O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, recebeu ontem (26), a senadora Fátima Cleide (PT-RO), o presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais (ABGLT), Toni Reis, e a desembargadora gaúcha Maria Berenice Dias. O tema do encontro foi a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, proposta pelo governo do Rio de Janeiro, em março de 2008, sobre a questão da união homoafetiva.
Esse é um dos grandes julgamentos previstos para este ano no Plenário da Suprema Corte. O governo estadual pede que o Supremo aplique o regime jurídico das uniões estáveis, previsto no artigo 1.723 do Código Civil, às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do estado.
O estado defende que os mesmos direitos dados a casais heterossexuais devem ser dados aos homossexuais em relação a dispositivos do Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado do Rio de Janeiro que tratam sobre concessão de licença, previdência e assistência (incisos II e V do artigo 19, e artigo 33 do Decreto-Lei 220/75).
Garantia de direitos
Ao final do encontro, a senadora Fátima Cleide afirmou que o presidente do STF garantiu que vai trabalhar para que a ADPF 132 seja analisada pelo plenário até o início do segundo semestre.
Segundo a parlamentar, o Supremo vai mais uma vez assumir o lugar do Congresso, que não consegue votar leis específicas sobre questões homossexuais. “Temos muitas dificuldades de avançar; são mais de 40 projetos de lei (sobre esse tema) no Congresso Nacional e infelizmente naquela Casa nós não conseguimos avançar, de forma que a jurisprudência tem nos mostrado que a Justiça sempre garante os direitos”, avaliou.
Para a desembargadora Maria Berenice Dias, o preconceito é uma das razões que impedem o avanço desse tema no âmbito do Legislativo. “As pessoas que se envolvem nesse tema, que defendem de alguma maneira, acabam sendo rotulados de homossexuais; como se as pessoas não pudessem defender causas que não lhe dissessem pessoalmente”, reclama.
Já Toni Reis, da ABGLT, acredita que a decisão do STF servirá de referência para garantia de direitos em outras instâncias do Poder Judiciário. O relator da ADPF 132 é o ministro Carlos Ayres Britto.
Extraído do site www.editoramagister.com
Este é um arquivo particular que compartilho para que os leitores possam conhecer melhor seus direitos.
sexta-feira, 27 de março de 2009
segunda-feira, 23 de março de 2009
STJ inova no exame de diversas situações que envolvem direito de identidade
Um nome é mais que um acessório ou uma simples denominação. É uma característica da pessoa, um direito fundamental e um patrimônio de sua vida. Mas, por diversos motivos, muitos não se sentem confortáveis com o próprio nome ou sobrenome. Outras vezes, a pessoa quer apenas que seu direito de usar o nome de seus ascendentes seja reconhecido. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem uma longa jurisprudência no tema, com diversos julgados que inovaram essa área do Direito de Família.
Recentemente, o Congresso Nacional aprovou uma nova legislação proposta pelo falecido deputado Clodovil Hernandez alterando a Lei de Registros Públicos (n. 6.015, de 1973). Foi garantido a enteados o direito de, se quiserem, adotar sobrenomes dos padrastos ou madrastas. Porém, mesmo antes dessa regulamentação, o STJ já havia tomado uma decisão nesse sentido. Em 2007, a Terceira Turma do Tribunal decidiu que a jovem N.B.F. poderia utilizar o nome do casal que a criou desde a infância. O ministro Castro Filho, agora aposentado, entendeu à época que não haveria dano legal com a incorporação dos sobrenomes, desde que mantidos os outros apelidos de família.
Especialistas da área como a advogada Karime Costalunga, pesquisadora e professora do Núcleo de Empresas Familiares da Escola de Direito de São Paulo, dizem que o Judiciário tem se inclinado a proteger a chamada "paternidade socioafetiva". Ou seja, reconhecer vínculos entre pais não biológicos ou outros parentes e filhos que foram educados e criados por eles.
Em outro julgado, foi garantido a uma mãe que se separou do marido alterar o sobrenome do filho menor após o divórcio. Como ela voltou a usar o nome de solteira, alegou no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que seria mais fácil a adaptação da criança se ela tivesse o sobrenome da mãe. Apesar de não haver oposição do pai, o Ministério Público se opôs, afirmando que só seria possível alteração de nome se houvesse algum erro ou omissão e que o registro de nascimento deveria refletir a realidade do momento do parto. Entretanto, o voto da relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, destacou que não haveria prejuízos a terceiros e existiria um justo motivo para a mudança do nome.
Além das relações entre pais e filhos, o Tribunal também tem cuidado dos direitos de casais de manter o nome após separações. Num julgamento da Quarta Turma, foi mantido o direito de uma mulher com quase 80 anos de manter o sobrenome após o rompimento do matrimônio de 45 anos. Considerou-se que, após tanto tempo, a denominação já teria sido incorporada à personalidade da ex-esposa e que a mudança forçada causaria prejuízos à identificação dela. O mesmo entendimento foi usado no caso da holandesa E.M.V.S., que se separou de seu marido. Alegou usar o sobrenome da família do seu marido como parte do seu nome profissional por mais de 30 anos e que, sendo estrangeira e desenvolvendo um relevante trabalho social, seria um grande distúrbio ter seu nome alterado.
Pessoas jurídicas
Não são apenas as pessoas físicas que recorrem ao STJ para a proteção de sua identidade. Empresas, fundações e outras pessoas jurídicas também têm procurado a Casa para garantir seu direito de manter o nome, como o caso da Odebrecht Comércio e Indústria de Café Ltda. A gigante do ramo de engenharia e petroquímica, a Odebrecht S/A acionou a empresa do ramo de alimentos para que esta parasse de usar o nome. A empresa baiana alegou já atuar no mercado desde 1945, sendo que seus produtos são reconhecidos pela marca Odebrecht, o nome de seu fundador. A empresa de café foi estabelecida em 1963 e foi também denominada com o sobrenome de seu fundador. O ministro Jorge Scartezzini, agora aposentado, considerou que, como Odebrecht era o sobrenome de ambos os fundadores das empresas e como elas atuavam em ramos diferentes do mercado, ambas poderiam continuar usando o nome. O magistrado entendeu que o nome já seria parte do patrimônio da empresa, sendo de caráter fundamental da identificação desta.
Também ocorrem alguns casos em que um dos sócios rompe a sociedade e exige a retirada de seu sobrenome da empresa anteriormente constituída. Os julgados do STJ têm usado diversos critérios nessas ações, como o tempo de constituição da empresa, o dano que poderia ser causado etc. Num caso julgado pelo falecido ministro Hélio Quaglia, um dos fundadores de uma firma de advocacia carioca deixou a empresa e exigiu a retirada de seu nome dela. O magistrado, entretanto, considerou que não haveria necessidade disso e que a retirada do nome causaria um severo prejuízo à firma. O advogado Estevão Rogério, especialista na área de Direito Comercial, afirma que essa decisão mostra a importância da defesa do papel social das empresas, que, como geradoras de emprego e produtoras de riquezas, não devem ser constantemente abaladas por desavenças pessoais entre seus gestores.
Apesar da maior flexibilidade adotada no Tribunal para tratar a questão dos nomes, há o cuidado de evitar abusos e mudanças de registros por mera vaidade ou desconforto social. Foi o caso de um advogado de Cuiabá que pediu a mudança de seu nome para incluir um prenome. O advogado alegou ter um nome extremamente comum e, segundo ele, o grande número de homônimos geraria situações desagradáveis, como negativação do seu nome na Receita, inclusão em serviços de proteção ao crédito e várias outras. Todavia, para a relatora da matéria, ministra Nancy Andrighi, um nome só poderia ser alterado se expusesse a pessoa ao vexame ou ridículo, o que não teria ficado claramente demonstrado. A ministra considerou ainda que o advogado não comprovou que o prenome que pretendia adotar já fosse de amplo conhecimento no seu meio familiar e social.
Impedir que um nome seja alterado também pode ser uma maneira de proteger um menor. Numa ação procedente de São Paulo, uma mãe pediu que o nome do pai de seu filho fosse retirado do registro deste. Afirmou que eles já estavam separados, que o genitor só teria visitado a criança duas vezes e que sequer cumpria sua obrigação de ajudar na manutenção da criança. O ministro Cesar Asfor Rocha, atual presidente do STJ, considerou não haver “uma motivação nobre para o pedido”, sendo tentativa de desforra contra o ex-marido. Para o ministro, a desavença entre o casal não justificaria a mudança de nome de um menor e ele poderia, ao completar a maioridade civil, requerer a alteração de seu nome.
Recentemente, o Congresso Nacional aprovou uma nova legislação proposta pelo falecido deputado Clodovil Hernandez alterando a Lei de Registros Públicos (n. 6.015, de 1973). Foi garantido a enteados o direito de, se quiserem, adotar sobrenomes dos padrastos ou madrastas. Porém, mesmo antes dessa regulamentação, o STJ já havia tomado uma decisão nesse sentido. Em 2007, a Terceira Turma do Tribunal decidiu que a jovem N.B.F. poderia utilizar o nome do casal que a criou desde a infância. O ministro Castro Filho, agora aposentado, entendeu à época que não haveria dano legal com a incorporação dos sobrenomes, desde que mantidos os outros apelidos de família.
Especialistas da área como a advogada Karime Costalunga, pesquisadora e professora do Núcleo de Empresas Familiares da Escola de Direito de São Paulo, dizem que o Judiciário tem se inclinado a proteger a chamada "paternidade socioafetiva". Ou seja, reconhecer vínculos entre pais não biológicos ou outros parentes e filhos que foram educados e criados por eles.
Em outro julgado, foi garantido a uma mãe que se separou do marido alterar o sobrenome do filho menor após o divórcio. Como ela voltou a usar o nome de solteira, alegou no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que seria mais fácil a adaptação da criança se ela tivesse o sobrenome da mãe. Apesar de não haver oposição do pai, o Ministério Público se opôs, afirmando que só seria possível alteração de nome se houvesse algum erro ou omissão e que o registro de nascimento deveria refletir a realidade do momento do parto. Entretanto, o voto da relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, destacou que não haveria prejuízos a terceiros e existiria um justo motivo para a mudança do nome.
Além das relações entre pais e filhos, o Tribunal também tem cuidado dos direitos de casais de manter o nome após separações. Num julgamento da Quarta Turma, foi mantido o direito de uma mulher com quase 80 anos de manter o sobrenome após o rompimento do matrimônio de 45 anos. Considerou-se que, após tanto tempo, a denominação já teria sido incorporada à personalidade da ex-esposa e que a mudança forçada causaria prejuízos à identificação dela. O mesmo entendimento foi usado no caso da holandesa E.M.V.S., que se separou de seu marido. Alegou usar o sobrenome da família do seu marido como parte do seu nome profissional por mais de 30 anos e que, sendo estrangeira e desenvolvendo um relevante trabalho social, seria um grande distúrbio ter seu nome alterado.
Pessoas jurídicas
Não são apenas as pessoas físicas que recorrem ao STJ para a proteção de sua identidade. Empresas, fundações e outras pessoas jurídicas também têm procurado a Casa para garantir seu direito de manter o nome, como o caso da Odebrecht Comércio e Indústria de Café Ltda. A gigante do ramo de engenharia e petroquímica, a Odebrecht S/A acionou a empresa do ramo de alimentos para que esta parasse de usar o nome. A empresa baiana alegou já atuar no mercado desde 1945, sendo que seus produtos são reconhecidos pela marca Odebrecht, o nome de seu fundador. A empresa de café foi estabelecida em 1963 e foi também denominada com o sobrenome de seu fundador. O ministro Jorge Scartezzini, agora aposentado, considerou que, como Odebrecht era o sobrenome de ambos os fundadores das empresas e como elas atuavam em ramos diferentes do mercado, ambas poderiam continuar usando o nome. O magistrado entendeu que o nome já seria parte do patrimônio da empresa, sendo de caráter fundamental da identificação desta.
Também ocorrem alguns casos em que um dos sócios rompe a sociedade e exige a retirada de seu sobrenome da empresa anteriormente constituída. Os julgados do STJ têm usado diversos critérios nessas ações, como o tempo de constituição da empresa, o dano que poderia ser causado etc. Num caso julgado pelo falecido ministro Hélio Quaglia, um dos fundadores de uma firma de advocacia carioca deixou a empresa e exigiu a retirada de seu nome dela. O magistrado, entretanto, considerou que não haveria necessidade disso e que a retirada do nome causaria um severo prejuízo à firma. O advogado Estevão Rogério, especialista na área de Direito Comercial, afirma que essa decisão mostra a importância da defesa do papel social das empresas, que, como geradoras de emprego e produtoras de riquezas, não devem ser constantemente abaladas por desavenças pessoais entre seus gestores.
Apesar da maior flexibilidade adotada no Tribunal para tratar a questão dos nomes, há o cuidado de evitar abusos e mudanças de registros por mera vaidade ou desconforto social. Foi o caso de um advogado de Cuiabá que pediu a mudança de seu nome para incluir um prenome. O advogado alegou ter um nome extremamente comum e, segundo ele, o grande número de homônimos geraria situações desagradáveis, como negativação do seu nome na Receita, inclusão em serviços de proteção ao crédito e várias outras. Todavia, para a relatora da matéria, ministra Nancy Andrighi, um nome só poderia ser alterado se expusesse a pessoa ao vexame ou ridículo, o que não teria ficado claramente demonstrado. A ministra considerou ainda que o advogado não comprovou que o prenome que pretendia adotar já fosse de amplo conhecimento no seu meio familiar e social.
Impedir que um nome seja alterado também pode ser uma maneira de proteger um menor. Numa ação procedente de São Paulo, uma mãe pediu que o nome do pai de seu filho fosse retirado do registro deste. Afirmou que eles já estavam separados, que o genitor só teria visitado a criança duas vezes e que sequer cumpria sua obrigação de ajudar na manutenção da criança. O ministro Cesar Asfor Rocha, atual presidente do STJ, considerou não haver “uma motivação nobre para o pedido”, sendo tentativa de desforra contra o ex-marido. Para o ministro, a desavença entre o casal não justificaria a mudança de nome de um menor e ele poderia, ao completar a maioridade civil, requerer a alteração de seu nome.
segunda-feira, 16 de março de 2009
Disputa entre casais de adotantes faz STJ priorizar ligação afetiva em detrimento de cadastro
A preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar determinada criança não é absoluta, devendo o magistrado observar, com base no princípio do melhor interesse do menor, o estabelecimento de vínculo afetivo com o casal adotante. Com essa tese, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a devolução de uma criança de um ano e três meses a um casal de Minas Gerais que havia perdido sua guarda para um outro casal inscrito na lista. A Terceira Turma reconheceu que o menor já havia formado vínculo afetivo anterior, razão pela qual esse deveria ser o critério de aferição.
A mãe biológica, antes mesmo do nascimento da criança, em 12 de dezembro de 2007, escolheu quem seriam os pais adotivos do menor. O casal escolhido conseguiu a guarda provisória por trinta dias em dezembro de 2007, quando a 1ª Vara Criminal e de Menores da Comarca de Lagoas, em Minas Gerais, determinou a devolução da criança, medida essa não cumprida graças a uma liminar. Em 29 de junho do ano passado, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG) se pronuncia contra o casal, com o argumento de que houve desrespeito ao cadastro.
O casal indicado pela mãe biológica recorreu ao STJ com o argumento de que os procedimentos para a adoção não poderiam se sobrepor ao princípio do melhor interesse da criança. Segundo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG), uma criança, considerada genericamente, por contar com menos de um ano de idade, não teria condições de estabelecer vínculo de afetividade com o casal, devendo, por isso, observar o cadastro geral de adotantes. O TJ/MG determinou a entrega do menor para um outro casal inscrito na lista.
O cadastro de adoção é uma recomendação do Estatuto da Criança e Adolescente para verificar a aptidão dos novos pais. Segundo o juízo de Direito da 1ª Vara Criminal e de Menores da Comarca de Sete Lagoas, o cadastro busca evitar o eventual tráfico de bebês ou mesmo adoção por meio de influências escusas. É uma proteção também para a criança, para que não fique à mercê de interesses pessoais, comuns nos casos de adoção dirigida.
Segundo a Terceira Turma, o cadastro deve ser levado em conta, mas o critério único e imprescindível a ser observado é o vínculo da criança com o primeiro casal adotante. Para o relator, ministro Massami Uyeda, não se está a preterir o direito de um casal pelo outro, uma vez que, efetivamente, o direito destes não está em discussão. “O que se busca é priorizar o direito da criança”, assinalou o ministro, “já que a aferição da aptidão deste ou de qualquer outro casal para exercer o poder familiar dar-se-á na via própria, qual seja, no desenrolar do processo de adoção”.
Processos: MC 15097
retirado o site do Superior Tribunal de Justiça.
A mãe biológica, antes mesmo do nascimento da criança, em 12 de dezembro de 2007, escolheu quem seriam os pais adotivos do menor. O casal escolhido conseguiu a guarda provisória por trinta dias em dezembro de 2007, quando a 1ª Vara Criminal e de Menores da Comarca de Lagoas, em Minas Gerais, determinou a devolução da criança, medida essa não cumprida graças a uma liminar. Em 29 de junho do ano passado, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG) se pronuncia contra o casal, com o argumento de que houve desrespeito ao cadastro.
O casal indicado pela mãe biológica recorreu ao STJ com o argumento de que os procedimentos para a adoção não poderiam se sobrepor ao princípio do melhor interesse da criança. Segundo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG), uma criança, considerada genericamente, por contar com menos de um ano de idade, não teria condições de estabelecer vínculo de afetividade com o casal, devendo, por isso, observar o cadastro geral de adotantes. O TJ/MG determinou a entrega do menor para um outro casal inscrito na lista.
O cadastro de adoção é uma recomendação do Estatuto da Criança e Adolescente para verificar a aptidão dos novos pais. Segundo o juízo de Direito da 1ª Vara Criminal e de Menores da Comarca de Sete Lagoas, o cadastro busca evitar o eventual tráfico de bebês ou mesmo adoção por meio de influências escusas. É uma proteção também para a criança, para que não fique à mercê de interesses pessoais, comuns nos casos de adoção dirigida.
Segundo a Terceira Turma, o cadastro deve ser levado em conta, mas o critério único e imprescindível a ser observado é o vínculo da criança com o primeiro casal adotante. Para o relator, ministro Massami Uyeda, não se está a preterir o direito de um casal pelo outro, uma vez que, efetivamente, o direito destes não está em discussão. “O que se busca é priorizar o direito da criança”, assinalou o ministro, “já que a aferição da aptidão deste ou de qualquer outro casal para exercer o poder familiar dar-se-á na via própria, qual seja, no desenrolar do processo de adoção”.
Processos: MC 15097
retirado o site do Superior Tribunal de Justiça.
quarta-feira, 11 de março de 2009
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - Acórdão - Companheira e Concubina
RE 397.762-8 BA
DJ-E 12-9-2008
EMENTA COMPANHEIRA E CONCUBINA
– DISTINÇÃO.
Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir
institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a
babel.
UNIÃO ESTÁVEL – PROTEÇÃO DO ESTADO.
A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações
legítimas e nestas não está incluído o concubinato.
PENSÃO – SERVIDOR PÚBLICO – MULHER – CONCUBINA
– DIREITO.
A titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor
público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico,
mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar,
em detrimento da família, a concubina.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros
da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal em conhecer
do recurso extraordinário e lhe dar provimento, nos termos do
voto do relator e por maioria, na conformidade da ata do julgamento
e das respectivas notas taquigráficas.
Brasília, 3 de junho de 2008.
