE BENS

Atualmente, a lei permite a alteração do regime de bens na constância do casamento, por via judicial em pedido fundamentado por ambos os cônjuges de comum acordo, ressalvados os direitos do terceiro.
Tal permissão legal, apesar de consagrar a livre autonomia da vontade dos cônjuges, pode levar a mais uma forma de fraude entre marido e mulher, ou contra terceiros.
Tem sido comum, num momento de instabilidade conjugal, a esposa ser induzida à mudança do regime de bens, renunciando à metade dos bens adquiridos na constância do casamento, para, logo após, ver o esposo em braços alheios com todo o dinheiro que a ela pertencia.
Houve também caso de alteração de regime de bens de comunhão universal para parcial, para impedir que o marido participasse da herança a ser recebida pela esposa pelo falecimento de seu pai, por exigência dos irmãos dela, evitando o ingresso de persona non grata na empresa, pelo recebimento das quotas.
Outra hipótese surge para prejudicar filho advindo de relação adulterina, quando o casamento regia-se pelo regime de comunhão parcial de bens, e, com a descoberta do filho de outra relação, o casal muda o regime para separação total de bens, esvaziando a parte do cônjuge adúltero.
Apesar da existência de causas lícitas que autorizam a mudança de regime, a lei deve ser interpretada restritivamente por poder causar renúncia de direito. Assim, mesmo que o casal resolva alterar o regime de bens, a alteração deve contar a partir da decisão judicial que autorizou a mudança para frente, sem permitir a retroatividade, para não ferir o direito adquirido.
A questão da retroatividade atinge também os casais unidos por União Estável, que podem celebrar contrato de convivência no curso da vida a dois, estipulando livremente o regime de bens que pretendem tutelar o patrimônio comum.
Para prevenir contra abusos, quando o casal pretender a alteração do regime de bens (casamento ou união estável) o ideal é exigir a partilha de bens até aquele momento, para posterior alteração.

FRAUDE PELA VENDA DE IMÓVEL

Se o casal opta pelo regime de comunhão universal de bens, deve partilhar todos os bens, inclusive aqueles adquiridos antes do casamento. Só que muitas vezes o imóvel comprado durante o estado de solteiro, continua com a escritura inalterada sem averbação do casamento.
O risco existe de o cônjuge que não pretende dividir este bem, alienar o imóvel antes da separação, e o Registro de Imóveis não tem como saber do casamento. Não é difícil desvendar esta fraude, mas o negócio possivelmente não será desfeito, em garantia do comprador de boa-fé. Se tudo for provado, o cônjuge prejudicado acaba recebendo sua parte em dinheiro.
No regime de comunhão parcial de bens, o risco de postergar a partilha de bens para depois da separação leva a riscos de extravios, mesmo em se tratando de bens imóveis que depende de registro público, pois os cartórios não exigem a averbação da partilha de bens, mas tão somente a certidão de separados. Uma vez provada a separação, um dos cônjuges passa a vender todos os bens, sem que a partilha tenha sido realizada.
Na união estável o (a) companheiro (a) inocente é vítima corriqueira na venda de imóvel, por não se exigir na escritura pública o status de convivente, que em regra decorre de um fato (a convivência) e não de um ato jurídico (certidão). Detectada a venda durante a convivência, cabe ao traído o resgate do valor de sua parte via judicial, se declarada a união estável naquele período.
No regime de separação de bens, também há uma brecha que possibilita o extravio de bens pelo outro cônjuge. É o caso do regime obrigatório de separação de bens para os casos previstos na lei, como no caso de casamento com pessoa maior de setenta anos de idade.
No regime obrigatório entende-se que os bens adquiridos pelo esforço comum devem ser partilhados entre os cônjuges, evitando o enriquecimento ilícito (Súmula 377 STF). Ocorre que, quando o tabelião do cartório de Registro Imobiliário se depara com o regime de separação de bens na certidão de casamento, não exige a anuência da esposa, possibilitando a venda do bem comum sem o conhecimento do outro cônjuge.

FRAUDE POR MEIO DE “LARANJA”

O termo ‘laranja’ indica uma terceira pessoa (amigo, amante, parente, subalterno, ou seja um ‘testa de ferro’) conivente (ou não) com os atos fraudulentos, neste caso, para extraviar bens da partilha do casal.
Esses coadjuvantes, solidários na fraude por um dos cônjuges, figuram como titulares de contas-correntes e investimentos, como credores de uma falsa dívida do cônjuge fraudador, como sócios de empresas constituídas no exterior, contas em paraísos fiscais, emprestando seus nomes para as falcatruas do marido contra o direito da esposa em obter metade dos bens do casal.
Em regra, o terceiro-laranja é quem movimenta a conta bancária do cônjuge que continua a usufruir de conforto e luxo, apesar do esvaziamento dos bens. A intenção é também fraudar eventuais alimentos dos filhos ou da esposa sob a alegação de que não tem mais a possibilidade de sustento.
Houve caso de imóvel da família comprado com patrimônio do casal, figurando a mãe do esposo (a sogra) como proprietária, sob o convencimento da ingênua esposa de que estava com problemas fiscais. Após a separação, a sogra-laranja despejou toda a família do imóvel.

FRAUDE POR FALSAS RENÚNCIAS DE DIREITOS

É comum o marido negar ou postergar o recebimento de algum crédito para o momento após a separação do casal. Assim, há casos em que negocia com o devedor o valor da dívida para simular um perdão pela insolvência, e, após a separação, recebe o valor reduzido apenas para não dividir com a esposa.
O não recebimento de bônus da empresa em que trabalha, ou o não levantamento do FGTS, ou não recebimento de honorários, tudo naquele período que antecede a separação também são formas de fraudar a partilha de bens, em que o cônjuge empurra o momento do recebimento de créditos para o momento após a separação, em que acredita equivocadamente que não terá que repartir tais valores com a esposa.
O problema está apenas em descobrir a tramoia, caso em que a esposa poderá pleitear a sua metade judicialmente, mesmo que a partilha decorra de acordo, se provado o desconhecimento desses bens omitidos.

FRAUDE POR FALSAS DÍVIDAS

A criatividade do cônjuge mal intencionado chega ao ponto de criar dívidas, simular notas promissórias com laranjas, contratos falsos, meios usados para negociar a partilha de bens na hora da separação forçando um acordo leonino.
O cônjuge inocente, em regra orientado por advogado contratado pelo fraudador, acaba cedendo seus direitos por acreditar nas ameaças do tipo: “melhor aceitar esse acordo do que nada, pois estou cheio de dívidas que podem acabar com todos os nossos bens”.
Vale esclarecer que a dívida contraída por um cônjuge somente atinge o outro caso seja comprovado que o valor da dívida foi revertido em benefício da família, caso contrário, a dívida não comunica na partilha.
Parece estranho que duas pessoas unidas originalmente pelo amor, possam chegar este tipo de estelionato marital, é lamentável, mas acontece nas melhores famílias.
OBS: Para quem pretende se aprofundar neste assunto, indico o livro do Professor Rolf Madaleno, um dos meus apoios para diversas dicas do site, especialmente para esta – Curso de Direito do Família, Ed. Forense, 2008.

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