domingo, 29 de julho de 2012

Álcool e menoridade



autora: Maria Aglaé Tedesco Vilardo
        
A revista Veja publicou reportagem em 11 de julho com o título “menor  + álcool – Proibido mas ninguém liga”. Em, 29 de julho, o jornal O Globo publica “Proibido para menores. Mas nem parece”.
            Este tema há muito venho pesquisando, pois como aplicadora das sanções legais para a prática de crimes e infrações administrativas nesses casos questiono a motivação para que se tenha acesso facilitado à compra de bebida alcoólica e a atuação dos adultos em entender permissível oferecer bebida alcoólica para uma criança ou adolescente.
            Os pais acham natural oferecer uma prova de bebida aos filhos ainda crianças e para os adolescentes é comum ver os pais bebendo junto aos filhos comprando a bebida em bares ou bebendo em casa. Os argumentos são basicamente de que se é possível fazer uso da bebida longe dos pais é melhor beber perto dos pais.
            Os médicos são unânimes em afirmar que o consumo de álcool por menor de idade é pernicioso.
            Na reportagem do globo um adolescente de 16 anos afirmou que começou a beber aos 13 anos e quando o pai descobriu conversaram bastante e hoje, afirmou, bebem juntos! Sim, O resultado da conversa foi continuar a beber, só que na companhia paterna, mesmo com apenas 16 anos. Não obstante, o adolescente estava na Lapa bebendo sem a presença do pai, pelo que se percebeu na entrevista.
            O número de jovens que fazem uso de bebida alcoólica é grande e alguns se tornam alcoólatras. Em processos já apliquei diversas vezes a sanção prevista no Art. 243 do Estatuto da Criança e Adolescente: Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida. A pena prevista é de detenção de 2 a 4 anos e multa, se não constituir fato mais grave. Este fato é tipificado como crime.
            Como infração administrativa temos o disposto no art.249 do ECA que diz respeito ao descumprimento, com intenção ou mesmo sem intenção, dos deveres próprios ao exercício do poder familiar ou do guardião de menor de idade. A pena fixada é de multa entre 3 e 20 salários mínimos e se já ocorreu anteriormente tal fato a multa pode ser aplicada em dobro.
            Nas vezes em que apliquei tais sanções os pais afirmavam que não sabiam de nada e que era uma surpresa o filho ter se embriagado e ser levado a um hospital, o que era comum nesses processos. Os pais sabiam que os filhos estavam com amigos saindo para alguma diversão ou festa, mas afirmavam desconhecer que havia bebidas alcoólicas.
Em um dos processos o grupo de adolescentes havia comprado bebida alcoólica em fartura em um supermercado local, sem nenhuma exigência de comprovação de idade, e depois foram beber em praça pública quando foram apreendidos pela guarda local. Na audiência, o depoimento dos pais era dramático, pois muitos afirmavam que haviam perdido o controle que não sabiam por onde o filho andava e que trabalhavam muito para manter o filho e não tinham tempo de acompanhar suas vidas. Muitos choravam preocupados, pois a situação ficava mais séria quando um fato como esse passava a ser analisado por um processo judicial.
Conversei com a minha colega Drª Ivone Ferreira Caetano, Juíza da Vara da Infância, Juventude e Idoso, sobre a gravidade deste problema. Ela esclareceu que não tem número suficiente de comissários de infância para realizar a fiscalização. A Vara possui diversas responsabilidades de fiscalização diurnas e noturnas. Há necessidade de comissários para fiscalizar as publicações vendidas em bancas de jornais e as lan houses frequentadas pelos jovens, trabalho realizado de dia. Os bares e eventos noturnos, numerosos e diversificados, ocorrem à noite. O comissário que trabalhar fiscalizando à noite não consegue trabalhar no dia seguinte, precisa descansar, o que reduz o número de profissionais atuantes, hoje em torno de 20 comissários nesta Vara. Isso sem falar nas festas particulares que ocorrem em clubes e condomínios onde a bebida alcoólica é servida à vontade, com a concordância dos pais. É difícil fiscalizar tantos estabelecimentos, em uma noite um comissário não consegue realizar mais do que dois eventos, pois tem que fazer o registro de autuação em detalhes, comprovar com documentos, arrolar testemunhas, o que torna todo o procedimento muito demorado. Recente concurso público para comissários foi realizado pelo Tribunal de Justiça, porém a Vara recebeu apenas um novo comissário, quando necessitaria de pelo menos mais uns 20 ou 30 comissários para realizar um trabalho de fiscalização desta natureza.
Sabemos que os 18 anos não representam um número mágico para que se possa consumir bebida alcoólica, mas que todo trabalho de educação, de repetição – que é a própria educação- ao longo dos importantes anos de formação física e moral de um filho, tem como propósito conscientizar, conduzir, demonstrar ao jovem em formação os perigos advindos deste consumo, a falácia da juventude de que nada a atinge, a autoafirmação perante os amigos que cobram, a todo instante, demonstração de crescimento e de que se é adulto fazendo coisas que só os adultos fazem. Como disse outro adolescente no jornal “tudo que é proibido é mais gostoso”. Ouvi de uma jovem adulta que só gostava de beber enquanto não tinha 18 anos para transgredir. Hoje não aprecia a bebida.