Marco Aurelio – Presidente e Relator
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – O Tribunal de
Justiça do Estado da Bahia acolheu pedido formulado em apelação,
ante fundamentos assim sintetizados (folha 223):
APELAÇÃO CÍVEL – ADMINISTRATIVO – PREVIDENCIÁ-
RIO – PENSÃO DE EX-COMPANHEIRA – DIREITO AO RECEBIMENTO,
AINDAQUECASADOFOSSEODE CUJUS.
Na inteligência da regra do artigo 226, § 3º, da Constituição,
tem a companheira direito à pensão, uma vez demonstrada
a união estável, ainda que se trate de união paralela
com a de um casamento em vigor.
Apelo provido. Decisão unânime.
No recurso extraordinário de folha 228 a 238, interposto com
alegada base na alínea “a” do permissivo constitucional, o
Estado articula com a ofensa ao artigo 226, § 3º, da Carta Política
da República bem como à Lei nº 9.278, de 10 de maio de
1996, que teria regulamentado o preceito. Salienta, em suma,
que não se pode reconhecer a união estável entre o falecido e a
autora, diante da circunstância de o primeiro ter permanecido
casado, vivendo com a esposa até a morte. Alude aos impedimentos
1 dos artigos 183 a 188 do Código Civil e da Lei nº
9.278/96. Argumenta que a união estável apenas ampara
“aqueles conviventes que se encontram livres de qualquer
impedimento que torne inviável possível casamento” (folha
234). Aponta que seria contraditório “o mesmo Estado que pune
relações bígamas (ilícitas) querer proteger os seus autores”
(folha 234). Evoca precedentes jurisprudenciais e ensinamentos
doutrinários.
A recorrida apresentou as contra-razões de folhas 246 a 252,
defendendo não haver sido demonstrada a ofensa ao artigo 226,
§ 3º, da Constituição Federal. Diz ainda do acerto da conclusão
adotada pela Corte de origem.
O procedimento atinente ao juízo primeiro de admissibilidade
encontra-se às folhas 257 e 258.
A Procuradoria Geral da República, no parecer de folha 272 a
275, preconiza a negativa de seguimento ao recurso. Eis o
resumo da peça:
“Constitucional e Previdenciário. Pensão por morte. Rateio
entre a esposa legítima e a companheira. Acórdão que se
conforma com a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça. Parecer recomendando que se negue seguimento
ao extraordinário (artigo 102, III, “a”, da CF).”
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Na interposição
deste recurso, foram observados os pressupostos
gerais de recorribilidade. A peça, subscrita por procuradores do
Estado, restou protocolada no prazo dobrado a que tem jus o
recorrente. A notícia do acórdão atacado foi veiculada no
Diário de 19 de junho de 2002, quarta-feira (folha 226), ocorrendo
a manifestação do inconformismo em 17 de julho imediato,
quarta-feira (folha 228).
Friso que a premissa do Ministério Público, preconizando a
negativa de seguimento ao extraordinário, considerado o artigo
557 do Código de Processo Civil, não vinga. Está-se não no
Superior Tribunal de Justiça, mas no Supremo Tribunal Federal
e neste não há precedente que respalde o teor do acórdão
impugnado mediante o extraordinário. Ao contrário, o tema
versado nas razões do extraordinário e constante do acórdão
proferido pelo Tribunal de Justiça da Bahia está a merecer
pronunciamento desta Suprema Corte, porquanto ligado à
união estável, por vezes, em visão distorcida, potencializada a
ponto de suplantar o próprio casamento e os vínculos deste
decorrentes.OTribunal de origem julgou a apelação da autora,
reformando a sentença do Juízo a partir de empréstimo de
alcance todo próprio, no sentido da especificidade, ao § 3º do
artigo 226 da Constituição Federal, consoante o qual:
“Art. 226 – A família, base da sociedade, tem especial
proteção do Estado.
(...)
03/2009 48
COAD SELEÇÕES JURÍDICAS ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA
§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a
união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
(...)”
Pois bem, são as seguintes as premissas fáticas do acórdão
atacado via o extraordinário, no que evocada a violência ao § 3º
acima transcrito:
a) o cidadão V.A.D.S. veio a falecer, deixando certa pensão a
ser satisfeita pelo Estado.
b) à época do óbito, era casado e vivia maritalmente com a
mulher, advindo da relação conjugal onze filhos;
c) o falecido manteve com a autora, J.P.L., relação paralela,
tendo o casal filhos – nove ao todo. Então, a Corte fez consignar:
“Na verdade, essa situação dos autos, embora desconfortável,
é muito comum, na cultura brasileira. Como bem reconheceu
o ilustre Juiz o de cujus “logrou administrar a
subsistência do seu casamento com a segunda ré e umsério
e duradouro relacionamento afetivo com a outra,” o que
leva a indeclinável conclusão de que o falecido companheiro
da autora tinha duas famílias, administrava e assistia
as duas, sustentando-as.
Proclamou o Tribunal de Justiça da Bahia a estabilidade, a
publicidade e a continuidade da vida dupla assentando que não
poderia desconhecer esses fatos ante a existência do casamento
e da prole deste resultante, consignando não haver imposição
da monogamia para caracterizar-se o que teve – e não o é, ao
menos sob o aspecto constitucional – como união estável a ser
amparada pela Previdência, o que constitui dever do Estado.
Placitou, então, o rateio da pensão.
Sob o ângulo da busca a qualquer preço da almejada justiça,
sob o ângulo estritamente leigo, não merece crítica o raciocínio
desenvolvido. Entrementes, a atuação do Judiciário é vinculada
ao Direito posto. Surgem óbices à manutenção do que decidido,
a partir da Carta Federal. Realmente, para ter-se como
configurada a união estável, não há imposição da monogamia,
muito embora ela seja aconselhável, objetivando a paz entre o
casal. Todavia, a união estável protegida pela Constituição
pressupõe prática harmônica com o ordenamento jurídico em
vigor. Tanto é assim que, no artigo 226 da Carta da República,
tem-se como objetivo maior da proteção, o casamento. Confiram
com o próprio preceito que serviu de base à decisão do
Tribunal de Justiça. O reconhecimento da união estável pressupõe
possibilidade de conversão em casamento. O reconhecimento
da união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento, direciona à inexistência de obstáculo a este último.
A manutenção da relação com a autora se fez à margem e diria
mesmo mediante discrepância do casamento existente e da
ordem jurídico-constitucional. À época, em vigor se encontrava,
inclusive, o artigo 240 do Código Penal, que tipificava o
adultério. A tipologia restou expungida pela Lei nº
11.106/2005.
Então, em detrimento do casamento havido até a data da morte
do servidor, veio o Estado, na dicção do Tribunal de Justiça da
Bahia, a placitar, com consequências jurídicas, certa relação
que, iniludivelmente, não pode ser considerada como merecedora
da proteção do Estado, porque a conflitar, a mais não
poder, com o direito posto. É certo que o atual Código Civil
versa, ao contrário do anterior, de 1916, sobre a união estável,
realidade a consubstanciar núcleo familiar. Entretanto, na
previsão está excepcionada a proteção do Estado quando existente
impedimento para o casamento relativamente aos integrantes
da união, sendo que, se um deles é casado, esse estado
civil apenas deixa de ser óbice quando verificada a separação
de fato. A regra é fruto do texto constitucional e, portanto, não se
pode olvidar que, ao falecer, o varão encontrava-se na chefia da
família oficial, vivendo com a mulher. Percebe-se que houve
um envolvimento forte – de V.A.D.S. e J.P.L. projetado no
tempo – 37 anos dele surgindo prole numerosa – nove filhos
mas que não surte efeitos jurídicos ante a ilegitimidade, ante o
fato de haver sido mantido o casamento com quem Valdemar
contraíra núpcias e tivera onze filhos.
Abandonem a tentação de implementar o que poderia ser tida
como uma justiça salomônica, porquanto a segurança jurídica
pressupõe o respeito às balizas legais, a obediência irrestrita às
balizas constitucionais. No caso, vislumbrou-se união estável
quando, na verdade, verificado simples concubinato, conforme
pedagogicamente previsto no artigo 1.727 do Código Civil:
“Art. 1.727 – As relações não eventuais entre o homem e a
mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.”
O concubinato não se iguala à união estável referida no texto
constitucional, no que esta acaba fazendo às vezes, em termos
de consequências do casamento. Gera, quando muito, a denominada
sociedade de fato.
Tenho como infringido pela Corte de origem o § 3º do artigo 226
da Constituição Federal, razão pela qual conheço e provejo o
recurso para restabelecer o entendimento sufragado pelo Juízo
na sentença prolatada.
EXTRATO DE ATA
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 397.762-8
PROCED.: BAHIA
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
RECTE.(S): ESTADO DA BAHIA
ADV.(A/S): PGE-BA –ANTONIOERNESTO LEITE RODRIGUES
RECDO.(A/S): J.P.L.
ADV.(A/S): CÁTIA RÉGIA TELES NERY E OUTRO(A/S)
Decisão: Após o voto do Ministro Marco Aurélio, Relator,
conhecendo do recurso extraordinário e lhe dando provimento,
pediu vista dos autos o Ministro Carlos Britto. 1ª Turma,
4-10-2005.
Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Carlos Britto,
de acordo com o artigo 1º, § 1º, in fine, da Resolução nº
278/2003. 1ª Turma, 6-12-2005.
Decisão: Adiado o julgamento por indicação do Ministro Carlos
Britto. 1ª Turma, 7-2-2006.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à Sessão os
Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot. (Ricardo
Dias Duarte – Coordenador)
VOTO-VISTA
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO
1. Cuida-se de recurso extraordinário, interposto com fundamento
na alínea “a” do inciso III do artigo 102 da Constituição
Federal. Recurso contra acórdão proferido pelo Tribunal de
Justiça do Estado da Bahia, cuja ementa está assim redigida:
“APELAÇÃO CÍVEL – ADMINISTRATIVO – PREVIDENCIÁRIO
– PENSÃO DE EX-COMPANHEIRA – DIREITO AO
RECEBIMENTO, AINDA QUE CASADO FOSSE O DE
CUJUS.
Na inteligência da regra do artigo 226, § 3º, da Constituição,
tem a companheira direito à pensão, uma vez demonstrada
a união estável, ainda que se trate de união paralela
com a de um casamento em vigor.
Apelo provido. Decisão unânime."
2. Pois bem, o ministro Marco Aurélio, relator do feito, concluiu
o seu voto com a invocação do artigo 1.727 do Código Civil,
assim vernacularmente posto: “As relações não eventuais entre
o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”.
Isto
para assentar (ele, Relator) que “O concubinato não se iguala à
união estável, no que esta acaba fazendo às vezes, em termos de
consequências do casamento. Gera, quando muito, a denominada
sociedade de fato”.
3. Em sequência, disse Sua Excelência que “Tenho como infringido
pela Corte de origem o § 3ª do artigo 226 da Constituição
Federal, razão pela qual conheço e provejo o recurso para restabelecer
a sentença prolatada pelo Juízo.”
4. Foi quando pedi vista dos autos para uma mais detida análise
pessoal da matéria. Razão porque, agora, trago o feito à consideração
desta colenda Turma.
5. Votando, devo lembrar aos meus Pares que faz parte da nossa
Lei Maior todo um especializado capítulo sobre estes quatro
temas: a família, a criança, o adolescente e o idoso (capítulo VII
do título VIII, versante este sobre a “Ordem Social”). Capítulo
que tem um denominador comum, ou um mesmo fio condutor,
que é tratar dos quatro temas por modo protetivo. Tutelar.
6. Cuida-se, portanto, de um conjunto normativo-
constitucional de proteção que, para melhor alcançar os
seus desígnios, opera por imbricamento ou rigoroso entrelace
das quatro matérias. Cada um dos assuntos a ter no outro um
necessário referencial, de sorte a se ter uma planilha conceitual
de vasos comunicantes. Numa frase, cada qual desses quatro
temas centrais de Direito Constitucional somente ganha plenitude
de sentido se ao prestígio de um corresponder o prestígio
do outro.
7. Faço este necessário introito para deixar claro que a sorte
comum dos quatro temas é de tal ordem, normativamente
falando, que chega a operar como imposição hermenêutica.
Ooperador jurídico a necessariamente focar o Magno Texto por
um visual que integre todas as vertentes protetivas das quatro
encarecidas figuras de Direito: família, criança, adolescente,
idoso. Vale dizer, o hermeneuta não tem como fugir do imperativo
de que ao capitulo constitucional em causa é de ser conferido
o máximo de congruente unidade. Sem o que um dado
instituto pode resultar sobrevalorado, enquanto outro, bem ao
contrário, subdimensionado em sua ontologia e funcionalidade.
Tratamento hermenêutico dissociado que, já se percebe,
importa um caminhar a contrapasso da Constituição, pois o
certo é que, se ela própria, Constituição, confere “especial
proteção do Estado” à família (caput do artigo 226), por outro
lado impõe à família mesma, à sociedade e ao Estado o “dever”
de;
I – “assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade”
um expresso e alongado catálogo de direitos subjetivos:
“direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los
a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão” (artigo 227, cabeça),
revelador de que “absoluta prioridade” é postura de ação estatal
ainda mais expressiva que “especial proteção”; isto é, saltando
aos olhos que o dever do Estado para com as crianças e os
adolescentes é ainda mais forte que a tutela por ele devida à
própria família";
II – “amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação
na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e
garantindo-lhes o direito à vida”.
8. Uma outra razão contribui para que se faça uma interpretação
rigorosamente conjugada dos quatro institutos. É que eles
ainda são normados em outras passagens esparsas da Constituição.
E normados, enfatize-se, com o mesmo e assumido propósito
de receber tratamento favorecido, como se lê, por amostragem:
a) do rol dos direitos sociais (artigo 6º); b) do salário
mínimo (inciso IV do artigo 7ª); c) do direito a creche (inciso
XXV do mesmo artigo 7º); d) da competência legislativa concorrente
da União, dos Estados e do Distrito Federal (inciso XV do
artigo 24); e) da usucapião extraordinária urbana (artigo 183) e
rural (artigo 191); f) da previdência e assistência social (inciso I
do artigo 201, combinadamente com o § 12 desse mesmo artigo
e os incisos I e V doartigo 203); g) da educação formal (inciso IV
do artigo, 208, mais o § 2º do artigo 211),
9. Se é assim, quero dizer, se estamos a lidar com temas ora
enfeixados em autonomizado capítulo constitucional ora esparramados
por segmentos outros do Magno Texto, mas todos eles
sob cláusula constitucional de proteção, é de rigor metodológico
a busca da compreensão interligada de cada um deles.
Compreensão que há de se ter a partir daquele primeiramente
versado pelo artigo 226, que é a família, assim literalmente
posto pela nossa Constituição: “A família, base da sociedade,
tem especial proteção do Estado”. Mas a família, aqui, é versada
numa acepção que me parece nitidamente binária, a saber:
I – como “entidade” (§ 3ª desse mesmo artigo 226) , que
outra coisa não é senão instituição ou aparelho que se
estrutura factual e juridicamente para atuar como
ideia-força. Locomotiva social, na medida em que voltada
para a formação de personalidades individuais que se destinam
a uma vida relacional ainda mais ampla, porque
desenvolvida no seio de toda a sociedade humana (o aristotélico
agir do ser humano enquanto membro da polis ou
“animal político”). Donde o seguinte enunciado normativo-
constitucional: “A educação, direito de todos e dever do
Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvi-
mento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania
e sua qualificação para o trabalho” (artigo 205).
II – a família como espaço usual da mais próxima, topograficamente,
e da mais íntima, afetivamente, convivência
humana. Depurada expressão de gregarismo doméstico.
Com a força, portanto, de transformar anódinas casas em
personalizados “lares” (§ 1º do artigo 230). Vale dizer, a
família como ambiente de proteção física e aconchego
amoroso, a se revelar como a primeira das comunidades
humanas. O necessário e particularizado pedaço de chão
no mundo.Otemplo secular de cada pessoa física ou natural,
a que a Magna Lei apõe o rótulo de “asilo inviolável do
indivíduo” (inciso XI do artigo 5º). Logo, a mais elementar
“comunidade" (§ 4ª do artigo 226) ou o mais apropriado
locus de desfrute dos direitos fundamentais à “intimidade”
e à “privacidade” (artigo 5º, inciso X), porquanto significativo
de vida em comunhão (comunidade vem de comum
unidade, é sempre bom remarcar).
10. Por esse mais largo espectro de intelecção da família como
categoria de Direito Constitucional, ajuízo que a primeira
modalidade de sua formação é, para a nossa Lei Maior, o casamento
civil (“O casamento é civil e gratuita a sua celebração”,
conforme dicção do § 1ª do artigo 226). A segunda forma de
“entidade familiar” é a que vem no parágrafo imediato, a designá-
la como “união estável” (“Para efeito da proteção do
Estado é reconhecida a união estável entre o homeme a mulher
como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão
em casamento”). Uma terceira modalidade é a doutrinariamente
chamada de “família monoparental”, que o Magno Texto
Republicano regula por esta forma: “Entende-se, também,
como entidade familiar a comunidade formada por qualquer
dos pais e seus descendentes” (§ 3º).
11. Atento aos limites materiais da controvérsia, pergunto: qual
o sentido do fraseado “união estável”, ali no peregrino texto da
Lei Republicana? Convivência duradoura do homem e da
mulher, expressiva de uma identidade de propósitos afetivo-
ético-espirituais que resiste às intempéries do humor e da
vida? Um perdurável tempo de vida em comum, então, a
comparecer como elemento objetivo do tipo, bastando, por si
mesmo, para deflagrar a incidência do comando constitucional?
Esse tempo ou alongado período de coalescência que
amalgama caracteres e comprova a firmeza dos originários
laços de personalíssima atração do casal? Tempo que cimenta
ou consolida a mais delicada e difícil relação de alteridade por
parte de quem se dispôs ao sempre arriscado, sempre corajoso
projeto de uma busca de felicidade amorosa (coragem, em francês,
é courage, termo que se compõe do substantivo coeur e do
sufixo age, para significar, exatamente, “o agir do coração”)?
Sabido que, nos insondáveis domínios do amor, ou a gente se
entrega a ele de vista fechada ou já não tem olhos abertos para
mais nada? Pouco importando se os protagonistas desse incomparável
projeto de felicidade-a-dois sejam ou não, concretamente,
desimpedidos para o casamento civil? Tenham ou não
uma vida sentimental paralela, inclusive sob a roupagem de um
casamento de papel passado? (vida sentimental paralela que, tal
como a preferência sexual, somente diz respeito aos respectivos
agentes)? Pois que, se desimpedidos forem, a lei facilitará a
conversão do seu companheirismo em casamento civil, mas,
ainda que não haja tal desimpedimento, nem por isso o par de
amantes deixa de constituir essa por si mesma valiosa comunidade
familiar? Uma comunidade que, além de complementadora
dos sexos e viabilizadora do amor, o mais das vezes se faz
acompanhar de toda uma prole? E que se caracteriza pelo financiamento
material do lar com receitas e despesas em comunhão?
Quando não a formação de um patrimônio igualmente
comum, por menor ou por maior que ele seja? Comunidade,
enfim, que, por modo quase invariável, se consolida por obra e
graça de um investimento físico-sentimental tão sem fronteiras,
tão sem limites que a eventual perda do parceiro sobrevem
como vital desfalque econômico e a mais pesada carga de
viuvez? Para não dizer a mais dolorosa das sensações de que a
melhor parte de si mesmo já foi arrancada com o óbito do
companheiro? Um sentimento de perda que não guarda a
menor proporcionalidade com o modo formal, ou não, de constituição
do vínculo familiar?
