terça-feira, 24 de novembro de 2015

Decisões Judiciais e Bioética


Revista de Bioetica y Derecho

O Direito ao Nome e aos Alimentos em Tutela Antecipada na Ação de Investigação de Paternidade

Autora:  Letícia D’Aiuto de Moraes F. Michelli - Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro


A ação de investigação de paternidade mostra-se como verdadeiro mecanismo de proteção e efetivação dos direitos constitucionais previstos no art. 1º, I  e 229 da Carta Magna. Entretanto, verifica-se que tal instrumento ainda é subutilizado, redundando muitas vezes em ações que se perpetuam por longos anos e acabam por não assegurar os direitos dos hipervulneáveis. Assim, constata-se que algumas mudanças poderiam gerar um novo panorama de efetivação de direitos, com a revisão de premissas básicas.

Dentre tais premissas, a concepção de que os alimentos provisórios necessitam de pedido expresso, bem como de uma verossimilhança da alegação autoral que acaba por beirar a cognição exauriente exigem nova compreensão.

O pedido expresso não é exigido pela Lei de Alimentos Gravídicos, que regula os direitos da mulher gestante, tendo como busca principal a proteção do feto; tal concepção é de extrema valia se considerarmos que, de um lado encontra-se o direito do nascituro e da mulher gestante, ambos com severa vulnerabilidade fática e de outro lado está o direito ao patrimônio do suposto pai. Ora, o legislador elencou em diversos dispositivos a prioridade absoluta da criança e do adolescente (art. 4º da Lei 8069/90 e art. 3 da Convenção sobre os Direitos da Criança) e a efetivação de tal prioridade somente acontece quando o judiciário age de maneira célere e eficaz para garantir o sustento destes.  

O mesmo raciocínio deve ser aplicado no caso da ação de investigação de paternidade, especialmente considerando que o dever de prover as necessidades da criança é de ambos os pais (art. 229 CFRB). Sobrecarregar a figura materna por questões exclusivamente processuais significa colocar os interesses patrimoniais do suposto pai acima da dignidade da criança, o que fere gravemente o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, especialmente os arts. 10 e 11.

Em segundo lugar está a necessidade de comprovação de verossimilhança extrema para a concessão da tutela antecipada. Neste ponto, mostra-se patente a discriminação contra a mulher, igualmente verificada no momento da produção de provas, conforme será adiante abordado.

Ainda que a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher seja datada de 1979 e disponha claramente sobre a necessidade de os Estados-partes unirem esforços para garantir a proteção jurídica dos direitos da mulher e uma base de igualdade, até os dias atuais verifica-se a concepção inconsciente de que “a mulher mente”.

Assim, não basta a alegação autoral acerca da existência de um relacionamento, ocorrido muitas vezes ao largo da sociedade, ainda que haja menção expressa sobre sua duração e sua conjuntura fática. Desde sempre houve a concepção social de que a mulher “dá o golpe da barriga” e que “se engravidou, a culpa é sua”. Estarrecedor é perceber que nem mesmo a realidade social atual, em que grande parte das mulheres está no mercado de trabalho e tem renda própria ou mesmo o surgimento do exame de DNA que comprova de maneira indubitável a paternidade, foram capazes de alterar o inconsciente social.

É necessário que a mulher junte fotos, arrole testemunhas, acoste aos autos comprovantes de residência no mesmo endereço do autor. Tudo isso para obter a antecipação de tutela de alimentos em prol de um ser hipervulnerável e de responsabilidade de ambos os genitores.
Não só os alimentos são negados, mas também a averbação do nome do suposto pai no registro da criança. Há grande temor por parte da sociedade, e o judiciário se inclui em tal perspectiva, de ocorrer a averbação do nome de alguém que eventualmente comprove não ser o pai do menor. Não obstante, tem-se que a enorme maioria das ações de investigação acaba com o reconhecimento da paternidade do menor pelo réu ou através de decisão judicial, o que denota a desproporcionalidade teste temor social.