As razões para não se beber são muitas. Ouvi um profissional educador físico esclarecendo “o álcool é catabólico, ou seja, degrada não só volume de massa muscular como bioquímico e hormonal tudo o que o jovem precisa para anabolizar, crescer. Mesmo com 18 anos o adolescente poderá não estar pronto para receber álcool em seus organismo, depende da sua maturação corporal para ter boa calcificação óssea, estimular neuroreceptores e poderá ter dificuldades na aprendizagem e rendimento em esporte”.
Além dos profissionais de saúde, os educadores também são uníssonos em defender que nenhuma criança ou adolescente deve fazer uso de álcool. Uma educadora afirmou “Na vida tudo deve ter limites. Crianças não devem dirigir ou ficar sozinhas em casa, pois não tem discernimento para decidir diversas coisas sozinhas. Essa é a diferença de uma criança para uma pessoa adulta. Quando o pai aceita que o filho beba em casa com ele, acha que por ter o poder familiar pode tudo, sem limites, o que não é verdade. Esse pai daria um carro para o filho dirigir? Sabemos que alguns pais até o fazem, mas as consequências podem ser as mais variadas e danosas e o jovem não está preparado para enfrentá-las. O pai está deseducando quando bebe junto com o filho. Ele não está trabalhando com a dualidade proibido/permitido. Educar é mais.”
Também ouvi um adolescente de 14 anos que disse “Não bebo porque meu corpo está em crescimento e sei que prejudica. Quero crescer saudável.” Outra adolescente com 15 anos afirmou “Sei que por ser menor de idade a lei proíbe que eu beba, mas meus amigos bebem e conseguem bebida em qualquer lugar. Tenho personalidade para decidir não beber. O álcool prejudica meu corpo em formação”.
Nos Estados Unidos a idade permitida para o consumo de bebida alcoólica é 21 anos e o rigor para checar a idade nos documentos é grande. No Brasil a idade é de 18 anos, mas a idade média que se inicia o consumo é em torno de 14 anos. Aqui bebidas como cerveja e cachaça são muito baratas, ao contrário dos EUA, o que estimula o consumo. Há um milhão de pontos de venda de álcool e muita propaganda, o que, associados à falta de fiscalização e total ausência de controle social, gera um número grande de consumo por adolescentes.
Não podemos esquecer que o álcool é substancia tóxica e não importa a dosagem, sempre é tóxico. Estudos comprovam que o contato com o álcool antes dos 16 anos aumenta muito o risco futuro do contato com outras drogas. Há características geneticamente transmitidas, embora nem todos se tornem dependentes. Mas como saber quem se tornará dependente?
            Desta maneira, é importante a decisão firme. Os pais tem dificuldade em dizer não, mas impor limites é importante, mesmo que os filhos reclamem ou tenham a possibilidade de beber nas ruas, o exemplo dos pais e a palavra precisa são fundamentais. Demonstrar os riscos que vão correr como acidentes, abusos, gravidez precoce, violência, contaminações por DST, uma diversidade de consequências das quais podem e devem ser poupados pela determinação segura dos pais.
            Os índices dos riscos do álcool para comportamento foram apontados na reportagem da revista Veja, com base em pesquisa de Ronaldo Laranjeira psiquiatra especializado no assunto. A pesquisa indicou que 70% dos jovens que bebem regularmente se envolvem em brigas e 40% se envolvem em acidentes automobilísticos. Dos que bebem com regularidade, a metade se torna dependente de álcool e 60% se torna dependente de drogas ilícitas. A gravidez precoce entre as meninas aumenta de 5% para 20% quando se trata de consumidora regular e aumenta para 30% quando o consumo se torna pesado.
            Isso sem falar na responsabilidade civil que será assumida integralmente pelos pais. Ou seja, caso o filho com menos de 18 anos, após a ingestão de bebida alcoólica, cometa algum ato violento ou danoso contra terceiros que deva ser indenizado em dinheiro com pagamento de tratamento médico e até mesmo pensão alimentícia por toda a vida da vítima ou seus familiares, caberá aos pais arcar com a indenização que poderá ser de alto valor financeiro comprometendo até os bens da família.
            Os pais querem proteger seus filhos e é falsa a sensação de proteção ao permitir que bebam em sua presença, como se não fossem beber com os amigos já que bebem com os pais. Mostrar os perigos daí advindos e demonstrar firmeza na decisão confere maior segurança aos filhos. Protegê-los é o objetivo, pois são pessoas em formação e, portanto, mais do que vulneráveis, são vulnerados pela sua condição. Em nada lhes acrescenta a apresentação precoce da bebida alcoólica. Não faz do adolescente mais homem ou mais mulher ou mais capaz de discernir o que pode ser bom para suas vidas ou os perigos que virão. O fato é que ouvir um não, dentre os muitos nãos que ouvirão pela vida, poderá ser uma forma de proteção.

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