12. Minha resposta é afirmativa para todas as perguntas. Francamente
afirmativa, acrescento, porque a união estável se define
por exclusão do casamento civil e da formação da família
monoparental. É o que sobra dessas duas formatações, de modo
a constituir uma terceira via: o tertium genus do companheirismo,
abarcante assim dos casais desimpedidos para o casamento
civil, ou, reversamente, ainda sem condições jurídicas
para tanto. Daí ela própria, Constituição, falar explicitamente
de “cônjuge ou companheiro” no inciso V do seu artigo 201, a
propósito do direito a pensão por porte de segurado da previdência
social geral. “Companheiro” como situação jurídico-
ativa de quem mantinha com o segurado falecido uma relação
doméstica de franca estabilidade (“união estável”). Sem
essa palavra azeda, feia, discriminadora, preconceituosa, do
concubinato. Estou a dizer: não há concubinos para a Lei Mais
Alta do nosso País, porém casais em situação de companheirismo.
Até porque o concubinato implicaria discriminar os
eventuais filhos do casal, que passariam a ser rotulados de
“filhos concubinários”. Designação pejorativa, essa, incontornavelmente
agressora do enunciado constitucional de que “Os filhos,
havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão
os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação” (§ 6ª do artigo 227).
13. Com efeito, à luz do Direito Constitucional brasileiro o que
importa é a formação em si de um novo e duradouro núcleo
doméstico. A concreta disposição do casal para construir um lar
comumsubjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente
confirma. Isto é família, pouco importando se um dos
parceiros mantém uma concomitante relação sentimental
a-dois. No que andou bem a nossa Lei Maior, ajuízo, pois ao
Direito não é dado sentir ciúmes pela parte supostamente
traída, sabido que esse órgão chamado coração “é terra que
ninguém nunca pisou”. Ele, coração humano, a se integrar num
contexto empírico da mais entranhada privacidade, perante a
qual o Ordenamento Jurídico somente pode atuar como instância
protetiva. Não censora ou por qualquer modo embaraçante.
14. Sinta-se que, no âmbito mesmo do capítulo constitucional
de nº VII, título VIII, o dever que se impõe à família para assistir
amplamente a criança e o adolescente (artigo 227, cabeça) não
cessa pelo fato de se tratar de casal impedido de contrair matrimônio
civil. Nada disso! O casal é destinatário, sim, da imposição
constitucional de múltiplos deveres, tanto quanto seus
filhos até à adolescência se fazem titulares de todos os direitos
ali expressamente listados. E se o casal não tem como se escusar
de tal imposição jurídica, claro está que a família por ele constituída
faz jus “à proteção especial" de que versa a cabeça do
artigo 226. Verso e reverso de uma só medalha. Estrada de mão
dupla como imperativo de política pública e justiça material.
15. Igual raciocínio toma corpo para às vezes tantas em que a
nossa Constituição, já agora em regulações esparsas, põe os
núcleos familiares como protagonistas de situações jurídicas.
Por hipótese, “a proteção à maternidade e à infância”, reportada
pelo caput do artigo 6º, é de se dar no seio toda espécie de família
na qual os dois fenômenos transcorram, ou mesmo fora de
qualquer núcleo familiar. O salário mínimo, nacionalmente
unificado, é de se traduzir em valor que atenda “às necessidades
vitais básicas” do trabalhador “e às de sua família” (inciso IV do
artigo 7ª), sem se perguntar à Constituição Federal sobre qualquer
das três referidas modalidades de grupamento doméstico.
A usucapião urbana, tanto quanto a rural, é para contemplar o
possuidor e sua eventual família (artigos 183 e 191, respectivamente),
também sem a menor diferenciação constitucional
quanto à natureza do vínculo entre partes. Não destoa dessa
diretriz a nossa Lei Maior em temas como a previdência social
(incisos IV e V do artigo 201) e assistência social (inciso I do
artigo 203) , mais em tema de educação (artigo 205), a nos dar o
conforto intelectual da confirmação do quanto estamos a
sustentar sobre a união estável como categoria constitutiva de
um tertium genus grupal-doméstico.
16. Em síntese, esse é mais um campo de regulação em que a
Constituição brasileira dá mostras de respirar os depurados ares
de uma nova quadra histórica.1 Um tempo do mais decidido
prestígio para o direito à liberdade amorosa e, por consequência,
ao princípio da “dignidade da pessoa humana” (inciso III do
artigo 1º). A implicar trato conceitual mais dilatado para a figura
jurídica da família, portanto. Indo a presente ordem constitucional
bem além do que foi a Carta precedente (a de 1967/1969),
que apenas contemplava o casamento como forma de legítima
fundação dos núcleos domésticos, literis: “A família é constituída
pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes
Públicos” (artigo 167).
17. No caso dos presentes autos, o acórdão de que se recorre
tem lastro factual comprobatório da estabilidade da relação de
companheirismo que mantinha a parte recorrida com o de
cujus, então segurado da previdência social. Relação amorosa
de que resultou filiação e que fez da companheira uma dependente
econômica do seu então parceiro, de modo a atrair para a
resolução deste litígio o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal.
Pelo que, também desconsiderando a relação de casamento
civil que o então segurado mantinha com outra mulher, perfilho
o entendimento da Corte Estadual para desprover, como efetivamente
desprovejo, o excepcional apelo. O que faço com as
vênias de estilo ao relator do feito, ministro Marco Aurélio.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Vou me permitir, pela passagem do tempo após o
voto que proferi, seguindo-se o pedido de vista, ressaltar alguns
aspectos. Comecei revelando o alcance que dou ao § 3º do artigo
226 da Constituição Federal, medula para a definição do caso.
Preceitua o artigo 226:
“Art. 226 – A família, base da sociedade, tem especial
proteção do Estado.
(...)
§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a
união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar, “– e aí vem uma cláusula importantíssima –”
devendo a lei facilitar sua conversão em casamento."
(...)
Então, pincei do acórdão que implicou a reforma da sentença
do Juízo certos dados fáticos:
“a) o cidadão V.A.D.S. veio a falecer, deixando certa
pensão a ser satisfeita pelo Estado.”
Não era ele um caixeiro viajante.
“b) à época do óbito, era casado e vivia maritalmente com a
mulher, advindo da relação conjugal onze filhos;
c) o falecido manteve com a autora, “– aqui ele sucumbiu
–” J.P.L., relação paralela, tendo o casal filhos. “– nove
filhos. Ele teve filho nas duas casas no mesmo ano, com
toda a certeza, –” Então, a Corte fez consignar:
Na verdade, essa situação dos autos, embora desconfortável,
é muito comum, na cultura brasileira. Como bem reconheceu
o ilustre Juiz o de cujus ‘logrou administrar a subsistência
do seu casamento com a segunda ré e um sério e
duradouro relacionamento “– de trinta e tantos anos –”
afetivo com a outra,’ o que leva a indeclinável conclusão
de que o falecido companheiro “– aqui não concordo com
o vocábulo utilizado, porque a definição pelo Código Civil
não é essa, a não ser sob o ângulo leigo –” da autora tinha
duas famílias, administrava e assistia as duas, sustentando-
as.”
Então, disse:
“Proclamou o Tribunal de Justiça da Bahia a estabilidade, a
publicidade e a continuidade da vida dupla, assentando
que não poderia desconhecer esses fatos ante a existência
do casamento e da prole deste resultante, consignando não
haver imposição da monogamia para caracterizar-se a
união estável a ser amparada pela Previdência, o que constitui
dever do Estado. Placitou, então, o rateio da pensão.
Sob o ângulo da busca a qualquer preço da almejada
justiça, não merece crítica o raciocínio desenvolvido. “– e
realmente não merece crítica –” Entrementes, a atuação do
Judiciário é vinculada ao Direito posto. Surgem óbices à
manutenção do que decidido, a partir da Constituição
Federal. Realmente, para ter-se como configurada a união
estável, não há imposição da monogamia, muito embora
ela seja aconselhável, objetivando a paz entre o casal. “–
entre os companheiros –” Todavia, a união estável protegida
pela Constituição pressupõe prática harmônica com o
ordenamento jurídico em vigor. Tanto é assim que, no
artigo 226 da Carta da República, tem-se como objetivo
maior da proteção “– a união estável. Qual é o objetivo
maior? A transformação em casamento –” o casamento.
Confiram com o próprio preceito que serviu de base à decisão
do Tribunal de Justiça. O reconhecimento da união
estável pressupõe possibilidade de conversão em casamento.
O reconhecimento da união estável entre o homem
e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar
sua conversão em casamento, direciona à inexistência de
obstáculo a este último. “– o casamento –” A manutenção
da relação com a autora “– a concubina –” se fez à margem
e diria mesmo mediante discrepância do casamento existente
e da ordem jurídico-constitucional. À época, em vigor
se encontrava, inclusive, o artigo 240 do Código Penal, que
tipificava o adultério. A tipologia restou expungida pela Lei
nº 11.106/2005.
Então, em detrimento do casamento havido até a data da
morte do servidor, veio o Estado, na dicção do Tribunal de
Justiça da Bahia, a placitar, com consequências jurídicas
certa união que, iniludivelmente, não pode ser considerada
como merecedora da proteção do Estado, porque a conflitar
a mais não poder, com o direito posto. É certo que o
atual Código Civil versa, ao contrário do anterior, de 1916,
sobre a união estável, realidade a consubstanciar núcleo
familiar. Entretanto, na previsão está excepcionada a proteção
do Estado quando existente impedimento para o casamento
relativamente aos integrantes da união, sendo que,
se um deles é casado, esse estado civil apenas deixa de ser
óbice quando verificada a separação de fato. A regra é fruto
do texto constitucional e, portanto, não se pode olvidar
que, ao falecer, o varão encontrava-se na chefia da família
oficial, vivendo com a mulher. O que se percebe é que
houve um envolvimento forte – de V.A.D.S. e J.P.L. projetado
no tempo – 37 anos –, dele surgindo prole numerosa
“– aqui não está em discussão o direito da prole –” nove
filhos, mas que não surte efeitos jurídicos ante a ilegitimidade,
ante o fato de o companheiro haver mantido o casamento
com quem contraíra núpcias e com quem tivera
onze filhos. Abandone-se a tentação de implementar o que
poderia ser tida como uma justiça salomônica, porquanto a
segurança jurídica pressupõe o respeito às balizas legais, a
obediência irrestrita às balizas constitucionais. No caso,
vislumbrou-se união estável quando, na verdade, verificado
simples concubinato, conforme pedagogicamente
previsto no artigo 1.727 do Código Civil:
Art. 1.727 – As relações não eventuais entre o homem e a
mulher, impedidos de casar, constituem “– e há um tratamento
específico –” concubinato.
O concubinato não se iguala à união estável, no que esta
acaba fazendo às vezes, em termos de consequências, do
casamento. Gera, quando muito, a denominada sociedade
de fato.
Tenho como infringido pela Corte de origem o § 3º do
artigo 226 da Constituição Federal, razão pela qual
conheço e provejo o recurso para restabelecer o entendimento
sufragado pelo Juízo na sentença prolatada."
É a distinção que faço entre companheiro/companheira,
compondo a união estável, e concubino/concubina.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Senhor Presidente,
Vossa Excelência se louva no Código Civil, eu me louvo na
Constituição.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Eu não posso admitir que, sendo crime à época, a
relação gerasse direitos.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Eu me louvei na
Constituição em todos os artigos que citei. E me impressiona
muito este caso. O de cujus se chamava “W.A.D.”, e a companheira
se chamava “J.P.L.”. Eles tinham que se encontrar, de se
atrair. Estava escrito nas estrelas. Ela certamente experimenta
um sentimento de viuvez que eu duvido que seja menor do que
o da outra; e a família dela também experimenta um desfalque
econômico que eu duvido que seja menor do que o da outra.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Ministro, com o condomínio afetivo, a viúva ter
uma divisão patrimonial a essa altura, ou seja, quanto à pensão!
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Certamente um
patrimônio formado pelas duas. Ele constituiu esse patrimônio a
partir das duas relações, certamente. Foram trinta e sete anos.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO:
Senhor Presidente, acabamos de ouvir dois belíssimos votos,
ambos lastreados com fundamentos que são estimulantes ao
raciocínio dos Juízes da Suprema Corte.
Gostaria de fazer, inicialmente, duas observações que reputo
cabíveis, pertinentes, diante do ilustradíssimo voto que trouxe o
eminente Ministro Carlos Ayres. A primeira é que essa distinção
entre comunidade e sociedade que Sua Excelência destacou
tem como eixo etimológico o latim, mas é mais aperfeiçoada na
língua germânica entre o gemainschaft e gesselschaft que tem
uma conotação muito mais forte na distinção entre a idéia do
comum e a idéia da sociedade.
Por outro lado, essa expressão que Sua Excelência usou com
tanta beleza na etimologia da palavra coragem, que é francesa e
que nasce nos idos de 1050, curiosamente pouco antes da
viagem à Canossa de Henrique IV, pedindo desculpas ao Papa
Gregório VII, tem a sua beleza no encontro do destemor com a
paixão, daí a origem francesa da expressão.
Mas, na realidade, neste julgamento, pelo que pude perceber,
nós estamos interpretando concretamente a disciplina do § 3º
do artigo 226 da Constituição Federal, ou seja, o alcance da
expressão “união estável” como entidade familiar. Tenho, pelo
§ 3º do artigo 226 da Constituição Federal, um enorme apreço,
um enorme carinho, porque penso eu que fui o primeiro
Desembargador, primeiro Juiz, que deu aplicação concreta à
disciplina constitucional, entendendo a identificação da união
estável como susceptível de proteção do Estado, independentemente
de qualquer regulamentação legal, entendendo o § 3º do
artigo 226 como autoaplicável. E esse julgado do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro foi posteriormente confirmado pelo
Superior Tribunal de Justiça, que não conheceu do recurso
especial interposto. Tenho, portanto, um enorme apreço na
interpretação do § 3º do artigo 226 da Constituição Federal. Mas
tenho igualmente posição já assentada no tocante a esta matéria
relativa à identificação da união estável.
É claro que o eminente Ministro Carlos Ayres Britto, com sua
inteligência, com sua cultura, com sua percepção de encontrar
na Constituição uma interpretação sistemática na perspectiva
teleológica, foi buscar a equiparação possível de diversas situações
constitucionais em relação à criança, ao adolescente, à
família, à previdência, e assim sucessivamente, para enquadrar
a situação de fato dos autos nesse cenário de uma interpretação
teleológica da Constituição.
Todavia, eu penso que não é o caso desse enquadramento.
E não é o caso desse enquadramento por três razões que me
permito rapidamente enumerar: a primeira é que a disciplina
constitucional foi muito clara, ela determinou que a proteção
03/2009 53
COAD SELEÇÕES JURÍDICAS ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA
do Estado fosse oferecida quando configurada a existência de
uma união estável, tanto que determinou a facilitação legal para
o matrimônio, ou seja, numa palavra, ele entendeu a proteção
constitucional à entidade familiar denominada “união estável”
no campo do Direito de Família, ou seja, mandou aplicar o
Direito de Família a essa entidade familiar que ele qualificou no
§ 3º do artigo 226; segundo, quando ele determinou que essa
proteção constitucional a essa entidade familiar, união estável,
fosse dada no campo do Direito de Família, evidentemente, que
ele quis sublinhar que se aplicavam os princípios do Direito
positivo infraconstitucional para disciplinar a matéria relativa a
essa nova entidade familiar; terceiro, é que se isso é assim, e ao
meu sentir, diversamente do que pensa o eminente Ministro
Carlos Ayres, é assim, nós não temos condições de equiparar
uma entidade familiar “união estável" a uma situação de fato
convivendo com uma união matrimonial reconhecida e
mantida. Por quê?’
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Ilegítima e que, à época, configurava crime.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Mas configurava
crime, Excelência, porque, à época, só o casamento civil era
constitutivo de entidade familiar. Agora, não, não é só o casamento
civil, É por isso que era crime.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Não sei.
O EXCELENTÍSSIMO SENHO MINISTRO MENEZES DIREITO:
Prossigo. Por quê? Porque, na realidade, o que o Direito positivo
brasileiro quis fazer foi, primeiro, reconhecer que uma união,
independentemente do fato do casamento, não era um interregno
de prestação de serviços para o efeito da concessão da
indenização por serviços domésticos; era, sim, uma entidade
valorizada pelo amor e que merecia, por isso, a proteção do
Estado, desde que ela fosse constituída não em paralelo a uma
união matrimonial já mantida, porque isso configuraria uma
exceção à legalidade estabelecida pelo Direito positivo.
Por outro lado, não se está julgando neste processo a questão da
subsistência dos filhos com relação às necessidades econômicas
que eles possam ter, na medida em que essa situação específica
até poderá, se for o caso, ser objeto de um processo judicial
próprio, que não é este em que se discute a pensão que é
deixada à viúva. É por essa razão que a jurisprudência brasileira,
ao longo do tempo, foi se consolidando no sentido até de
dar uma certa elasticidade, por exemplo, admitindo que
pudesse, sim, haver a configuração da união estável diante de
uma separação de fato. Por quê? Porque se reconhecia que o
fato era também um fundamento que dava consequências jurídicas:
se havia a separação de fato, era possível a configuração
da união estável.
Mas, pelo menos na minha compreensão, sob nenhum ângulo é
possível configurar a existência de uma união estável ao lado da
existência deummatrimônio em curso. Por quê? Porque essa existência
concomitante é absolutamente vedada pelo Direito positivo
brasileiro.Oque se está interpretando é a Constituição nos termos
que ela determinou que o Direito positivo assim fizesse. E o Direito
positivo, seguindo o próprio comando constitucional, determinou
os balizamentos pelos quais seria possível haver o reconhecimento
da união estável. E, certamente, um desses balizamentos
não foi obedecido, que é a ausência de impedimento para a realização
do casamento, no caso, a manutenção do casamento
contraído, sem a existência da separação de fato.
Creio, Senhor Presidente, como disse o Ministro Carlos Ayres,
com a sua riqueza vernacular, que nos encanta a todos, é possível,
sim, fazer uma interpretação ampliada, mas não me parece
possível, no caso, fazer uma interpretação que contradita, a
meu ver, às completas, aquela disciplina que a própria
Constituição determinou quando comandou a existência de
uma entidade familiar nova, a união estável, e determinou que
essa entidade familiar nova, a união estável, tivesse, pela lei,
facilitado o casamento.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Quando possível.
OEXCELENTÍSSIMOSENHORMINISTRO MENEZES DIREITO:
Não, a Constituição não disse isso.
Se já existia um casamento, era impossível transformar essa
união estável em casamento. Daí haveria uma contradição, a
meu ver absoluta, que impediria o reconhecimento da pensão
em meação a esta pessoa com o qual o de cujus teve filhos.
E necessário lembrar que o recurso está posto no plano constitucional
para identificar o reconhecimento, ou não, da união estável.
Essas são as razões de minha divergência, louvando a beleza do
voto, como sempre Sua Excelência faz nos trazendo a sua perspectiva
constitucional na indicação dos diversos dispositivos da
Constituição, que poderiam na sua compreensão ensejar essa
interpretação ampliada. Pedindo vênia outra vez a Sua Excelência,
eu acompanho o voto do Ministro Marco Aurélio, para
conhecer do recurso extraordinário e lhe dar provimento, restabelecendo
a sentença monocrática.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Senhor Presidente,
como o Direito alemão foi citado, apenas lembraria o que
Konrad Hesse, no seu magnífico livro, prefaciado pelo Ministro
Gilmar Mendes, “A força normativa da Constituição”, diz que
não é possível interpretar a Constituição sem atentar para a
realidade. É preciso ver a realidade do ângulo da Constituição.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Mas há limite, Excelência.
OSENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Não. E é preciso ver
a Constituição do ângulo da realidade.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Nosso Direito não é costumeiro.
OSENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Não, mas quando o
nosso Direito dá as costas à realidade, a realidade se vinga e dá
as costas ao Direito.Arealidade é essa. Há relações familiares.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO:
Eu queria só...
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Um momentinho,
Excelência.