A possibilidade de averbação no registro cumpre os requisitos dispostos no art. 273 do Código de Processo Civil. Isto porque a verossimilhança pode ser obtida pelo relato autoral acerca do envolvimento com o suposto pai; o periculum in mora é evidente, já que a ausência do nome do genitor no registro de nascimento expõe a criança diariamente e a deixa desguarnecida de direitos. Finalmente, há plena reversibilidade da tutela conferida; uma vez comprovado que o réu não é o pai do menor, basta um simples ofício ao Registro Civil das Pessoas Naturais para que seja alterado o registro.

A questão da produção de provas em sede de ação de investigação de paternidade é igualmente contaminada pela mesma concepção social. O exame de DNA é capaz de comprovar com toda a rigorosidade científica a paternidade de qualquer indivíduo, permitindo que não existam condenações equivocadas na sociedade atual. Sem embargo, há uma conivência social com o homem que se esquiva do mencionado exame; entende-se que cabe a mulher comprovar a existência do relacionamento entre as partes através de outros meios, não sendo suficiente o seu depoimento.

A súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça determina a presunção iuris tantum de paternidade quando o réu se recusa a efetuar o exame de DNA. Entretanto, diariamente os tribunais entendem que a mencionada presunção somente se estabelece se o “conjunto probatório” dos autos indica a existência de paternidade. Há sempre que se ter mais do que a palavra da mulher, ainda que a concepção tenha ocorrido no contexto de um relacionamento esporádico ou oculto. Mostra-se patente a desproporcionalidade da credibilidade dada às partes, já que o homem pode escusar-se por anos sem qualquer consequência, enquanto a mulher precisa comprovar circunstâncias muitas vezes impossíveis de comprovação, tudo para dar a uma criança o direito à sua identidade biológica e ao seu sustento.
 
Verifica-se, portanto, que o inconsciente social que descredita as mulheres acaba por sacrificar, em verdade, os direitos dos filhos por elas gerados. O sujeito de direitos mais vulnerável do ordenamento jurídico acaba prejudicado pela presunção de má-fé ligada ao gênero feminino.
 
Por todo o exposto, cabível a concessão da tutela antecipada para a fixação de alimentos e da inserção do nome do suposto pai em seu registro de nascimento, bem como pela inversão do ônus probatório no caso de recusa ou escusa do pai em fazer o exame de DNA, sendo suficiente para tanto o depoimento da genitora em juízo.  
 
A base legal para a concessão se encontra:
Art. 1º, I  e 229 da Constituição Federal.
Art. 4º da Lei 8069/90 e art. 3 da Convenção sobre os Direitos da Criança
Art. 273 do CPC
Súmula 301 do STJ

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

As Convenções Internacionais e o novo CPC para Aplicação da Proteção ao Direito Personalíssimo ao Nome da Criança Quando a Paternidade não é Reconhecida

autora: Maria Aglaé Tedesco Vilardo

A Convenção sobre os direitos da criança, promulgada pelo Decreto n. 99710/90, traz nos artigos 7 e 8 a proteção integral da identidade da criança e ao conhecimento de sua maternidade e paternidade. O direito ao nome e a preservação de sua identidade estão expressamente assegurados e a privação dos elementos que configuram sua identidade merece imediata proteção para seu  restabelecimento. Vejamos os artigos como constam da convenção:
Artigo 7
1. A criança será registrada imediatamente após seu nascimento e terá direito, desde o momento em que nasce, a um nome, a uma nacionalidade e, na medida do possível, a conhecer seus pais e a ser cuidada por eles.
2. Os Estados Partes zelarão pela aplicação desses direitos de acordo com sua legislação nacional e com as obrigações que tenham assumido em virtude dos instrumentos internacionais pertinentes, sobretudo se, de outro modo, a criança se tornaria apátrida.
Artigo 8
1. Os Estados Partes se comprometem a respeitar o direito da criança de preservar sua identidade, inclusive a nacionalidade, o nome e as relações familiares, de acordo com a lei, sem interferências ilícitas.
2. Quando uma criança se vir privada ilegalmente de algum ou de todos os elementos que configuram sua identidade, os Estados Partes deverão prestar assistência e proteção adequadas com vistas a restabelecer rapidamente sua identidade.