OEXCELENTÍSSIMOSENHORMINISTRO MENEZES DIREITO:
É claro, com muito prazer.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Também retribuo
todos os elogios que Vossa Excelência fez ao meu voto. Vossa
Excelência fez um voto magnífico.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Nem todos têm esses patronímicos.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – A realidade é que o
amor fala mais alto, e famílias são constituídas à margem do
casamento, sem necessidade de papel passado. Para a Constituição,
que, a meu sentir, é contemporânea do futuro, não há
concubinato. O que existe é uma comunidade doméstica, um
núcleo doméstico a ser protegido. Daí por que ela mesma,
Constituição, quando trata de previdência social, não deixa de
dizer “pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao
cônjuge ou companheiro.”
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Ministro, faço a distinção entre “companheiro e
companheira” e “concubino e concubina”.
OSENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Para a Constituição,
não existe concubina.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Quer dizer, em Direito, os institutos, as expressões
e os vocábulos têm sentido próprio.
OEXCELENTÍSSIMOSENHORMINISTRO MENEZES DIREITO:
É uma interpretação que Vossa Excelência está dando que,
claro, nós todos temos de respeitar. Eu só queria fazer uma
observação.
Eu tenho a impressão que no Die normative Kraft der Verfassung,
que é o livro do Konrad Hesse, ele fala mais no sentido da
Wille zur Verfassung (a vontade de Constituição), que dá,
portanto, essa conotação de vinculação. Talvez essa interpretação
mais ampliada possa ser encontrada em Peter Häberle, no
Die Offene Gesselschaft der VerfassungsInterpreten (A Sociedade
Aberta dos Intérpretes da Constituição).
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Não, nem estou me
louvando nele.
OEXCELENTÍSSIMOSENHORMINISTRO MENEZES DIREITO:
Nesse sentido de que é possível sim que se dê uma interpretação
ampliada, como Vossa Excelência fez com todo o brilho que
nós conhecemos. É só que a preocupação que existe, pelo
menos na minha perspectiva, não é na sua perspectiva, é que a
interpretação do § 3º do artigo 226, se não forem levados em
consideração esses balizamentos legais com relação à existência
do matrimônio, nós poderíamos abrir ensanchas a uma
multiplicidade de reconhecimentos de uniões que não seriam
absolutamente estáveis, porque seriam múltiplas.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – E daqui a pouco valerá mais a pena ter uma relação
gerando o concubinato do que o casamento.
OSENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Se Vossa Excelência
permite relembrar, a Constituição se preocupa com pessoas,
com seres humanos, com núcleos domésticos constituídos de
seres humanos concretos, em carne e osso. Daí por que o instituto
da família perpassa os poros todos da Constituição, desde o
artigo 6º, cabeça, aliás, o artigo 6º não se desdobra, é exclusivo;
há o inciso IV do artigo 7º. Quer dizer, o que interessa é a família.
Omodo pelo qual a família se constituiu é, para a Constituição,
absolutamente secundário. A Constituição se dobra à
imperatividade do amor, da relação a dois.
OEXCELENTÍSSIMOSENHORMINISTRO MENEZES DIREITO:
Quer dizer, Vossa Excelência admitiria que uma pessoa poderia
ter várias famílias concomitantemente; cinco, seis famílias
concomitantemente.
OSENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Sim. Só diz respeito
ao homem e à mulher, aos núcleos domésticos. Isso é como
preferência sexual. É a mesma coisa, não nos diz respeito.Omodo
pelo qual as pessoas são felizes, esse modo não nos diz
respeito, absolutamente.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Senhor Presidente,
em primeiro lugar, também conforme o Ministro Menezes Direito,
e agora acrescentando também os meus cumprimentos a
ele, todos os votos belíssimos aqui pronunciados, inclusive com
a rememoração de algumas passagens do voto do Ministro-
Presidente, falam bem da dimensão do assunto que toca
todo mundo, porque é o núcleo mesmo da sociedade. Vou
pedir todas as vênias ao eminente Ministro Carlos Britto, e
também vou seguir o Ministro-Relator. E vou explicar o porquê.
Em primeiro lugar, também tenho para mim que o § 3ª do artigo
226, ao se referir à união estável, abarca única e exclusivamente
aquela união que pode ser considerada dotada de tal equilíbrio
que a presença de outro núcleo nesse sentido de casamento a
instabilizaria. Dou apenas um exemplo e, aliás, Vossa Excelência,
Ministro Carlos Britto, não chegou a dizer: o Ministro-
Presidente, mais de uma vez, chamou a atenção para a
circunstância de que foi excluído do sistema jurídico penal o
crime de adultério, que, naquele caso, teria sido, pelo menos
em tese, praticado, mas não me parece que tenham sido excluídos
os artigos 235 e 236 do Código Penal: bigamia e a participação
para a bigamia.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Foi alcançado apenas o adultério.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Pois é. Então, se
isso permanece, inclusive a Constituição quer que um homem e
uma mulher possam unir-se e que essa união, adquirindo estabilidade,
possa vir a se converter em casamento. Ou seja, no
sistema constitucional brasileiro, há um núcleo possível de
constituição de família entre um homem e uma mulher, tanto
que induzir alguém a contrair casamento, induzindo em erro
essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento
que não seja casamento anterior, que é o artigo 236 do Código
Penal, é crime. Então, o que me parece que a Constituição quer
preservar é a família. E eu faço uma observação a Vossa Excelência,
Ministro Carlos Britto: há uma expressão belíssima, entre
as tantas do voto de Vossa Excelência, dizendo assim: “coração
é terra que ninguém pisa.” Sim, como diria Guimarães Rosa:
“coração tudo cabe; é como o sertão.” Está certo. Mas Karl
Lowenstein, no início da Teoria da Constituição, diz que o Direito
existe para que o homem tente dominar três forças: a fé, o
poder e o amor. E que a democracia de Direito é isto: eu não
posso deixar de me apaixonar por alguém; e o Direito não me
pode proibir isso; agora, o Direito pode proibir-me, sim, de
praticar determinadas condutas, se estiver casada e se forem
elas contrárias ao Direito.
O Direito não proíbe a pessoa – porque não pode proibir – de
acreditar até nas piores seitas indignas do ser humano, mas
pode proibir – e proíbe – que a pessoa manifeste e adote
comportamentos contrários à vida em sociedade. Ainda citando
Guimarães Rosa, quer acreditar no coisa-ruim, pode acreditar;
mas praticar a violência contra as pessoas não pode.
OSENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Se Vossa Excelência
me permite? Ministro Carlos Alberto de Direito, quando Vossa
Excelência falou da multiplicidade de relações amorosas, eu
devo completar: contanto que permeadas de estabilidade.O que
interessa para a Constituição é que a relação seja estável.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Mas não há como
estabilizar algo que é plural.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – E, no caso dos
autos, a estabilidade é tão evidente que durou trinta anos! Trinta
anos!
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – A monogamia fica em segundo plano, desde que a
duplicidade seja estável.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Mas a estabilidade,
Ministro Carlos Britto, não é temporal.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO
– A minha dificuldade foi essa. Estou respeitando o ponto de
vista de Vossa Excelência, desculpe, Ministra Cármen Lúcia,
mas, como a Ministra Cármen Lúcia agora aponta, com toda
justiça, esse raciocínio, que respeito às completas, pode levar
uma pessoa a manter dez relações ao mesmo tempo, com a
fragmentação da situação jurídica, relativa à união estável.
ASENHORAMINISTRACÁRMENLÚCIA – Não é só com isso.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Vossa Excelência
está raciocinando com o teratológico.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Não, Ministro, é
que a segunda união “incestabiliza” a primeira; uma segunda
união “incestabiliza” a primeira.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Vamos nos ater ao
caso: houve duas relações; ambas estáveis.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Estáveis do ponto
de vista...
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – E Vossa Excelência coloca as duas no mesmo
plano?
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Coloco no mesmo
plano.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – A mulher propriamente dita e a concubina?
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Não há mulher
propriamente dita, Excelência.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURELIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Há, Excelência, pelas núpcias, porque a Constituição
preconiza a proteção do Estado à união estável, inclusive
estimulando-a ao casamento.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Ambas são mulheres.
Na matemática do amor, como dizia.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Mulher a que me refiro não é gênero, Excelência.
Eu me referi à mulher casada.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – À esposa.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Não é gênero. Claro que não apontei que o D.A.
teria tido um caso espúrio, um caso com traveco!
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Como dizia Sartre:
aritmética do amor é tão desconcertante, que nela: um mais um,
igual a um. Então, o Direito Constitucional se rende à evidência,
à imperiosidade do amor.
OEXCELENTÍSSIMOSENHORMINISTRO MENEZES DIREITO:
Mas neste caso foi igual a dois; pode ser igual a três, igual a
quatro.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Não, o que interessa
é que ele, com a concubina, como diz o Ministro Marco
Aurélio, para mim, com a companheira, mantinha uma relação
amorosa de trinta anos. E o Direito é indiferente a isso. Depois
que ele morre, a companheira experimenta uma dor, uma
perda, um sentimento de viuvez que o Direito não pode ignorar.
É dar as costas à realidade.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Ela se beneficiaria, Excelência. Vou chegar ao
extremo. Ela se beneficiaria da própria torpeza e a mulher que
teve o marido dividido agora dividiria a pensão.
OSENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Não houve torpeza.
No amor, não há torpeza, Excelência.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Há, sim, sob o ângulo legal. Vossa Excelência
potencializa o amor, não é? Se nós abandonarmos o campo jurídico
constitucional para decidir a partir do amor, o critério de
plantão é que norteará os pronunciamentos do Tribunal. Mas
esta Corte é responsável pela guarda da Constituição Federal,
pela guarda de princípios caros à vida gregária.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – E a Constituição
Federal foi que consagrou a união estável como equiparada ao
casamento para todos os fins e efeitos.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Na sua óptica, que respeito, mesmo envolvida não
a união estável prevista na Constituição Federal, mas sim o
concubinato.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Continuo o meu
voto. Para mim, a estabilidade não é uma questão de tempo, é
uma questão jurídica.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Vossa Excelência
falou de bigamia. Bigamia é quando ocorrem dois casamentos
de papel passado. Não é o caso.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Sim, eu fiz outro
tipo de referência. Citei os artigos 235 e 236.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Ministra Cármen Lúcia, o recado que ele está
dando não é a Vossa Excelência, mas a mim.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Não, fui eu quem
fiz referência.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Foi ela quem fez;
não foi Vossa Excelência.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – O que eu disse,
Ministro, foi que, se a bigamia ainda se mantém no sistema, e a
Constituição diz que a união estável deverá ser incentivada pelo
Estado para transformar-se em casamento, é óbvio que, se a
pessoa já está casada, não há como converter em casamento, e
o Estado não poderia cumprir esse dever.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Mas converter
quando possível.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – “Quando possível”
é Vossa Excelência que está acrescentando à Constituição; não
está isso na Constituição.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Sim, exato, como
Vossa Excelência está dizendo que não é.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Não, estou lendo a
Constituição. Vossa Excelência está acrescentando “quando
possível”; “quando possível” não está aqui.
OSENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Mas é uma interpretação
lógica, recicladora da meramente vernacular. Mas, com
todo o respeito.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Penso que não.
Também respeito o ponto de vista de Vossa Excelência apenas
para dizer que a estabilidade contida no dispositivo constitucional,
a meu ver, não é uma questão de tempo. Pode manter-se
um casamento por cinquenta anos e ser instável, mas, como ele
está formalizado, a Constituição respeita.
A estabilidade só pode ser considerada quando houver uma possibilidade
de, nos termos da Constituição e da legislação infraconstitucional
com ela coerente, transformar-se em casamento.
Razão pela qual peço vênia e respeito o belíssimo voto feito por
Vossa Excelência, mas acompanho o voto do Ministro-Relator
porque entendo que amor é uma coisa, é sentimento, e o Direito
é razão, embora, claro, respeitando-se e considerando tanto
quanto possível, exatamente, as razões dos sentimentos, mas
sem abrir mão nunca de saber que aqui temos de racionalizar
até em benefício do equilíbrio de todas as instituições, uma das
quais, o casamento.
É como voto, Senhor Presidente.
Obs.: Texto sem revisão da Exma. Sra. Ministra Cármen Lúcia
(§ 4º do artigo 96 do RISTF)
À REVISÃO DE APARTE DO SENHOR MINISTRO CARLOS
BRITTO.
PRIMEIRA TURMA RECURSO EXTRAORDINÁRIO 397.762
VOTO
O SR. MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI – Senhor Presidente,
estamos vivendo um momento de grandeza do Supremo
Tribunal Federal. Na semana passada, tivemos um julgamento
histórico, o dos embriões. Quero crer que, neste momento, estamos
proferindo um julgamento que, também, ficará para a
História, um julgamento extraordinariamente importante pela
profundidade dos votos proferidos.
Antes de me pronunciar sobre o tema, Senhor Presidente, quero
louvar Vossa Excelência pelo magnífico voto proferido;
também o eminente Ministro Carlos Britto, pela profunda
contribuição que traz para reflexão de todos nós; o voto magnífico
também do Ministro Carlos Alberto Direito; e o não menos
precioso voto da Ministra Cármen Lúcia.
Peço vênia, louvando o voto do Ministro Carlos Ayres Britto,
para acompanhar o eminente Relator. Faço-o também com
brevíssimas considerações.
De há muito, a doutrina e a jurisprudência vêm fazendo uma
distinção muito clara entre concubinato e união estável.
O concubinato, do ponto de vista etimológico, vem de cum
cubere, significa dormir juntos, ou seja, é uma comunhão de
leitos; ao passo que a união estável é uma comunhão de vida, é
uma parceria, é um companheirismo.
Essa evolução doutrinária e jurisprudencial foi agasalhada pelo
constituinte de 1988. Exatamente me parece que este artigo
226, caput, deve ser interpretado à luz dessa evolução doutrinária
e jurisprudencial. Esta parte final do § 3º do artigo 226 tem de
ser levado em consideração.
Nós acabamos de vir de um julgamento histórico, o julgamento
das células-tronco embrionárias.
Quer-me parecer que, de uma leitura estrita deste § 3º, temos de
entender que esta união estável, esta entidade familiar referida
neste dispositivo constitucional é uma espécie de embrião do
futuro casamento. Tanto é assim que o texto constitucional
determina que a lei deve facilitar a sua conversão em casamento.
E assim o fez o legislador ordinário na Lei nº 9.278, que, em seu
artigo 8º, facilitou efetivamente a conversão da união estável
em casamento. Basta que aqueles que mantêm a união estável
comuniquem o seu desejo ao oficial do registro civil a vontade
de converter essa união estável em casamento.
Como disse muito bem o eminente Ministro Carlos Alberto
Direito, o Código Civil, traduzindo essa evolução jurisprudencial
e doutrinária e traduzindo também a vontade do constituinte,
fez uma claríssima distinção, como já acentuada
também pelo eminente Ministro Marco Aurélio, entre o concubinato
e a união estável.
O concubinato está definido, com todas as letras, no artigo
1.727 e a união estável no artigo 1.723. O que impressiona,
eminente Ministro Carlos Alberto Direito, na definição que o
Código Civil dá à união estável, que é a mesma dada pelo artigo
1º da Lei nº 9.278, de 1996, é exatamente esse caráter de publicidade
à união estável.
Estabelece o artigo 1.723:
“Art. 1.723 – É reconhecida como entidade familiar a união
estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência
pública, contínua e duradoura e estabelecida com o
objetivo de constituição de família.”
Essa publicidade me parece absolutamente essencial para
caracterizar a união estável. Quer-me parecer, eminente Ministro
Carlos Ayres Britto, que quem mantém duas famílias, uma
legal e outra na clandestinidade, certamente não estará dando
publicidade a essa segunda família.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Vossa Excelência
me permite? Sempre fico mimoseado, presenteado com intervenções
e votos tão brilhantes, mas digo, pura e simplesmente,
que a definição de concubinato, como mero “dormir juntos”,
não se aplica a quem dormiu junto durante trinta anos. E segundo:
é impossível manter uma relação de trinta anos às
escondidas, clandestinamente. Certamente essa união era
pública e notória. De qualquer forma, rendo minhas homenagens
a Vossas Excelências, em conjunto.
O SR. MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI – Com a devida
vênia do eminente Ministro Carlos Ayres Britto, acompanho
Vossa Excelência para dar provimento ao recurso.
Obs.: Texto sem revisão do Exmo. Sr. Ministro Ricardo Lewandowski
(§ 4º do artigo 96 do RISTF)
EXTRATO DE ATA
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 397.762-8
PROCED.: BAHIA
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
RECTE.(S): ESTADO DA BAHIA
ADV.(A/S): PGE-BA –ANTONIOERNESTO LEITE RODRIGUES
RECDO.(A/S): J.P.L.
ADV.(A/S): CÁTIA RÉGIA TELES NERY E OUTRO(A/S)
Decisão: Após o voto do Ministro Marco Aurélio, Relator,
conhecendo do recurso extraordinário e lhe dando provimento,
pediu vista dos autos o Ministro Carlos Britto. 1ª Turma,
4-10-2005.
Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Carlos Britto,
de acordo com o artigo 1º, § 1º, in fine, da Resolução nº
278/2003. 1ª Turma, 6-12-2005.
Decisão: Adiado o julgamento por indicação do Ministro Carlos
Britto. 1ª Turma, 7-2-2006.
Decisão: Por maioria de votos, a Turma conheceu do recurso
extraordinário e lhe deu provimento, nos termos do voto do
Relator; vencido o Ministro Carlos Britto. 1ª Turma, 3-6-2008.
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à Sessão os
Ministros Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, a Ministra
Cármen Lúcia e o Ministro Menezes Direito. Compareceu o
Ministro Eros Grau a fim de julgar processos a ele vinculados,
ocupando a cadeira do Ministro Ricardo Lewandowski.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo de Tarso Braz
Lucas.
(Ricardo Dias Duarte – Coordenador)
NOTA
1. Vale ressaltar que a legislação infraconstitucional, também
sob influência da nova quadra histórica a que me referi,
empresta um trato conceitual mais dilatado para a figura jurídica
da família. Como exemplo, menciono o artigo 241 da Lei
nº 8.112/90 (“Art. 241 – Consideram-se da família do servidor,
além do cônjuge e filhos, quaisquer pessoas que vivam às suas
expensas e constem do seu assentamento individual. Parágrafo
único – Equipara-se ao cônjuge a companheira ou
companheiro, que comprove união estável como entidade
familiar”).
Retirado de
COAD SELEÇÕES JURÍDICAS ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA
03/2009 50
DJ-E 12-9-2008
EMENTA COMPANHEIRA E CONCUBINA
– DISTINÇÃO.
Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir
institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a
babel.
UNIÃO ESTÁVEL – PROTEÇÃO DO ESTADO.
A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações
legítimas e nestas não está incluído o concubinato.
PENSÃO – SERVIDOR PÚBLICO – MULHER – CONCUBINA
– DIREITO.
A titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor
público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico,
mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar,
em detrimento da família, a concubina.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros
da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal em conhecer
do recurso extraordinário e lhe dar provimento, nos termos do
voto do relator e por maioria, na conformidade da ata do julgamento
e das respectivas notas taquigráficas.
Brasília, 3 de junho de 2008.
Marco Aurelio – Presidente e Relator
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – O Tribunal de
Justiça do Estado da Bahia acolheu pedido formulado em apelação,
ante fundamentos assim sintetizados (folha 223):
APELAÇÃO CÍVEL – ADMINISTRATIVO – PREVIDENCIÁ-
RIO – PENSÃO DE EX-COMPANHEIRA – DIREITO AO RECEBIMENTO,
AINDAQUECASADOFOSSEODE CUJUS.
Na inteligência da regra do artigo 226, § 3º, da Constituição,
tem a companheira direito à pensão, uma vez demonstrada
a união estável, ainda que se trate de união paralela
com a de um casamento em vigor.
Apelo provido. Decisão unânime.
No recurso extraordinário de folha 228 a 238, interposto com
alegada base na alínea “a” do permissivo constitucional, o
Estado articula com a ofensa ao artigo 226, § 3º, da Carta Política
da República bem como à Lei nº 9.278, de 10 de maio de
1996, que teria regulamentado o preceito. Salienta, em suma,
que não se pode reconhecer a união estável entre o falecido e a
autora, diante da circunstância de o primeiro ter permanecido
casado, vivendo com a esposa até a morte. Alude aos impedimentos
1 dos artigos 183 a 188 do Código Civil e da Lei nº
9.278/96. Argumenta que a união estável apenas ampara
“aqueles conviventes que se encontram livres de qualquer
impedimento que torne inviável possível casamento” (folha
234). Aponta que seria contraditório “o mesmo Estado que pune
relações bígamas (ilícitas) querer proteger os seus autores”
(folha 234). Evoca precedentes jurisprudenciais e ensinamentos
doutrinários.
A recorrida apresentou as contra-razões de folhas 246 a 252,
defendendo não haver sido demonstrada a ofensa ao artigo 226,
§ 3º, da Constituição Federal. Diz ainda do acerto da conclusão
adotada pela Corte de origem.
O procedimento atinente ao juízo primeiro de admissibilidade
encontra-se às folhas 257 e 258.
A Procuradoria Geral da República, no parecer de folha 272 a
275, preconiza a negativa de seguimento ao recurso. Eis o
resumo da peça:
“Constitucional e Previdenciário. Pensão por morte. Rateio
entre a esposa legítima e a companheira. Acórdão que se
conforma com a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça. Parecer recomendando que se negue seguimento
ao extraordinário (artigo 102, III, “a”, da CF).”
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Na interposição
deste recurso, foram observados os pressupostos
gerais de recorribilidade. A peça, subscrita por procuradores do
Estado, restou protocolada no prazo dobrado a que tem jus o
recorrente. A notícia do acórdão atacado foi veiculada no
Diário de 19 de junho de 2002, quarta-feira (folha 226), ocorrendo
a manifestação do inconformismo em 17 de julho imediato,
quarta-feira (folha 228).
Friso que a premissa do Ministério Público, preconizando a
negativa de seguimento ao extraordinário, considerado o artigo
557 do Código de Processo Civil, não vinga. Está-se não no
Superior Tribunal de Justiça, mas no Supremo Tribunal Federal
e neste não há precedente que respalde o teor do acórdão
impugnado mediante o extraordinário. Ao contrário, o tema
versado nas razões do extraordinário e constante do acórdão
proferido pelo Tribunal de Justiça da Bahia está a merecer
pronunciamento desta Suprema Corte, porquanto ligado à
união estável, por vezes, em visão distorcida, potencializada a
ponto de suplantar o próprio casamento e os vínculos deste
decorrentes.OTribunal de origem julgou a apelação da autora,
reformando a sentença do Juízo a partir de empréstimo de
alcance todo próprio, no sentido da especificidade, ao § 3º do
artigo 226 da Constituição Federal, consoante o qual:
“Art. 226 – A família, base da sociedade, tem especial
proteção do Estado.
(...)
03/2009 48
COAD SELEÇÕES JURÍDICAS ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA
§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a
união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
(...)”
Pois bem, são as seguintes as premissas fáticas do acórdão
atacado via o extraordinário, no que evocada a violência ao § 3º
acima transcrito:
a) o cidadão V.A.D.S. veio a falecer, deixando certa pensão a
ser satisfeita pelo Estado.
b) à época do óbito, era casado e vivia maritalmente com a
mulher, advindo da relação conjugal onze filhos;
c) o falecido manteve com a autora, J.P.L., relação paralela,
tendo o casal filhos – nove ao todo. Então, a Corte fez consignar:
“Na verdade, essa situação dos autos, embora desconfortável,
é muito comum, na cultura brasileira. Como bem reconheceu
o ilustre Juiz o de cujus “logrou administrar a
subsistência do seu casamento com a segunda ré e umsério
e duradouro relacionamento afetivo com a outra,” o que
leva a indeclinável conclusão de que o falecido companheiro
da autora tinha duas famílias, administrava e assistia
as duas, sustentando-as.
Proclamou o Tribunal de Justiça da Bahia a estabilidade, a
publicidade e a continuidade da vida dupla assentando que não
poderia desconhecer esses fatos ante a existência do casamento
e da prole deste resultante, consignando não haver imposição
da monogamia para caracterizar-se o que teve – e não o é, ao
menos sob o aspecto constitucional – como união estável a ser
amparada pela Previdência, o que constitui dever do Estado.
Placitou, então, o rateio da pensão.
Sob o ângulo da busca a qualquer preço da almejada justiça,
sob o ângulo estritamente leigo, não merece crítica o raciocínio
desenvolvido. Entrementes, a atuação do Judiciário é vinculada
ao Direito posto. Surgem óbices à manutenção do que decidido,
a partir da Carta Federal. Realmente, para ter-se como
configurada a união estável, não há imposição da monogamia,
muito embora ela seja aconselhável, objetivando a paz entre o
casal. Todavia, a união estável protegida pela Constituição
pressupõe prática harmônica com o ordenamento jurídico em
vigor. Tanto é assim que, no artigo 226 da Carta da República,
tem-se como objetivo maior da proteção, o casamento. Confiram
com o próprio preceito que serviu de base à decisão do
Tribunal de Justiça. O reconhecimento da união estável pressupõe
possibilidade de conversão em casamento. O reconhecimento
da união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento, direciona à inexistência de obstáculo a este último.
A manutenção da relação com a autora se fez à margem e diria
mesmo mediante discrepância do casamento existente e da
ordem jurídico-constitucional. À época, em vigor se encontrava,
inclusive, o artigo 240 do Código Penal, que tipificava o
adultério. A tipologia restou expungida pela Lei nº
11.106/2005.
Então, em detrimento do casamento havido até a data da morte
do servidor, veio o Estado, na dicção do Tribunal de Justiça da
Bahia, a placitar, com consequências jurídicas, certa relação
que, iniludivelmente, não pode ser considerada como merecedora
da proteção do Estado, porque a conflitar, a mais não
poder, com o direito posto. É certo que o atual Código Civil
versa, ao contrário do anterior, de 1916, sobre a união estável,
realidade a consubstanciar núcleo familiar. Entretanto, na
previsão está excepcionada a proteção do Estado quando existente
impedimento para o casamento relativamente aos integrantes
da união, sendo que, se um deles é casado, esse estado
civil apenas deixa de ser óbice quando verificada a separação
de fato. A regra é fruto do texto constitucional e, portanto, não se
pode olvidar que, ao falecer, o varão encontrava-se na chefia da
família oficial, vivendo com a mulher. Percebe-se que houve
um envolvimento forte – de V.A.D.S. e J.P.L. projetado no
tempo – 37 anos dele surgindo prole numerosa – nove filhos
mas que não surte efeitos jurídicos ante a ilegitimidade, ante o
fato de haver sido mantido o casamento com quem Valdemar
contraíra núpcias e tivera onze filhos.
Abandonem a tentação de implementar o que poderia ser tida
como uma justiça salomônica, porquanto a segurança jurídica
pressupõe o respeito às balizas legais, a obediência irrestrita às
balizas constitucionais. No caso, vislumbrou-se união estável
quando, na verdade, verificado simples concubinato, conforme
pedagogicamente previsto no artigo 1.727 do Código Civil:
“Art. 1.727 – As relações não eventuais entre o homem e a
mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.”
O concubinato não se iguala à união estável referida no texto
constitucional, no que esta acaba fazendo às vezes, em termos
de consequências do casamento. Gera, quando muito, a denominada
sociedade de fato.
Tenho como infringido pela Corte de origem o § 3º do artigo 226
da Constituição Federal, razão pela qual conheço e provejo o
recurso para restabelecer o entendimento sufragado pelo Juízo
na sentença prolatada.
EXTRATO DE ATA
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 397.762-8
PROCED.: BAHIA
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
RECTE.(S): ESTADO DA BAHIA
ADV.(A/S): PGE-BA –ANTONIOERNESTO LEITE RODRIGUES
RECDO.(A/S): J.P.L.
ADV.(A/S): CÁTIA RÉGIA TELES NERY E OUTRO(A/S)
Decisão: Após o voto do Ministro Marco Aurélio, Relator,
conhecendo do recurso extraordinário e lhe dando provimento,
pediu vista dos autos o Ministro Carlos Britto. 1ª Turma,
4-10-2005.
Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Carlos Britto,
de acordo com o artigo 1º, § 1º, in fine, da Resolução nº
278/2003. 1ª Turma, 6-12-2005.
Decisão: Adiado o julgamento por indicação do Ministro Carlos
Britto. 1ª Turma, 7-2-2006.
Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à Sessão os
Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot. (Ricardo
Dias Duarte – Coordenador)
VOTO-VISTA
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO
1. Cuida-se de recurso extraordinário, interposto com fundamento
na alínea “a” do inciso III do artigo 102 da Constituição
Federal. Recurso contra acórdão proferido pelo Tribunal de
Justiça do Estado da Bahia, cuja ementa está assim redigida:
“APELAÇÃO CÍVEL – ADMINISTRATIVO – PREVIDENCIÁRIO
– PENSÃO DE EX-COMPANHEIRA – DIREITO AO
RECEBIMENTO, AINDA QUE CASADO FOSSE O DE
CUJUS.
Na inteligência da regra do artigo 226, § 3º, da Constituição,
tem a companheira direito à pensão, uma vez demonstrada
a união estável, ainda que se trate de união paralela
com a de um casamento em vigor.
Apelo provido. Decisão unânime."
2. Pois bem, o ministro Marco Aurélio, relator do feito, concluiu
o seu voto com a invocação do artigo 1.727 do Código Civil,
assim vernacularmente posto: “As relações não eventuais entre
o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”.
Isto
para assentar (ele, Relator) que “O concubinato não se iguala à
união estável, no que esta acaba fazendo às vezes, em termos de
consequências do casamento. Gera, quando muito, a denominada
sociedade de fato”.
3. Em sequência, disse Sua Excelência que “Tenho como infringido
pela Corte de origem o § 3ª do artigo 226 da Constituição
Federal, razão pela qual conheço e provejo o recurso para restabelecer
a sentença prolatada pelo Juízo.”
4. Foi quando pedi vista dos autos para uma mais detida análise
pessoal da matéria. Razão porque, agora, trago o feito à consideração
desta colenda Turma.
5. Votando, devo lembrar aos meus Pares que faz parte da nossa
Lei Maior todo um especializado capítulo sobre estes quatro
temas: a família, a criança, o adolescente e o idoso (capítulo VII
do título VIII, versante este sobre a “Ordem Social”). Capítulo
que tem um denominador comum, ou um mesmo fio condutor,
que é tratar dos quatro temas por modo protetivo. Tutelar.
6. Cuida-se, portanto, de um conjunto normativo-
constitucional de proteção que, para melhor alcançar os
seus desígnios, opera por imbricamento ou rigoroso entrelace
das quatro matérias. Cada um dos assuntos a ter no outro um
necessário referencial, de sorte a se ter uma planilha conceitual
de vasos comunicantes. Numa frase, cada qual desses quatro
temas centrais de Direito Constitucional somente ganha plenitude
de sentido se ao prestígio de um corresponder o prestígio
do outro.
7. Faço este necessário introito para deixar claro que a sorte
comum dos quatro temas é de tal ordem, normativamente
falando, que chega a operar como imposição hermenêutica.
Ooperador jurídico a necessariamente focar o Magno Texto por
um visual que integre todas as vertentes protetivas das quatro
encarecidas figuras de Direito: família, criança, adolescente,
idoso. Vale dizer, o hermeneuta não tem como fugir do imperativo
de que ao capitulo constitucional em causa é de ser conferido
o máximo de congruente unidade. Sem o que um dado
instituto pode resultar sobrevalorado, enquanto outro, bem ao
contrário, subdimensionado em sua ontologia e funcionalidade.
Tratamento hermenêutico dissociado que, já se percebe,
importa um caminhar a contrapasso da Constituição, pois o
certo é que, se ela própria, Constituição, confere “especial
proteção do Estado” à família (caput do artigo 226), por outro
lado impõe à família mesma, à sociedade e ao Estado o “dever”
de;
I – “assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade”
um expresso e alongado catálogo de direitos subjetivos:
“direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los
a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão” (artigo 227, cabeça),
revelador de que “absoluta prioridade” é postura de ação estatal
ainda mais expressiva que “especial proteção”; isto é, saltando
aos olhos que o dever do Estado para com as crianças e os
adolescentes é ainda mais forte que a tutela por ele devida à
própria família";
II – “amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação
na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e
garantindo-lhes o direito à vida”.
8. Uma outra razão contribui para que se faça uma interpretação
rigorosamente conjugada dos quatro institutos. É que eles
ainda são normados em outras passagens esparsas da Constituição.
E normados, enfatize-se, com o mesmo e assumido propósito
de receber tratamento favorecido, como se lê, por amostragem:
a) do rol dos direitos sociais (artigo 6º); b) do salário
mínimo (inciso IV do artigo 7ª); c) do direito a creche (inciso
XXV do mesmo artigo 7º); d) da competência legislativa concorrente
da União, dos Estados e do Distrito Federal (inciso XV do
artigo 24); e) da usucapião extraordinária urbana (artigo 183) e
rural (artigo 191); f) da previdência e assistência social (inciso I
do artigo 201, combinadamente com o § 12 desse mesmo artigo
e os incisos I e V doartigo 203); g) da educação formal (inciso IV
do artigo, 208, mais o § 2º do artigo 211),
9. Se é assim, quero dizer, se estamos a lidar com temas ora
enfeixados em autonomizado capítulo constitucional ora esparramados
por segmentos outros do Magno Texto, mas todos eles
sob cláusula constitucional de proteção, é de rigor metodológico
a busca da compreensão interligada de cada um deles.
Compreensão que há de se ter a partir daquele primeiramente
versado pelo artigo 226, que é a família, assim literalmente
posto pela nossa Constituição: “A família, base da sociedade,
tem especial proteção do Estado”. Mas a família, aqui, é versada
numa acepção que me parece nitidamente binária, a saber:
I – como “entidade” (§ 3ª desse mesmo artigo 226) , que
outra coisa não é senão instituição ou aparelho que se
estrutura factual e juridicamente para atuar como
ideia-força. Locomotiva social, na medida em que voltada
para a formação de personalidades individuais que se destinam
a uma vida relacional ainda mais ampla, porque
desenvolvida no seio de toda a sociedade humana (o aristotélico
agir do ser humano enquanto membro da polis ou
“animal político”). Donde o seguinte enunciado normativo-
constitucional: “A educação, direito de todos e dever do
Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvi-
mento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania
e sua qualificação para o trabalho” (artigo 205).
II – a família como espaço usual da mais próxima, topograficamente,
e da mais íntima, afetivamente, convivência
humana. Depurada expressão de gregarismo doméstico.
Com a força, portanto, de transformar anódinas casas em
personalizados “lares” (§ 1º do artigo 230). Vale dizer, a
família como ambiente de proteção física e aconchego
amoroso, a se revelar como a primeira das comunidades
humanas. O necessário e particularizado pedaço de chão
no mundo.Otemplo secular de cada pessoa física ou natural,
a que a Magna Lei apõe o rótulo de “asilo inviolável do
indivíduo” (inciso XI do artigo 5º). Logo, a mais elementar
“comunidade" (§ 4ª do artigo 226) ou o mais apropriado
locus de desfrute dos direitos fundamentais à “intimidade”
e à “privacidade” (artigo 5º, inciso X), porquanto significativo
de vida em comunhão (comunidade vem de comum
unidade, é sempre bom remarcar).
10. Por esse mais largo espectro de intelecção da família como
categoria de Direito Constitucional, ajuízo que a primeira
modalidade de sua formação é, para a nossa Lei Maior, o casamento
civil (“O casamento é civil e gratuita a sua celebração”,
conforme dicção do § 1ª do artigo 226). A segunda forma de
“entidade familiar” é a que vem no parágrafo imediato, a designá-
la como “união estável” (“Para efeito da proteção do
Estado é reconhecida a união estável entre o homeme a mulher
como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão
em casamento”). Uma terceira modalidade é a doutrinariamente
chamada de “família monoparental”, que o Magno Texto
Republicano regula por esta forma: “Entende-se, também,
como entidade familiar a comunidade formada por qualquer
dos pais e seus descendentes” (§ 3º).
11. Atento aos limites materiais da controvérsia, pergunto: qual
o sentido do fraseado “união estável”, ali no peregrino texto da
Lei Republicana? Convivência duradoura do homem e da
mulher, expressiva de uma identidade de propósitos afetivo-
ético-espirituais que resiste às intempéries do humor e da
vida? Um perdurável tempo de vida em comum, então, a
comparecer como elemento objetivo do tipo, bastando, por si
mesmo, para deflagrar a incidência do comando constitucional?
Esse tempo ou alongado período de coalescência que
amalgama caracteres e comprova a firmeza dos originários
laços de personalíssima atração do casal? Tempo que cimenta
ou consolida a mais delicada e difícil relação de alteridade por
parte de quem se dispôs ao sempre arriscado, sempre corajoso
projeto de uma busca de felicidade amorosa (coragem, em francês,
é courage, termo que se compõe do substantivo coeur e do
sufixo age, para significar, exatamente, “o agir do coração”)?
Sabido que, nos insondáveis domínios do amor, ou a gente se
entrega a ele de vista fechada ou já não tem olhos abertos para
mais nada? Pouco importando se os protagonistas desse incomparável
projeto de felicidade-a-dois sejam ou não, concretamente,
desimpedidos para o casamento civil? Tenham ou não
uma vida sentimental paralela, inclusive sob a roupagem de um
casamento de papel passado? (vida sentimental paralela que, tal
como a preferência sexual, somente diz respeito aos respectivos
agentes)? Pois que, se desimpedidos forem, a lei facilitará a
conversão do seu companheirismo em casamento civil, mas,
ainda que não haja tal desimpedimento, nem por isso o par de
amantes deixa de constituir essa por si mesma valiosa comunidade
familiar? Uma comunidade que, além de complementadora
dos sexos e viabilizadora do amor, o mais das vezes se faz
acompanhar de toda uma prole? E que se caracteriza pelo financiamento
material do lar com receitas e despesas em comunhão?
Quando não a formação de um patrimônio igualmente
comum, por menor ou por maior que ele seja? Comunidade,
enfim, que, por modo quase invariável, se consolida por obra e
graça de um investimento físico-sentimental tão sem fronteiras,
tão sem limites que a eventual perda do parceiro sobrevem
como vital desfalque econômico e a mais pesada carga de
viuvez? Para não dizer a mais dolorosa das sensações de que a
melhor parte de si mesmo já foi arrancada com o óbito do
companheiro? Um sentimento de perda que não guarda a
menor proporcionalidade com o modo formal, ou não, de constituição
do vínculo familiar?
12. Minha resposta é afirmativa para todas as perguntas. Francamente
afirmativa, acrescento, porque a união estável se define
por exclusão do casamento civil e da formação da família
monoparental. É o que sobra dessas duas formatações, de modo
a constituir uma terceira via: o tertium genus do companheirismo,
abarcante assim dos casais desimpedidos para o casamento
civil, ou, reversamente, ainda sem condições jurídicas
para tanto. Daí ela própria, Constituição, falar explicitamente
de “cônjuge ou companheiro” no inciso V do seu artigo 201, a
propósito do direito a pensão por porte de segurado da previdência
social geral. “Companheiro” como situação jurídico-
ativa de quem mantinha com o segurado falecido uma relação
doméstica de franca estabilidade (“união estável”). Sem
essa palavra azeda, feia, discriminadora, preconceituosa, do
concubinato. Estou a dizer: não há concubinos para a Lei Mais
Alta do nosso País, porém casais em situação de companheirismo.