O direito ao nome é um direito personalíssimo. Isso significa que é um direito que pertence a alguém por simplesmente ser humano. É intransferível, inalienável e somente pode ser exercido por seu titular. Zelar pela concessão do nome desde o momento em que nasce é um dever do Estado. O nome não significa apenas o prenome, mas também o sobrenome. E neste estão incluídos os sobrenomes de ambos os genitores. Da mãe e do pai. No Brasil a lei de registros públicos permite que o pai registre seu filho se quiser. Fica a sua vontade. Somente se é casado com a mãe da criança ocorrerá a presunção de que é o pai. Caso não seja casado, mesmo que viva em união estável com a mãe, registrá seu filho se assim desejar.
Não ocorrendo o registro espontâneo, mesmo que a mãe compareça ao cartório e diga quem é o pai, seu nome só constará do registro depois que o indicado se manifestar positivamente. Ao negar a paternidade o registro ocorrerá apenas por ordem judicial, após processo de investigação de paternidade.
 A mãe que acabou de parir não terá o nome do pai no registro de seu filho mesmo sendo indicado por ela, a pessoa que melhor pode cumprir este papel de dizer quem é o pai de seu filho. Se quiser o registro para conferir maior proteção a sua criança terá que contratar um advogado ou procurar o defensor público, entre uma mamada e outra e trocas de fralda. Aliás, no primeiro mês após o nascimento terá enomre dificuldade, pois normalmente a criança não pode sair de casa. A mãe estará envolvida com o novo ser e com os inúmeros afazeres, mas terá que agir a procura de provas da relação com o indicado pai. Isso porque se este se recusar a realizar o exame de DNA a justiça não o obrigará. Assim tem decidido a jursiprudência. Mesmo que haja presunção de paternidade mediante sua recusa a realizar o exame, a mãe terá que fazer prova mínima da relação. 
Esse entendimento fere frontalmente o previsto na CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER (1979). A mãe que Deixa de cumprir o artigo 2 d) da convenção que determina: d) abster-se de incorrer em todo ato ou prática de discriminação contra a mulher e zelar para que as autoridades e instituições públicas atuem em conformidade com esta obrigação.
Há notória discriminação no papel a ser cumprido pelos genitores com dicriminação de gênero. A mulher, além de cuidar sozinha do filho terá que providenciar o advogado, a propositura da ação, a prova a ser produzida, enfim, enorme sobrecarga, inclusive economica. Esta convenção afirma na letra f que cabe "adotar todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, para modificar ou derrogar leis, regulamentos, usos e práticas que constituam discriminação contra a mulher". A pergunta que se faz é porque não ocorre uma mudança que transforme esta realidade para proteção integral da criança, sem sobreposição dos direitos do homem-pai sobre o dever de igualdade e não discriminação.
Em especial, o Poder Judiciário deve cumprir o previsto na alínea c: c) estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher em uma base de igualdade com os do homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação.
Desta forma, cabe ao Judiciário tomar a frente tendo em vista a ausência de medidas de caráter legislativo que afastem esta forma de discriminação contra a mulher.
Em artigo de 2014 - Ação de Investigação de Paternidade e Tutela Antecipada para Registro do Nome do Pai -  foi apresentada a ideia de concessão do registro de paternidade na forma da tutela antecipada, considerando a palavra da mãe perante o juiz como verossimilhança da indicação da paternidade. 
Com a entrada em vigor do novo CPC teremos a tutela provisória da urgência e da evidência. Vejamos o at. 300 que trata da tutela de urgência e o art. 311 que trata da tuela da evidência:
Art. 300.  A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Art. 311.  A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;

II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.

A probabilidade do direito vem comprovada pela afirmação da pessoa que melhor poderia informar a paternidade e o perigo de dano é evidenciado quando fere direito personalíssimo ao nome de ser que goza de proteção integral pelas normas internacionais e pelo Estatuto da Criança. Ressalte-se que não há perigo da irreversibilidade, pois o registro admite mudanças.
A tutela de evidência ficará caracaterizada quando o indicado pai não realizar o exame de DNA ou criar motivos para atrasar sua imediata realização.
Ainda cabe considerar o art. 373 do novo CPC que diz em seu § 1º: "Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído." Poderá ser invertido o ônus da prova dada a facilidade proporcionada pelo exame de DNA.
Diversas oportunidades estão à disposição para conceder à mulher-mãe o direito à igualdade e não discriminação na relação com o homem-pai. A partir das Convenções internacionais que são normas que possuem força como as leis ordinárias e como a Constituição quando se trata de direitos humanos e que devem seu utilizadas regularmente pelos julgadores. A aplicação consoante as novas regras processuais propiciará a concessão do direito ao nome para as crianças.
 Cabe ao advogado requerer a proteção integral para que possa ser concedida.






Em Pernambuco, casais podem registrar filhos gerados por reprodução assistida diretamente em cartório

Desde o último dia 29, em Pernambuco, os casais que tiverem filhos gerados a partir de técnicas de reprodução assistida podem fazer o registro da criança diretamente em cartório. Isso é possível porque a Corregedoria Geral da Justiça do Estado editou provimento que regulamenta o procedimento.
O Provimento nº 21/2015, único no Brasil até o momento, inova ao não fazer diferenciação entre casais hetero e homoafetivos – atualmente, a autorização judicial é exigida apenas para casais homoafetivos – e admitir expressamente a multiparentalidade.
O documento permite aos Oficiais de Registro que façam o registro de nascimento do filho gerado por técnicas de reprodução assistida, sem que seja necessário autorização da Justiça. Para tanto, basta que um ou ambos os pais e/ou mães compareçam ao cartório, munidos da documentação exigida. O provimento permite a duplicidade parental (multiparentalidade) e a paternidade ou maternidade por pessoas do mesmo sexo.
De acordo com o corregedor - geral da Justiça do Estado de Pernambuco, em exercício, desembargador Jones Figueirêdo Alves, presidente da Comissão Nacional dos Magistrados de Família do IBDFAM, o provimento levou em conta a necessidade de estabelecer medidas desburocratizantes ao registro civil e à falta de normas legais disciplinadoras. Isto porque não existe lei que regulamente esses casos, previstos somente em normas éticas constantes de Resoluções do Conselho Federal de Medicina.
O desembargador destaca que embasou o Provimento na Resolução nº 2.121/2015, de 16.07.2015, do Conselho Federal de Medicina. Além de considerar o Enunciado nº 608, aprovado na VII Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, segundo o qual “É possível o registro de nascimento dos filhos de pessoas do mesmo sexo originários de reprodução assistida, diretamente no Cartório do Registro Civil, sendo dispensável a propositura de ação judicial, nos termos da regulamentação da Corregedoria local” e, ainda, o Enunciado nº 12, aprovado no X Congresso Brasileiro de Direito de Família, promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, por meio do qual “É possível o registro denascimento dos filhos de casais homoafetivos, havidos de reprodução assistida, diretamente no Cartório de Registro Civil”.
“O Provimento nº 21/2015 é o primeiro normativo registral veiculado por Corregedoria Geral de Justiça, no país, a sufragar o entendimento exposto nos Enunciados nº 608, da VII Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal;nº 12, do X Congresso Brasileiro de Direito de Família, do IBDFAM, de 23.10.2015, e na diretriz da Resolução nº 2.121/2015, do CFM”, diz.