Até porque o concubinato implicaria discriminar os
eventuais filhos do casal, que passariam a ser rotulados de
“filhos concubinários”. Designação pejorativa, essa, incontornavelmente
agressora do enunciado constitucional de que “Os filhos,
havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão
os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação” (§ 6ª do artigo 227).
13. Com efeito, à luz do Direito Constitucional brasileiro o que
importa é a formação em si de um novo e duradouro núcleo
doméstico. A concreta disposição do casal para construir um lar
comumsubjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente
confirma. Isto é família, pouco importando se um dos
parceiros mantém uma concomitante relação sentimental
a-dois. No que andou bem a nossa Lei Maior, ajuízo, pois ao
Direito não é dado sentir ciúmes pela parte supostamente
traída, sabido que esse órgão chamado coração “é terra que
ninguém nunca pisou”. Ele, coração humano, a se integrar num
contexto empírico da mais entranhada privacidade, perante a
qual o Ordenamento Jurídico somente pode atuar como instância
protetiva. Não censora ou por qualquer modo embaraçante.
14. Sinta-se que, no âmbito mesmo do capítulo constitucional
de nº VII, título VIII, o dever que se impõe à família para assistir
amplamente a criança e o adolescente (artigo 227, cabeça) não
cessa pelo fato de se tratar de casal impedido de contrair matrimônio
civil. Nada disso! O casal é destinatário, sim, da imposição
constitucional de múltiplos deveres, tanto quanto seus
filhos até à adolescência se fazem titulares de todos os direitos
ali expressamente listados. E se o casal não tem como se escusar
de tal imposição jurídica, claro está que a família por ele constituída
faz jus “à proteção especial" de que versa a cabeça do
artigo 226. Verso e reverso de uma só medalha. Estrada de mão
dupla como imperativo de política pública e justiça material.
15. Igual raciocínio toma corpo para às vezes tantas em que a
nossa Constituição, já agora em regulações esparsas, põe os
núcleos familiares como protagonistas de situações jurídicas.
Por hipótese, “a proteção à maternidade e à infância”, reportada
pelo caput do artigo 6º, é de se dar no seio toda espécie de família
na qual os dois fenômenos transcorram, ou mesmo fora de
qualquer núcleo familiar. O salário mínimo, nacionalmente
unificado, é de se traduzir em valor que atenda “às necessidades
vitais básicas” do trabalhador “e às de sua família” (inciso IV do
artigo 7ª), sem se perguntar à Constituição Federal sobre qualquer
das três referidas modalidades de grupamento doméstico.
A usucapião urbana, tanto quanto a rural, é para contemplar o
possuidor e sua eventual família (artigos 183 e 191, respectivamente),
também sem a menor diferenciação constitucional
quanto à natureza do vínculo entre partes. Não destoa dessa
diretriz a nossa Lei Maior em temas como a previdência social
(incisos IV e V do artigo 201) e assistência social (inciso I do
artigo 203) , mais em tema de educação (artigo 205), a nos dar o
conforto intelectual da confirmação do quanto estamos a
sustentar sobre a união estável como categoria constitutiva de
um tertium genus grupal-doméstico.
16. Em síntese, esse é mais um campo de regulação em que a
Constituição brasileira dá mostras de respirar os depurados ares
de uma nova quadra histórica.1 Um tempo do mais decidido
prestígio para o direito à liberdade amorosa e, por consequência,
ao princípio da “dignidade da pessoa humana” (inciso III do
artigo 1º). A implicar trato conceitual mais dilatado para a figura
jurídica da família, portanto. Indo a presente ordem constitucional
bem além do que foi a Carta precedente (a de 1967/1969),
que apenas contemplava o casamento como forma de legítima
fundação dos núcleos domésticos, literis: “A família é constituída
pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes
Públicos” (artigo 167).
17. No caso dos presentes autos, o acórdão de que se recorre
tem lastro factual comprobatório da estabilidade da relação de
companheirismo que mantinha a parte recorrida com o de
cujus, então segurado da previdência social. Relação amorosa
de que resultou filiação e que fez da companheira uma dependente
econômica do seu então parceiro, de modo a atrair para a
resolução deste litígio o § 3º do artigo 226 da Constituição Federal.
Pelo que, também desconsiderando a relação de casamento
civil que o então segurado mantinha com outra mulher, perfilho
o entendimento da Corte Estadual para desprover, como efetivamente
desprovejo, o excepcional apelo. O que faço com as
vênias de estilo ao relator do feito, ministro Marco Aurélio.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Vou me permitir, pela passagem do tempo após o
voto que proferi, seguindo-se o pedido de vista, ressaltar alguns
aspectos. Comecei revelando o alcance que dou ao § 3º do artigo
226 da Constituição Federal, medula para a definição do caso.
Preceitua o artigo 226:
“Art. 226 – A família, base da sociedade, tem especial
proteção do Estado.
(...)
§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a
união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar, “– e aí vem uma cláusula importantíssima –”
devendo a lei facilitar sua conversão em casamento."
(...)
Então, pincei do acórdão que implicou a reforma da sentença
do Juízo certos dados fáticos:
“a) o cidadão V.A.D.S. veio a falecer, deixando certa
pensão a ser satisfeita pelo Estado.”
Não era ele um caixeiro viajante.
“b) à época do óbito, era casado e vivia maritalmente com a
mulher, advindo da relação conjugal onze filhos;
c) o falecido manteve com a autora, “– aqui ele sucumbiu
–” J.P.L., relação paralela, tendo o casal filhos. “– nove
filhos. Ele teve filho nas duas casas no mesmo ano, com
toda a certeza, –” Então, a Corte fez consignar:
Na verdade, essa situação dos autos, embora desconfortável,
é muito comum, na cultura brasileira. Como bem reconheceu
o ilustre Juiz o de cujus ‘logrou administrar a subsistência
do seu casamento com a segunda ré e um sério e
duradouro relacionamento “– de trinta e tantos anos –”
afetivo com a outra,’ o que leva a indeclinável conclusão
de que o falecido companheiro “– aqui não concordo com
o vocábulo utilizado, porque a definição pelo Código Civil
não é essa, a não ser sob o ângulo leigo –” da autora tinha
duas famílias, administrava e assistia as duas, sustentando-
as.”
Então, disse:
“Proclamou o Tribunal de Justiça da Bahia a estabilidade, a
publicidade e a continuidade da vida dupla, assentando
que não poderia desconhecer esses fatos ante a existência
do casamento e da prole deste resultante, consignando não
haver imposição da monogamia para caracterizar-se a
união estável a ser amparada pela Previdência, o que constitui
dever do Estado. Placitou, então, o rateio da pensão.
Sob o ângulo da busca a qualquer preço da almejada
justiça, não merece crítica o raciocínio desenvolvido. “– e
realmente não merece crítica –” Entrementes, a atuação do
Judiciário é vinculada ao Direito posto. Surgem óbices à
manutenção do que decidido, a partir da Constituição
Federal. Realmente, para ter-se como configurada a união
estável, não há imposição da monogamia, muito embora
ela seja aconselhável, objetivando a paz entre o casal. “–
entre os companheiros –” Todavia, a união estável protegida
pela Constituição pressupõe prática harmônica com o
ordenamento jurídico em vigor. Tanto é assim que, no
artigo 226 da Carta da República, tem-se como objetivo
maior da proteção “– a união estável. Qual é o objetivo
maior? A transformação em casamento –” o casamento.
Confiram com o próprio preceito que serviu de base à decisão
do Tribunal de Justiça. O reconhecimento da união
estável pressupõe possibilidade de conversão em casamento.
O reconhecimento da união estável entre o homem
e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar
sua conversão em casamento, direciona à inexistência de
obstáculo a este último. “– o casamento –” A manutenção
da relação com a autora “– a concubina –” se fez à margem
e diria mesmo mediante discrepância do casamento existente
e da ordem jurídico-constitucional. À época, em vigor
se encontrava, inclusive, o artigo 240 do Código Penal, que
tipificava o adultério. A tipologia restou expungida pela Lei
nº 11.106/2005.
Então, em detrimento do casamento havido até a data da
morte do servidor, veio o Estado, na dicção do Tribunal de
Justiça da Bahia, a placitar, com consequências jurídicas
certa união que, iniludivelmente, não pode ser considerada
como merecedora da proteção do Estado, porque a conflitar
a mais não poder, com o direito posto. É certo que o
atual Código Civil versa, ao contrário do anterior, de 1916,
sobre a união estável, realidade a consubstanciar núcleo
familiar. Entretanto, na previsão está excepcionada a proteção
do Estado quando existente impedimento para o casamento
relativamente aos integrantes da união, sendo que,
se um deles é casado, esse estado civil apenas deixa de ser
óbice quando verificada a separação de fato. A regra é fruto
do texto constitucional e, portanto, não se pode olvidar
que, ao falecer, o varão encontrava-se na chefia da família
oficial, vivendo com a mulher. O que se percebe é que
houve um envolvimento forte – de V.A.D.S. e J.P.L. projetado
no tempo – 37 anos –, dele surgindo prole numerosa
“– aqui não está em discussão o direito da prole –” nove
filhos, mas que não surte efeitos jurídicos ante a ilegitimidade,
ante o fato de o companheiro haver mantido o casamento
com quem contraíra núpcias e com quem tivera
onze filhos. Abandone-se a tentação de implementar o que
poderia ser tida como uma justiça salomônica, porquanto a
segurança jurídica pressupõe o respeito às balizas legais, a
obediência irrestrita às balizas constitucionais. No caso,
vislumbrou-se união estável quando, na verdade, verificado
simples concubinato, conforme pedagogicamente
previsto no artigo 1.727 do Código Civil:
Art. 1.727 – As relações não eventuais entre o homem e a
mulher, impedidos de casar, constituem “– e há um tratamento
específico –” concubinato.
O concubinato não se iguala à união estável, no que esta
acaba fazendo às vezes, em termos de consequências, do
casamento. Gera, quando muito, a denominada sociedade
de fato.
Tenho como infringido pela Corte de origem o § 3º do
artigo 226 da Constituição Federal, razão pela qual
conheço e provejo o recurso para restabelecer o entendimento
sufragado pelo Juízo na sentença prolatada."
É a distinção que faço entre companheiro/companheira,
compondo a união estável, e concubino/concubina.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Senhor Presidente,
Vossa Excelência se louva no Código Civil, eu me louvo na
Constituição.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Eu não posso admitir que, sendo crime à época, a
relação gerasse direitos.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Eu me louvei na
Constituição em todos os artigos que citei. E me impressiona
muito este caso. O de cujus se chamava “W.A.D.”, e a companheira
se chamava “J.P.L.”. Eles tinham que se encontrar, de se
atrair. Estava escrito nas estrelas. Ela certamente experimenta
um sentimento de viuvez que eu duvido que seja menor do que
o da outra; e a família dela também experimenta um desfalque
econômico que eu duvido que seja menor do que o da outra.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Ministro, com o condomínio afetivo, a viúva ter
uma divisão patrimonial a essa altura, ou seja, quanto à pensão!
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Certamente um
patrimônio formado pelas duas. Ele constituiu esse patrimônio a
partir das duas relações, certamente. Foram trinta e sete anos.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO:
Senhor Presidente, acabamos de ouvir dois belíssimos votos,
ambos lastreados com fundamentos que são estimulantes ao
raciocínio dos Juízes da Suprema Corte.
Gostaria de fazer, inicialmente, duas observações que reputo
cabíveis, pertinentes, diante do ilustradíssimo voto que trouxe o
eminente Ministro Carlos Ayres. A primeira é que essa distinção
entre comunidade e sociedade que Sua Excelência destacou
tem como eixo etimológico o latim, mas é mais aperfeiçoada na
língua germânica entre o gemainschaft e gesselschaft que tem
uma conotação muito mais forte na distinção entre a idéia do
comum e a idéia da sociedade.
Por outro lado, essa expressão que Sua Excelência usou com
tanta beleza na etimologia da palavra coragem, que é francesa e
que nasce nos idos de 1050, curiosamente pouco antes da
viagem à Canossa de Henrique IV, pedindo desculpas ao Papa
Gregório VII, tem a sua beleza no encontro do destemor com a
paixão, daí a origem francesa da expressão.
Mas, na realidade, neste julgamento, pelo que pude perceber,
nós estamos interpretando concretamente a disciplina do § 3º
do artigo 226 da Constituição Federal, ou seja, o alcance da
expressão “união estável” como entidade familiar. Tenho, pelo
§ 3º do artigo 226 da Constituição Federal, um enorme apreço,
um enorme carinho, porque penso eu que fui o primeiro
Desembargador, primeiro Juiz, que deu aplicação concreta à
disciplina constitucional, entendendo a identificação da união
estável como susceptível de proteção do Estado, independentemente
de qualquer regulamentação legal, entendendo o § 3º do
artigo 226 como autoaplicável. E esse julgado do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro foi posteriormente confirmado pelo
Superior Tribunal de Justiça, que não conheceu do recurso
especial interposto. Tenho, portanto, um enorme apreço na
interpretação do § 3º do artigo 226 da Constituição Federal. Mas
tenho igualmente posição já assentada no tocante a esta matéria
relativa à identificação da união estável.
É claro que o eminente Ministro Carlos Ayres Britto, com sua
inteligência, com sua cultura, com sua percepção de encontrar
na Constituição uma interpretação sistemática na perspectiva
teleológica, foi buscar a equiparação possível de diversas situações
constitucionais em relação à criança, ao adolescente, à
família, à previdência, e assim sucessivamente, para enquadrar
a situação de fato dos autos nesse cenário de uma interpretação
teleológica da Constituição.
Todavia, eu penso que não é o caso desse enquadramento.
E não é o caso desse enquadramento por três razões que me
permito rapidamente enumerar: a primeira é que a disciplina
constitucional foi muito clara, ela determinou que a proteção
03/2009 53
COAD SELEÇÕES JURÍDICAS ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA
do Estado fosse oferecida quando configurada a existência de
uma união estável, tanto que determinou a facilitação legal para
o matrimônio, ou seja, numa palavra, ele entendeu a proteção
constitucional à entidade familiar denominada “união estável”
no campo do Direito de Família, ou seja, mandou aplicar o
Direito de Família a essa entidade familiar que ele qualificou no
§ 3º do artigo 226; segundo, quando ele determinou que essa
proteção constitucional a essa entidade familiar, união estável,
fosse dada no campo do Direito de Família, evidentemente, que
ele quis sublinhar que se aplicavam os princípios do Direito
positivo infraconstitucional para disciplinar a matéria relativa a
essa nova entidade familiar; terceiro, é que se isso é assim, e ao
meu sentir, diversamente do que pensa o eminente Ministro
Carlos Ayres, é assim, nós não temos condições de equiparar
uma entidade familiar “união estável" a uma situação de fato
convivendo com uma união matrimonial reconhecida e
mantida. Por quê?’
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Ilegítima e que, à época, configurava crime.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Mas configurava
crime, Excelência, porque, à época, só o casamento civil era
constitutivo de entidade familiar. Agora, não, não é só o casamento
civil, É por isso que era crime.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Não sei.
O EXCELENTÍSSIMO SENHO MINISTRO MENEZES DIREITO:
Prossigo. Por quê? Porque, na realidade, o que o Direito positivo
brasileiro quis fazer foi, primeiro, reconhecer que uma união,
independentemente do fato do casamento, não era um interregno
de prestação de serviços para o efeito da concessão da
indenização por serviços domésticos; era, sim, uma entidade
valorizada pelo amor e que merecia, por isso, a proteção do
Estado, desde que ela fosse constituída não em paralelo a uma
união matrimonial já mantida, porque isso configuraria uma
exceção à legalidade estabelecida pelo Direito positivo.
Por outro lado, não se está julgando neste processo a questão da
subsistência dos filhos com relação às necessidades econômicas
que eles possam ter, na medida em que essa situação específica
até poderá, se for o caso, ser objeto de um processo judicial
próprio, que não é este em que se discute a pensão que é
deixada à viúva. É por essa razão que a jurisprudência brasileira,
ao longo do tempo, foi se consolidando no sentido até de
dar uma certa elasticidade, por exemplo, admitindo que
pudesse, sim, haver a configuração da união estável diante de
uma separação de fato. Por quê? Porque se reconhecia que o
fato era também um fundamento que dava consequências jurídicas:
se havia a separação de fato, era possível a configuração
da união estável.
Mas, pelo menos na minha compreensão, sob nenhum ângulo é
possível configurar a existência de uma união estável ao lado da
existência deummatrimônio em curso. Por quê? Porque essa existência
concomitante é absolutamente vedada pelo Direito positivo
brasileiro.Oque se está interpretando é a Constituição nos termos
que ela determinou que o Direito positivo assim fizesse. E o Direito
positivo, seguindo o próprio comando constitucional, determinou
os balizamentos pelos quais seria possível haver o reconhecimento
da união estável. E, certamente, um desses balizamentos
não foi obedecido, que é a ausência de impedimento para a realização
do casamento, no caso, a manutenção do casamento
contraído, sem a existência da separação de fato.
Creio, Senhor Presidente, como disse o Ministro Carlos Ayres,
com a sua riqueza vernacular, que nos encanta a todos, é possível,
sim, fazer uma interpretação ampliada, mas não me parece
possível, no caso, fazer uma interpretação que contradita, a
meu ver, às completas, aquela disciplina que a própria
Constituição determinou quando comandou a existência de
uma entidade familiar nova, a união estável, e determinou que
essa entidade familiar nova, a união estável, tivesse, pela lei,
facilitado o casamento.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Quando possível.
OEXCELENTÍSSIMOSENHORMINISTRO MENEZES DIREITO:
Não, a Constituição não disse isso.
Se já existia um casamento, era impossível transformar essa
união estável em casamento. Daí haveria uma contradição, a
meu ver absoluta, que impediria o reconhecimento da pensão
em meação a esta pessoa com o qual o de cujus teve filhos.
E necessário lembrar que o recurso está posto no plano constitucional
para identificar o reconhecimento, ou não, da união estável.
Essas são as razões de minha divergência, louvando a beleza do
voto, como sempre Sua Excelência faz nos trazendo a sua perspectiva
constitucional na indicação dos diversos dispositivos da
Constituição, que poderiam na sua compreensão ensejar essa
interpretação ampliada. Pedindo vênia outra vez a Sua Excelência,
eu acompanho o voto do Ministro Marco Aurélio, para
conhecer do recurso extraordinário e lhe dar provimento, restabelecendo
a sentença monocrática.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Senhor Presidente,
como o Direito alemão foi citado, apenas lembraria o que
Konrad Hesse, no seu magnífico livro, prefaciado pelo Ministro
Gilmar Mendes, “A força normativa da Constituição”, diz que
não é possível interpretar a Constituição sem atentar para a
realidade. É preciso ver a realidade do ângulo da Constituição.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Mas há limite, Excelência.
OSENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Não. E é preciso ver
a Constituição do ângulo da realidade.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Nosso Direito não é costumeiro.
OSENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Não, mas quando o
nosso Direito dá as costas à realidade, a realidade se vinga e dá
as costas ao Direito.Arealidade é essa. Há relações familiares.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO:
Eu queria só...
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Um momentinho,
Excelência.