Os documentos exigidos para realizar o procedimento em cartório são: Declaração de Nascido Vivo – DNV; declaração da clínica médica, do centro ou do serviço de reprodução humana, firmada pelo seu diretor e/ou pelo médico responsável, com firma reconhecida, que tenha aplicado as técnicas de reprodução assistida, com indicação do uso das técnicas de RMA e os seus beneficiários; certidão de nascimento original ou cópia autenticada, na hipótese de pais ou mães solteiros, acompanhada de documento de identificação civil com foto do(s) declarante(s); certidão de casamento, original ou por cópia autenticada, atualizada por período não inferior a 90 dias, ou certidão de conversão de união estável em casamento, atualizada em mesmo prazo, ou, ainda, escritura pública de união estável.
Nos casos de filhos de casais homoafetivos, o provimento recomenda a “devida adequação”para que constem os nomes dos pais ou das mães, bem como seus respectivos avós, sem distinção se paternos ou maternos.
O documento também prevê a situação identificada como gestação de substituição – barriga de aluguel. Nesses casos, a declaração da clínica médica deve indicar tratar-se a parturiente de pessoa cedente temporária do útero, nos moldes da Resolução 2121/2015, do Conselho Federal de Medicina. Nesta hipótese, o nome da parturiente constará apenas na Declaração de Nascido Vivo – DNV, devendo a mesma expressar, por escrito e com firma reconhecida, o seu consentimento para que conste no registro de nascimento a maternidade em nome de outra pessoa.
Em caso de dúvida – O provimento orienta o Registrador Civil a, em caso de dúvida, remeter o expediente ao Juiz registral competente em prazo não superior a dez dias, após parecer do Órgão Ministerial. Entretanto, especialistas garantem que o procedimento não gera “qualquer” insegurança para os Oficiais de Registro Civil.
Segundo Daniela Mroz, registradora civil de pessoas naturais em São Paulo/SP, o Provimento prevê em seu rol a apresentação de todos os documentos necessários e aptos à lavratura do assento de nascimento. “Vale dizer que, além da apresentação da DNV, o comparecente deverá apresentar a declaração da clínica médica, do centro ou do serviço de reprodução humana, firmada pelo médico responsável, com a devida firma reconhecida. Por fim, as partes apresentarão seus documentos pessoais. Todas as hipóteses foram aventadas pelo Provimento e, se ainda assim restar dúvida, o registrador civil poderá remeter o expediente ao Juiz competente para resolver a questão, nos termos do art.3º do mesmo Provimento”, diz.
A tabeliã Priscila Agapito, presidente da Comissão Nacional de Notários e Registradores do IBDFAM, concorda. “O registrador civil de pessoas naturais é operador do Direito, plenamente capaz e apto juridicamente para analisar uma situação como essa, na qual há documentos comprobatórios e inexistência de conflitos entre as partes”, diz.
Daniela Mroz considera o provimento um “grande avanço” que deveria ser replicado nos outros Estados, pois representa medida de desjudicialização.  “Ao transferir ao registrador civil a questão que, em minha opinião, prescinde da manifestação do Estado-Juiz, concede-se espaço à Justiça para questões de maior relevo. Em Pernambuco, o Estado adiantou-se quando garantiu o reconhecimento socioafetivo diretamente no Registro Civil, nos moldes do Prov.16 do CNJ, permitindo um tratamento igualitário entre os pais e mães socioafetivos e biológicos. Agora, mais uma vez sai na frente, ao permitir que os filhos havidos por reprodução assistida possam ser registrados diretamente, de forma rápida, sem burocracia e sem precisar trilhar a morosa e dispendiosa via judicial para isto”, diz.
Priscila Agapito ressalta a importância do documento ao igualar a situação dos casais homoafetivos à dos casais heteroafetivos. “A um casal hetero não é exigido nada; basta a mera declaração do homem de que ele é o pai, somada à DNV que indica quem é a mãe. Com esse Provimento, equiparou-se a situação com a precaução extra da necessidade de apresentação de declaração médica que comprove o procedimento reprodutivo. Certamente esse provimento facilitará a vida das famílias homoafetivas, que prescindirão de uma manifestação judicial, muitas vezes morosa, cujo preço é pago, na maioria das vezes, pela criança, que fica sem os seus direitos básicos de cidadão garantidos”, diz.

site IBDFAM

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Viúvo é herdeiro necessário da esposa mesmo no casamento com separação total de bens