OEXCELENTÍSSIMOSENHORMINISTRO MENEZES DIREITO:
É claro, com muito prazer.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Também retribuo
todos os elogios que Vossa Excelência fez ao meu voto. Vossa
Excelência fez um voto magnífico.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Nem todos têm esses patronímicos.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – A realidade é que o
amor fala mais alto, e famílias são constituídas à margem do
casamento, sem necessidade de papel passado. Para a Constituição,
que, a meu sentir, é contemporânea do futuro, não há
concubinato. O que existe é uma comunidade doméstica, um
núcleo doméstico a ser protegido. Daí por que ela mesma,
Constituição, quando trata de previdência social, não deixa de
dizer “pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao
cônjuge ou companheiro.”
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Ministro, faço a distinção entre “companheiro e
companheira” e “concubino e concubina”.
OSENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Para a Constituição,
não existe concubina.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Quer dizer, em Direito, os institutos, as expressões
e os vocábulos têm sentido próprio.
OEXCELENTÍSSIMOSENHORMINISTRO MENEZES DIREITO:
É uma interpretação que Vossa Excelência está dando que,
claro, nós todos temos de respeitar. Eu só queria fazer uma
observação.
Eu tenho a impressão que no Die normative Kraft der Verfassung,
que é o livro do Konrad Hesse, ele fala mais no sentido da
Wille zur Verfassung (a vontade de Constituição), que dá,
portanto, essa conotação de vinculação. Talvez essa interpretação
mais ampliada possa ser encontrada em Peter Häberle, no
Die Offene Gesselschaft der VerfassungsInterpreten (A Sociedade
Aberta dos Intérpretes da Constituição).
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Não, nem estou me
louvando nele.
OEXCELENTÍSSIMOSENHORMINISTRO MENEZES DIREITO:
Nesse sentido de que é possível sim que se dê uma interpretação
ampliada, como Vossa Excelência fez com todo o brilho que
nós conhecemos. É só que a preocupação que existe, pelo
menos na minha perspectiva, não é na sua perspectiva, é que a
interpretação do § 3º do artigo 226, se não forem levados em
consideração esses balizamentos legais com relação à existência
do matrimônio, nós poderíamos abrir ensanchas a uma
multiplicidade de reconhecimentos de uniões que não seriam
absolutamente estáveis, porque seriam múltiplas.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – E daqui a pouco valerá mais a pena ter uma relação
gerando o concubinato do que o casamento.
OSENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Se Vossa Excelência
permite relembrar, a Constituição se preocupa com pessoas,
com seres humanos, com núcleos domésticos constituídos de
seres humanos concretos, em carne e osso. Daí por que o instituto
da família perpassa os poros todos da Constituição, desde o
artigo 6º, cabeça, aliás, o artigo 6º não se desdobra, é exclusivo;
há o inciso IV do artigo 7º. Quer dizer, o que interessa é a família.
Omodo pelo qual a família se constituiu é, para a Constituição,
absolutamente secundário. A Constituição se dobra à
imperatividade do amor, da relação a dois.
OEXCELENTÍSSIMOSENHORMINISTRO MENEZES DIREITO:
Quer dizer, Vossa Excelência admitiria que uma pessoa poderia
ter várias famílias concomitantemente; cinco, seis famílias
concomitantemente.
OSENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Sim. Só diz respeito
ao homem e à mulher, aos núcleos domésticos. Isso é como
preferência sexual. É a mesma coisa, não nos diz respeito.Omodo
pelo qual as pessoas são felizes, esse modo não nos diz
respeito, absolutamente.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Senhor Presidente,
em primeiro lugar, também conforme o Ministro Menezes Direito,
e agora acrescentando também os meus cumprimentos a
ele, todos os votos belíssimos aqui pronunciados, inclusive com
a rememoração de algumas passagens do voto do Ministro-
Presidente, falam bem da dimensão do assunto que toca
todo mundo, porque é o núcleo mesmo da sociedade. Vou
pedir todas as vênias ao eminente Ministro Carlos Britto, e
também vou seguir o Ministro-Relator. E vou explicar o porquê.
Em primeiro lugar, também tenho para mim que o § 3ª do artigo
226, ao se referir à união estável, abarca única e exclusivamente
aquela união que pode ser considerada dotada de tal equilíbrio
que a presença de outro núcleo nesse sentido de casamento a
instabilizaria. Dou apenas um exemplo e, aliás, Vossa Excelência,
Ministro Carlos Britto, não chegou a dizer: o Ministro-
Presidente, mais de uma vez, chamou a atenção para a
circunstância de que foi excluído do sistema jurídico penal o
crime de adultério, que, naquele caso, teria sido, pelo menos
em tese, praticado, mas não me parece que tenham sido excluídos
os artigos 235 e 236 do Código Penal: bigamia e a participação
para a bigamia.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Foi alcançado apenas o adultério.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Pois é. Então, se
isso permanece, inclusive a Constituição quer que um homem e
uma mulher possam unir-se e que essa união, adquirindo estabilidade,
possa vir a se converter em casamento. Ou seja, no
sistema constitucional brasileiro, há um núcleo possível de
constituição de família entre um homem e uma mulher, tanto
que induzir alguém a contrair casamento, induzindo em erro
essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento
que não seja casamento anterior, que é o artigo 236 do Código
Penal, é crime. Então, o que me parece que a Constituição quer
preservar é a família. E eu faço uma observação a Vossa Excelência,
Ministro Carlos Britto: há uma expressão belíssima, entre
as tantas do voto de Vossa Excelência, dizendo assim: “coração
é terra que ninguém pisa.” Sim, como diria Guimarães Rosa:
“coração tudo cabe; é como o sertão.” Está certo. Mas Karl
Lowenstein, no início da Teoria da Constituição, diz que o Direito
existe para que o homem tente dominar três forças: a fé, o
poder e o amor. E que a democracia de Direito é isto: eu não
posso deixar de me apaixonar por alguém; e o Direito não me
pode proibir isso; agora, o Direito pode proibir-me, sim, de
praticar determinadas condutas, se estiver casada e se forem
elas contrárias ao Direito.
O Direito não proíbe a pessoa – porque não pode proibir – de
acreditar até nas piores seitas indignas do ser humano, mas
pode proibir – e proíbe – que a pessoa manifeste e adote
comportamentos contrários à vida em sociedade. Ainda citando
Guimarães Rosa, quer acreditar no coisa-ruim, pode acreditar;
mas praticar a violência contra as pessoas não pode.
OSENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Se Vossa Excelência
me permite? Ministro Carlos Alberto de Direito, quando Vossa
Excelência falou da multiplicidade de relações amorosas, eu
devo completar: contanto que permeadas de estabilidade.O que
interessa para a Constituição é que a relação seja estável.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Mas não há como
estabilizar algo que é plural.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – E, no caso dos
autos, a estabilidade é tão evidente que durou trinta anos! Trinta
anos!
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – A monogamia fica em segundo plano, desde que a
duplicidade seja estável.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Mas a estabilidade,
Ministro Carlos Britto, não é temporal.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO
– A minha dificuldade foi essa. Estou respeitando o ponto de
vista de Vossa Excelência, desculpe, Ministra Cármen Lúcia,
mas, como a Ministra Cármen Lúcia agora aponta, com toda
justiça, esse raciocínio, que respeito às completas, pode levar
uma pessoa a manter dez relações ao mesmo tempo, com a
fragmentação da situação jurídica, relativa à união estável.
ASENHORAMINISTRACÁRMENLÚCIA – Não é só com isso.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Vossa Excelência
está raciocinando com o teratológico.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Não, Ministro, é
que a segunda união “incestabiliza” a primeira; uma segunda
união “incestabiliza” a primeira.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Vamos nos ater ao
caso: houve duas relações; ambas estáveis.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Estáveis do ponto
de vista...
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – E Vossa Excelência coloca as duas no mesmo
plano?
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Coloco no mesmo
plano.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – A mulher propriamente dita e a concubina?
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Não há mulher
propriamente dita, Excelência.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURELIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Há, Excelência, pelas núpcias, porque a Constituição
preconiza a proteção do Estado à união estável, inclusive
estimulando-a ao casamento.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Ambas são mulheres.
Na matemática do amor, como dizia.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Mulher a que me refiro não é gênero, Excelência.
Eu me referi à mulher casada.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – À esposa.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Não é gênero. Claro que não apontei que o D.A.
teria tido um caso espúrio, um caso com traveco!
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Como dizia Sartre:
aritmética do amor é tão desconcertante, que nela: um mais um,
igual a um. Então, o Direito Constitucional se rende à evidência,
à imperiosidade do amor.
OEXCELENTÍSSIMOSENHORMINISTRO MENEZES DIREITO:
Mas neste caso foi igual a dois; pode ser igual a três, igual a
quatro.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Não, o que interessa
é que ele, com a concubina, como diz o Ministro Marco
Aurélio, para mim, com a companheira, mantinha uma relação
amorosa de trinta anos. E o Direito é indiferente a isso. Depois
que ele morre, a companheira experimenta uma dor, uma
perda, um sentimento de viuvez que o Direito não pode ignorar.
É dar as costas à realidade.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Ela se beneficiaria, Excelência. Vou chegar ao
extremo. Ela se beneficiaria da própria torpeza e a mulher que
teve o marido dividido agora dividiria a pensão.
OSENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Não houve torpeza.
No amor, não há torpeza, Excelência.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Há, sim, sob o ângulo legal. Vossa Excelência
potencializa o amor, não é? Se nós abandonarmos o campo jurídico
constitucional para decidir a partir do amor, o critério de
plantão é que norteará os pronunciamentos do Tribunal. Mas
esta Corte é responsável pela guarda da Constituição Federal,
pela guarda de princípios caros à vida gregária.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – E a Constituição
Federal foi que consagrou a união estável como equiparada ao
casamento para todos os fins e efeitos.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Na sua óptica, que respeito, mesmo envolvida não
a união estável prevista na Constituição Federal, mas sim o
concubinato.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Continuo o meu
voto. Para mim, a estabilidade não é uma questão de tempo, é
uma questão jurídica.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Vossa Excelência
falou de bigamia. Bigamia é quando ocorrem dois casamentos
de papel passado. Não é o caso.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Sim, eu fiz outro
tipo de referência. Citei os artigos 235 e 236.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Ministra Cármen Lúcia, o recado que ele está
dando não é a Vossa Excelência, mas a mim.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Não, fui eu quem
fiz referência.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Foi ela quem fez;
não foi Vossa Excelência.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – O que eu disse,
Ministro, foi que, se a bigamia ainda se mantém no sistema, e a
Constituição diz que a união estável deverá ser incentivada pelo
Estado para transformar-se em casamento, é óbvio que, se a
pessoa já está casada, não há como converter em casamento, e
o Estado não poderia cumprir esse dever.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Mas converter
quando possível.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – “Quando possível”
é Vossa Excelência que está acrescentando à Constituição; não
está isso na Constituição.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Sim, exato, como
Vossa Excelência está dizendo que não é.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Não, estou lendo a
Constituição. Vossa Excelência está acrescentando “quando
possível”; “quando possível” não está aqui.
OSENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Mas é uma interpretação
lógica, recicladora da meramente vernacular. Mas, com
todo o respeito.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Penso que não.
Também respeito o ponto de vista de Vossa Excelência apenas
para dizer que a estabilidade contida no dispositivo constitucional,
a meu ver, não é uma questão de tempo. Pode manter-se
um casamento por cinquenta anos e ser instável, mas, como ele
está formalizado, a Constituição respeita.
A estabilidade só pode ser considerada quando houver uma possibilidade
de, nos termos da Constituição e da legislação infraconstitucional
com ela coerente, transformar-se em casamento.
Razão pela qual peço vênia e respeito o belíssimo voto feito por
Vossa Excelência, mas acompanho o voto do Ministro-Relator
porque entendo que amor é uma coisa, é sentimento, e o Direito
é razão, embora, claro, respeitando-se e considerando tanto
quanto possível, exatamente, as razões dos sentimentos, mas
sem abrir mão nunca de saber que aqui temos de racionalizar
até em benefício do equilíbrio de todas as instituições, uma das
quais, o casamento.
É como voto, Senhor Presidente.
Obs.: Texto sem revisão da Exma. Sra. Ministra Cármen Lúcia
(§ 4º do artigo 96 do RISTF)
À REVISÃO DE APARTE DO SENHOR MINISTRO CARLOS
BRITTO.
PRIMEIRA TURMA RECURSO EXTRAORDINÁRIO 397.762
VOTO
O SR. MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI – Senhor Presidente,
estamos vivendo um momento de grandeza do Supremo
Tribunal Federal. Na semana passada, tivemos um julgamento
histórico, o dos embriões. Quero crer que, neste momento, estamos
proferindo um julgamento que, também, ficará para a
História, um julgamento extraordinariamente importante pela
profundidade dos votos proferidos.
Antes de me pronunciar sobre o tema, Senhor Presidente, quero
louvar Vossa Excelência pelo magnífico voto proferido;
também o eminente Ministro Carlos Britto, pela profunda
contribuição que traz para reflexão de todos nós; o voto magnífico
também do Ministro Carlos Alberto Direito; e o não menos
precioso voto da Ministra Cármen Lúcia.
Peço vênia, louvando o voto do Ministro Carlos Ayres Britto,
para acompanhar o eminente Relator. Faço-o também com
brevíssimas considerações.
De há muito, a doutrina e a jurisprudência vêm fazendo uma
distinção muito clara entre concubinato e união estável.
O concubinato, do ponto de vista etimológico, vem de cum
cubere, significa dormir juntos, ou seja, é uma comunhão de
leitos; ao passo que a união estável é uma comunhão de vida, é
uma parceria, é um companheirismo.
Essa evolução doutrinária e jurisprudencial foi agasalhada pelo
constituinte de 1988. Exatamente me parece que este artigo
226, caput, deve ser interpretado à luz dessa evolução doutrinária
e jurisprudencial. Esta parte final do § 3º do artigo 226 tem de
ser levado em consideração.
Nós acabamos de vir de um julgamento histórico, o julgamento
das células-tronco embrionárias.
Quer-me parecer que, de uma leitura estrita deste § 3º, temos de
entender que esta união estável, esta entidade familiar referida
neste dispositivo constitucional é uma espécie de embrião do
futuro casamento. Tanto é assim que o texto constitucional
determina que a lei deve facilitar a sua conversão em casamento.
E assim o fez o legislador ordinário na Lei nº 9.278, que, em seu
artigo 8º, facilitou efetivamente a conversão da união estável
em casamento. Basta que aqueles que mantêm a união estável
comuniquem o seu desejo ao oficial do registro civil a vontade
de converter essa união estável em casamento.
Como disse muito bem o eminente Ministro Carlos Alberto
Direito, o Código Civil, traduzindo essa evolução jurisprudencial
e doutrinária e traduzindo também a vontade do constituinte,
fez uma claríssima distinção, como já acentuada
também pelo eminente Ministro Marco Aurélio, entre o concubinato
e a união estável.
O concubinato está definido, com todas as letras, no artigo
1.727 e a união estável no artigo 1.723. O que impressiona,
eminente Ministro Carlos Alberto Direito, na definição que o
Código Civil dá à união estável, que é a mesma dada pelo artigo
1º da Lei nº 9.278, de 1996, é exatamente esse caráter de publicidade
à união estável.
Estabelece o artigo 1.723:
“Art. 1.723 – É reconhecida como entidade familiar a união
estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência
pública, contínua e duradoura e estabelecida com o
objetivo de constituição de família.”
Essa publicidade me parece absolutamente essencial para
caracterizar a união estável. Quer-me parecer, eminente Ministro
Carlos Ayres Britto, que quem mantém duas famílias, uma
legal e outra na clandestinidade, certamente não estará dando
publicidade a essa segunda família.
O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Vossa Excelência
me permite? Sempre fico mimoseado, presenteado com intervenções
e votos tão brilhantes, mas digo, pura e simplesmente,
que a definição de concubinato, como mero “dormir juntos”,
não se aplica a quem dormiu junto durante trinta anos. E segundo:
é impossível manter uma relação de trinta anos às
escondidas, clandestinamente. Certamente essa união era
pública e notória. De qualquer forma, rendo minhas homenagens
a Vossas Excelências, em conjunto.
O SR. MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI – Com a devida
vênia do eminente Ministro Carlos Ayres Britto, acompanho
Vossa Excelência para dar provimento ao recurso.
Obs.: Texto sem revisão do Exmo. Sr. Ministro Ricardo Lewandowski
(§ 4º do artigo 96 do RISTF)
EXTRATO DE ATA
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 397.762-8
PROCED.: BAHIA
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
RECTE.(S): ESTADO DA BAHIA
ADV.(A/S): PGE-BA –ANTONIOERNESTO LEITE RODRIGUES
RECDO.(A/S): J.P.L.
ADV.(A/S): CÁTIA RÉGIA TELES NERY E OUTRO(A/S)
Decisão: Após o voto do Ministro Marco Aurélio, Relator,
conhecendo do recurso extraordinário e lhe dando provimento,
pediu vista dos autos o Ministro Carlos Britto. 1ª Turma,
4-10-2005.
Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Carlos Britto,
de acordo com o artigo 1º, § 1º, in fine, da Resolução nº
278/2003. 1ª Turma, 6-12-2005.
Decisão: Adiado o julgamento por indicação do Ministro Carlos
Britto. 1ª Turma, 7-2-2006.
Decisão: Por maioria de votos, a Turma conheceu do recurso
extraordinário e lhe deu provimento, nos termos do voto do
Relator; vencido o Ministro Carlos Britto. 1ª Turma, 3-6-2008.
Presidência do Ministro Marco Aurélio. Presentes à Sessão os
Ministros Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, a Ministra
Cármen Lúcia e o Ministro Menezes Direito. Compareceu o
Ministro Eros Grau a fim de julgar processos a ele vinculados,
ocupando a cadeira do Ministro Ricardo Lewandowski.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo de Tarso Braz
Lucas.
(Ricardo Dias Duarte – Coordenador)
NOTA
1. Vale ressaltar que a legislação infraconstitucional, também
sob influência da nova quadra histórica a que me referi,
empresta um trato conceitual mais dilatado para a figura jurídica
da família. Como exemplo, menciono o artigo 241 da Lei
nº 8.112/90 (“Art. 241 – Consideram-se da família do servidor,
além do cônjuge e filhos, quaisquer pessoas que vivam às suas
expensas e constem do seu assentamento individual. Parágrafo
único – Equipara-se ao cônjuge a companheira ou
companheiro, que comprove união estável como entidade
familiar”).
Retirado de
COAD SELEÇÕES JURÍDICAS ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA
03/2009 50
terça-feira, 10 de março de 2009
STJ nega pedido de suposto filho para realizar sexta investigação de paternidade
Falta de apreciação pelas instâncias ordinárias impede a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de apreciar recurso com o qual um gaúcho pretendia dar prosseguimento à sexta ação para investigar sua paternidade. Com isso, fica mantido o julgamento do Judiciário do Rio Grande do Sul que considerou inadmissível o ajuizamento de uma nova ação de investigação de paternidade quando as anteriores já foram julgadas improcedentes e o prazo para a ação rescisória venceu.
Segundo dados do processo, a primeira ação foi ajuizada em 1991, quando o suposto progenitor ainda era vivo. O pedido foi julgado improcedente por insuficiência de provas sem sequer ser realizado exame pericial que pudesse excluir ou confirmar, de forma cabal, o parentesco.
O suposto filho recorreu ao STJ após o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) entender que é inadmissível uma quinta ação investigatória de paternidade, quando já houve o expresso reconhecimento da coisa julgada. Para o TJ, a coisa julgada material é garantia constitucional e não pode ser flexibilizada.
O relator do recurso, ministro Aldir Passarinho Junior, citou precedente de relatoria do ministro Ari Pargendler no qual se discutia o afastamento ou não da coisa julgada, para que fosse renovada investigação de paternidade, ao fundamento de que, com o advento do exame de DNA, seria, agora, adequadamente verificada a vinculação entre os autores e o réu. A Segunda Seção julgou extinta a ação de investigação de paternidade.
Em sua defesa, o suposto filho alegou que, há vários anos, vem tentando comprovar judicialmente sua paternidade, sendo que, por diversas vezes, propôs ações de investigação de paternidade, juntando, inclusive, exame de DNA que demonstra sua filiação.
Na tentativa de dar prosseguimento à ação, ele argumenta contrariedade ao artigo 27 da Lei n. 8.069/90 – o Estatuto da Criança e do Adolescente –, sobre o relativismo da preservação da coisa julgada, em confronto com o reconhecimento do estado de filiação ante o advento de prova moderna e cientificamente segura, como se dá no exame de DNA.
Na decisão, o relator, ministro Aldir Passarinho Junior, destacou que a falta de prequestionamento da questão jurídica à luz do artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ou seja, o fato de não ter sido apreciada na Justiça gaúcha – atrai a incidência da Súmula 211 do STJ, haja vista a ausência de violação do artigo 535 do Código Processual Civil, que trata dos embargos de declaração. Segundo esse verbete, é inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal de origem. A decisão foi unânime.
Processos: Resp 960805
Retirado do site do STF
Segundo dados do processo, a primeira ação foi ajuizada em 1991, quando o suposto progenitor ainda era vivo. O pedido foi julgado improcedente por insuficiência de provas sem sequer ser realizado exame pericial que pudesse excluir ou confirmar, de forma cabal, o parentesco.
O suposto filho recorreu ao STJ após o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) entender que é inadmissível uma quinta ação investigatória de paternidade, quando já houve o expresso reconhecimento da coisa julgada. Para o TJ, a coisa julgada material é garantia constitucional e não pode ser flexibilizada.
O relator do recurso, ministro Aldir Passarinho Junior, citou precedente de relatoria do ministro Ari Pargendler no qual se discutia o afastamento ou não da coisa julgada, para que fosse renovada investigação de paternidade, ao fundamento de que, com o advento do exame de DNA, seria, agora, adequadamente verificada a vinculação entre os autores e o réu. A Segunda Seção julgou extinta a ação de investigação de paternidade.
Em sua defesa, o suposto filho alegou que, há vários anos, vem tentando comprovar judicialmente sua paternidade, sendo que, por diversas vezes, propôs ações de investigação de paternidade, juntando, inclusive, exame de DNA que demonstra sua filiação.
Na tentativa de dar prosseguimento à ação, ele argumenta contrariedade ao artigo 27 da Lei n. 8.069/90 – o Estatuto da Criança e do Adolescente –, sobre o relativismo da preservação da coisa julgada, em confronto com o reconhecimento do estado de filiação ante o advento de prova moderna e cientificamente segura, como se dá no exame de DNA.
Na decisão, o relator, ministro Aldir Passarinho Junior, destacou que a falta de prequestionamento da questão jurídica à luz do artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ou seja, o fato de não ter sido apreciada na Justiça gaúcha – atrai a incidência da Súmula 211 do STJ, haja vista a ausência de violação do artigo 535 do Código Processual Civil, que trata dos embargos de declaração. Segundo esse verbete, é inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal de origem. A decisão foi unânime.
Processos: Resp 960805
Retirado do site do STF
segunda-feira, 9 de março de 2009
Sociedade poderá participar de processo de edição de Súmulas Vinculantes
Possibilidade de bloqueio de verbas públicas para fornecimento de medicamentos e de tratamento médico a pessoas carentes e inconstitucionalidade da prisão civil de depositário infiel. Esses são alguns exemplos de pedidos de edição de Súmulas Vinculantes que estão em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) desde a criação da classe processual Proposta de Súmula Vinculante (PSV), em 2008.
As Súmulas Vinculantes têm grande repercussão social, uma vez que devem ser seguidas por todo o Poder Judiciário e toda a Administração Pública. Essa força ganha ainda mais legitimidade diante das regras que preveem a participação de terceiros no processo de edição desses preceitos. A partir desta sexta-feira (6), entidades da sociedade civil organizada poderão participar da edição de Súmulas Vinculantes enviando manifestações ao Supremo, como memoriais ou outros documentos que possam contribuir com o entendimento dos ministros sobre as matérias em análise.
A participação depende da aprovação da Corte e parte da publicação dos editais das PSVs no Diário da Justiça Eletrônica (DJe) e no link “Proposta de Súmula Vinculante”, disponível no ícone “Jurisprudência”, no portal do STF. Contados 20 dias da data da publicação desses editais, os interessados terão cinco dias para efetivamente se manifestar perante o Supremo.
A participação de interessados nos processos que pedem a edição, a revisão ou o cancelamento de Súmulas Vinculantes está prevista na Lei 11.417/06 (parágrafo 2º do artigo 3º) e na Resolução 388/08, do STF. A publicação dos editais, que nada mais são que os textos das propostas de Súmula Vinculante ou a própria Súmula que se pretende revisar ou cancelar, tem como objetivo assegurar essa participação.
O processamento totalmente informatizado das PSVs é outro destaque na tramitação desse tipo de processo. Isso garante celeridade e fácil acesso da sociedade às propostas de edição, revisão ou cancelamento desses enunciados. Desde a criação das propostas, elas podem ser conhecidas na íntegra no site da Corte, no link “Acompanhamento Processual”. O ciclo de informatização se completa com a criação do link “Proposta de Súmula Vinculante”, que conta com a publicação dos editais com atalhos que permitem visualizar os andamentos da PSVs.
Cancelamento
De todas as PSVs em curso no Supremo, somente uma pede o cancelamento de Súmula Vinculante já editada pelo Supremo. É a PSV 13, de autoria da Confederação Brasileira dos Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol), que pretende anular a Súmula Vinculante nº 11 – texto que limita o uso de algemas a casos excepcionais, quando o preso oferecer risco a policiais ou a terceiros. O pedido chegou ao Supremo por meio de uma Petição (PET 4428) e foi reautuado como PSV 13 a pedido do relator da PET, ministro Carlos Ayres Britto.
A PSV 3 tem 22 pedidos de edição de Súmulas Vinculantes. Ela propõe a criação de enunciados que tratam de assuntos diversos como, por exemplo, a inconstitucionalidade da exigência de depósito prévio para apresentar recurso administrativo; a impossibilidade de uma aposentadoria espontânea romper contrato de trabalho; a legitimidade de sindicatos liquidarem e executarem créditos reconhecidos a trabalhadores, independentemente de autorização dos associados; e a impossibilidade de se iniciar investigações sobre crime tributário enquanto o crédito supostamente sonegado não tiver sido devidamente apurado no âmbito administrativo-fiscal.
A questão da gratuidade de medicamentos para pessoas carentes é tratada na PSV 4, que pede a edição de dois enunciados. Um sobre a responsabilidade solidária dos estados e do Distrito Federal quanto ao fornecimento de medicamentos e tratamento médico e outro sobre a possibilidade de bloqueio de verbas públicas para o fornecimento de remédios e de tratamento médico para quem não pode arcar com os custos.
retirado do site do STF
As Súmulas Vinculantes têm grande repercussão social, uma vez que devem ser seguidas por todo o Poder Judiciário e toda a Administração Pública. Essa força ganha ainda mais legitimidade diante das regras que preveem a participação de terceiros no processo de edição desses preceitos. A partir desta sexta-feira (6), entidades da sociedade civil organizada poderão participar da edição de Súmulas Vinculantes enviando manifestações ao Supremo, como memoriais ou outros documentos que possam contribuir com o entendimento dos ministros sobre as matérias em análise.
A participação depende da aprovação da Corte e parte da publicação dos editais das PSVs no Diário da Justiça Eletrônica (DJe) e no link “Proposta de Súmula Vinculante”, disponível no ícone “Jurisprudência”, no portal do STF. Contados 20 dias da data da publicação desses editais, os interessados terão cinco dias para efetivamente se manifestar perante o Supremo.
A participação de interessados nos processos que pedem a edição, a revisão ou o cancelamento de Súmulas Vinculantes está prevista na Lei 11.417/06 (parágrafo 2º do artigo 3º) e na Resolução 388/08, do STF. A publicação dos editais, que nada mais são que os textos das propostas de Súmula Vinculante ou a própria Súmula que se pretende revisar ou cancelar, tem como objetivo assegurar essa participação.
O processamento totalmente informatizado das PSVs é outro destaque na tramitação desse tipo de processo. Isso garante celeridade e fácil acesso da sociedade às propostas de edição, revisão ou cancelamento desses enunciados. Desde a criação das propostas, elas podem ser conhecidas na íntegra no site da Corte, no link “Acompanhamento Processual”. O ciclo de informatização se completa com a criação do link “Proposta de Súmula Vinculante”, que conta com a publicação dos editais com atalhos que permitem visualizar os andamentos da PSVs.
Cancelamento
De todas as PSVs em curso no Supremo, somente uma pede o cancelamento de Súmula Vinculante já editada pelo Supremo. É a PSV 13, de autoria da Confederação Brasileira dos Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol), que pretende anular a Súmula Vinculante nº 11 – texto que limita o uso de algemas a casos excepcionais, quando o preso oferecer risco a policiais ou a terceiros. O pedido chegou ao Supremo por meio de uma Petição (PET 4428) e foi reautuado como PSV 13 a pedido do relator da PET, ministro Carlos Ayres Britto.
A PSV 3 tem 22 pedidos de edição de Súmulas Vinculantes. Ela propõe a criação de enunciados que tratam de assuntos diversos como, por exemplo, a inconstitucionalidade da exigência de depósito prévio para apresentar recurso administrativo; a impossibilidade de uma aposentadoria espontânea romper contrato de trabalho; a legitimidade de sindicatos liquidarem e executarem créditos reconhecidos a trabalhadores, independentemente de autorização dos associados; e a impossibilidade de se iniciar investigações sobre crime tributário enquanto o crédito supostamente sonegado não tiver sido devidamente apurado no âmbito administrativo-fiscal.
A questão da gratuidade de medicamentos para pessoas carentes é tratada na PSV 4, que pede a edição de dois enunciados. Um sobre a responsabilidade solidária dos estados e do Distrito Federal quanto ao fornecimento de medicamentos e tratamento médico e outro sobre a possibilidade de bloqueio de verbas públicas para o fornecimento de remédios e de tratamento médico para quem não pode arcar com os custos.
retirado do site do STF
sexta-feira, 6 de março de 2009
Negado pagamento de pensão para concubina de militar falecido
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a decisão que anulou o acórdão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região que havia concedido pensão por morte à concubina de um servidor público. Por maioria, a Quinta Turma do STJ rejeitou o agravo regimental ajuizado pela concubina e reiterou seu entendimento de que a proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato.
O acórdão do TRF entendeu que o estado civil de casado do servidor falecido não impedia a concessão do benefício à concubina em conjunto com a esposa, desde que comprovadas a existência de união estável e a relação de dependência econômica. Assim, mesmo diante da constância do casamento, o Tribunal reconheceu que havia união estável entre o falecido e sua concubina e que os requisitos para a concessão de pensão por morte passaram a ser os mesmos para ambas.
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e a esposa do militar falecido recorreram ao STJ contra o referido acórdão. A autarquia alegou que o Estado assegura a proteção somente às entidades familiares que não têm impedimentos para o matrimônio legal. A esposa argumentou que, além de ser legalmente casada, convivia com o falecido de fato e de direito, debaixo do mesmo teto. A Turma aceitou os recursos e modificou a decisão do TRF.
No agravo regimental, a concubina requereu a revisão da decisão e o reconhecimento da relação jurídica de vida em comum, já que manteve entidade familiar paralela com o falecido por quase vinte anos, de quem dependia economicamente.
Segundo o relator, ministro Jorge Mussi, com a Constituição Federal de 1998 e a edição das demais leis disciplinadoras do tema, verifica-se não existir identidade entre união estável e concubinato, bem como entre companheira e concubina. Para ele, os efeitos jurídicos advindos da união estável e da relação de concubinato são distintos, sendo impossível a concessão dos direitos da união estável à concubina.
Citando precedentes da Corte e do Supremo Tribunal Federal, Jorge Mussi ressaltou que a proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato. De acordo com os precedentes, a união estável pressupõe a ausência de impedimentos para o casamento, ou, pelo menos, que esteja o companheiro separado de fato, não podendo ser conferido status de união estável à relação concubinária concomitante a casamento válido.
Em voto vista, o ministro Arnaldo Esteves Lima ressaltou que tanto o STF quanto o STJ entendem que a condição de entidade familiar depende da união estável entre homem e mulher numa convivência pública e contínua que possa ser convertida em casamento. Para ele, a legislação não contempla o concubinato adulterino, que sempre esteve e continua à margem da lei. O presidente da Turma, ministro Napoleão Nunes Maia, ficou vencido no julgamento.
Processo: Resp 1016574
Extraído do site www.editoramagister.com
O acórdão do TRF entendeu que o estado civil de casado do servidor falecido não impedia a concessão do benefício à concubina em conjunto com a esposa, desde que comprovadas a existência de união estável e a relação de dependência econômica. Assim, mesmo diante da constância do casamento, o Tribunal reconheceu que havia união estável entre o falecido e sua concubina e que os requisitos para a concessão de pensão por morte passaram a ser os mesmos para ambas.
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e a esposa do militar falecido recorreram ao STJ contra o referido acórdão. A autarquia alegou que o Estado assegura a proteção somente às entidades familiares que não têm impedimentos para o matrimônio legal. A esposa argumentou que, além de ser legalmente casada, convivia com o falecido de fato e de direito, debaixo do mesmo teto. A Turma aceitou os recursos e modificou a decisão do TRF.
No agravo regimental, a concubina requereu a revisão da decisão e o reconhecimento da relação jurídica de vida em comum, já que manteve entidade familiar paralela com o falecido por quase vinte anos, de quem dependia economicamente.
Segundo o relator, ministro Jorge Mussi, com a Constituição Federal de 1998 e a edição das demais leis disciplinadoras do tema, verifica-se não existir identidade entre união estável e concubinato, bem como entre companheira e concubina. Para ele, os efeitos jurídicos advindos da união estável e da relação de concubinato são distintos, sendo impossível a concessão dos direitos da união estável à concubina.
Citando precedentes da Corte e do Supremo Tribunal Federal, Jorge Mussi ressaltou que a proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato. De acordo com os precedentes, a união estável pressupõe a ausência de impedimentos para o casamento, ou, pelo menos, que esteja o companheiro separado de fato, não podendo ser conferido status de união estável à relação concubinária concomitante a casamento válido.
Em voto vista, o ministro Arnaldo Esteves Lima ressaltou que tanto o STF quanto o STJ entendem que a condição de entidade familiar depende da união estável entre homem e mulher numa convivência pública e contínua que possa ser convertida em casamento. Para ele, a legislação não contempla o concubinato adulterino, que sempre esteve e continua à margem da lei. O presidente da Turma, ministro Napoleão Nunes Maia, ficou vencido no julgamento.
Processo: Resp 1016574
Extraído do site www.editoramagister.com
Em ação de guarda de menor deve prevalecer o melhor interesse da criança
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a decisão que garantiu a uma mãe a guarda de uma criança de oito anos de idade, por poder oferecer a ela as melhores condições para o seu sustento e educação, bem como para o seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social.
O caso trata de uma ação de guarda de menor com pedido de tutela antecipada proposta pelo pai contra a mãe da criança, sob a alegação de que ele ofereceria melhores condições para exercê-la, pedindo, assim, que fosse regularizada a guarda já existente.
A mãe contestou, sustentando que a guarda da filha sempre ficou a seu cargo e que possui, também, as melhores condições para exercê-la. Requereu, por fim, a condenação do pai nas penas da litigância de má-fé, por ter alterado a verdade dos fatos.
Em primeira instância, o pedido foi julgado procedente para conceder a guarda da menor ao pai e, quanto à regularização de visitas, ficou estabelecido que a mãe poderia visitar a filha todo final de semana, a partir das 8h de sábado com término às 18h de domingo. Estabeleceu, ainda, que as férias escolares seriam divididas em períodos iguais para ambos, bem como a comemoração do dia dos pais e das mães e do aniversário da menor.
Inconformada, a mãe apelou e o Tribunal de Justiça do Acre garantiu a guarda da criança à mãe, ao entendimento de que “a guarda é de ser transferida à mãe, quando esta, com base nos elementos informativos dos autos, apresentar melhores condições para satisfação dos interesses da criança ainda em tenra idade”.
No STJ, ao analisar o recurso do pai, a ministra Nancy Andrighi destacou que, neste processo, não se está tratando do direito dos pais à filha, mas sim, e sobretudo, do direito da menina a uma estrutura familiar que lhe confira segurança e todos os elementos necessários a um crescimento equilibrado.
Segundo a relatora, as partes devem pensar de forma comum no bem-estar da menor, sem intenções egoísticas, para que ela possa usufruir harmonicamente da família que possui, tanto a materna quanto a paterna, porque toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família, conforme dispõe o artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Para a ministra, se a decisão do TJAC atesta que a mãe oferece as melhores condições de exercer a guarda da criança, deve a relação materno-filial ser preservada, sem prejuízo da relação paterno-filial, assegurada por meio do direito de visitas.
Assim, ficou definido, nos termos do voto da ministra, que melhores condições para o exercício da guarda significam, para além da promoção do sustento, objetivamente, maior aptidão para propiciar ao filho, afeto, saúde, segurança e educação, considerado não só o universo genitor-filho como também o do grupo familiar em que está a criança inserida.
Extraído do site www.editoramagister.com
O caso trata de uma ação de guarda de menor com pedido de tutela antecipada proposta pelo pai contra a mãe da criança, sob a alegação de que ele ofereceria melhores condições para exercê-la, pedindo, assim, que fosse regularizada a guarda já existente.
A mãe contestou, sustentando que a guarda da filha sempre ficou a seu cargo e que possui, também, as melhores condições para exercê-la. Requereu, por fim, a condenação do pai nas penas da litigância de má-fé, por ter alterado a verdade dos fatos.
Em primeira instância, o pedido foi julgado procedente para conceder a guarda da menor ao pai e, quanto à regularização de visitas, ficou estabelecido que a mãe poderia visitar a filha todo final de semana, a partir das 8h de sábado com término às 18h de domingo. Estabeleceu, ainda, que as férias escolares seriam divididas em períodos iguais para ambos, bem como a comemoração do dia dos pais e das mães e do aniversário da menor.
Inconformada, a mãe apelou e o Tribunal de Justiça do Acre garantiu a guarda da criança à mãe, ao entendimento de que “a guarda é de ser transferida à mãe, quando esta, com base nos elementos informativos dos autos, apresentar melhores condições para satisfação dos interesses da criança ainda em tenra idade”.
No STJ, ao analisar o recurso do pai, a ministra Nancy Andrighi destacou que, neste processo, não se está tratando do direito dos pais à filha, mas sim, e sobretudo, do direito da menina a uma estrutura familiar que lhe confira segurança e todos os elementos necessários a um crescimento equilibrado.
Segundo a relatora, as partes devem pensar de forma comum no bem-estar da menor, sem intenções egoísticas, para que ela possa usufruir harmonicamente da família que possui, tanto a materna quanto a paterna, porque toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família, conforme dispõe o artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Para a ministra, se a decisão do TJAC atesta que a mãe oferece as melhores condições de exercer a guarda da criança, deve a relação materno-filial ser preservada, sem prejuízo da relação paterno-filial, assegurada por meio do direito de visitas.
Assim, ficou definido, nos termos do voto da ministra, que melhores condições para o exercício da guarda significam, para além da promoção do sustento, objetivamente, maior aptidão para propiciar ao filho, afeto, saúde, segurança e educação, considerado não só o universo genitor-filho como também o do grupo familiar em que está a criança inserida.
Extraído do site www.editoramagister.com
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