Um homem que ficou 29 anos casado em regime de separação total de bens teve garantido o direito de ser considerado herdeiro necessário da esposa falecida em 2009. Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o pacto antenupcial dispõe sobre os bens na vigência do casamento e deixa de produzir efeitos com a morte de um dos cônjuges. Nesse momento, deixa de valer o direito de família e entram as regras do direito sucessório.
O relator do processo, ministro Villa Bôas Cueva, explicou que o Código Civil prevê que a sociedade conjugal termina com o falecimento de um dos cônjuges. Dessa forma, ele entende que não cabe ao magistrado, intérprete da lei, estender os efeitos do pacto antenupcial para além do término do casamento.
Nessa linha de entendimento, a Segunda Seção do STJ já consolidou jurisprudência no sentido de que o cônjuge sobrevivente casado sob o regime de separação convencional de bens ostenta a condição de herdeiro necessário e concorre com os descendentes do falecido.
O cônjuge herdeiro necessário é aquele que, quando da morte do autor da herança, mantinha o vínculo de casamento, não estava separado judicialmente ou não estava separado de fato há mais de dois anos, salvo, nesta última hipótese, se comprovar que a separação de fato se deu por impossibilidade de convivência, sem culpa do cônjuge sobrevivente.
Código Civil
No caso julgado, o casamento ocorreu em 1980, quando a mulher tinha 51 anos e o homem, 44. O Código Civil de 1916 estabelecia como obrigatório o regime da separação de bens em casamentos com homens maiores de 60 anos e mulheres acima de 50 anos. O casal não teve filhos, e a mulher deixou testamento destinando seus bens disponíveis a sua irmã e a seus sobrinhos.
Na abertura do inventário, o viúvo teve negado em primeiro grau seu pedido de habilitação. A decisão foi reformada pelo tribunal estadual sob o fundamento de que, independentemente do regime de casamento, o viúvo é herdeiro necessário de sua falecida esposa, nos termos dos artigos 1.829, inciso III, e 1.838 do CC de 2002, vigente quando a mulher faleceu.
A decisão de segunda instância foi mantida pela Terceira Turma porque está de acordo com a orientação da corte superior.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Credor não tem legitimidade para pedir reconhecimento de união estável do devedor

A declaração de união estável tem caráter íntimo, pessoal, pois se refere à demonstração do desejo de constituição familiar. Não há razoabilidade em permitir que terceiros, ainda que tenham interesses econômicos futuros, pleiteiem direito alheio, por ofensa ao artigo 6º do Código de Processo Civil (CPC).
Esse foi o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de recurso especial interposto por dois advogados que ajuizaram ação para ver reconhecida a união estável existente entre uma cliente e seu suposto companheiro. Eles queriam que os bens do homem pudessem ser penhorados em execução de honorários advocatícios.
Ilegitimidade ativa
As instâncias ordinárias concluíram pela ilegitimidade ativa dos autores para pleitear o reconhecimento da união estável entre a cliente e terceiro, tendo em vista a ausência de interesse das partes às quais seria declarado o fato jurídico.
No STJ, os advogados alegaram que a declaração de união estável seria o único meio de receber o valor devido e que, para fins econômicos, há legitimidade do terceiro para demandar o reconhecimento da relação familiar.
O relator, ministro Villas Bôas Cueva, votou pelo desprovimento do recurso. Segundo ele, a propositura de uma ação requer a existência de uma relação de pertinência subjetiva entre o sujeito e a causa, ou seja, uma relação de adequação legítima entre o autor da ação e o direito pretendido.
Qualidade pessoal
“O que se busca com a ação de reconhecimento de união estável é a declaração da existência de uma sociedade afetiva de fato. O estado civil é definido como uma qualidade pessoal. A importância de sua identificação decorre dos reflexos que produz em questões de ordem pessoal e patrimonial, por isso integra, inclusive, a qualificação da pessoa”, explicou o ministro.
Cueva disse ainda que o interesse dos advogados é de caráter indireto e que, apesar da existência de interesses econômicos e financeiros, “não há relação de pertinência subjetiva entre os recorrentes e a pretensão declaratória da relação afetiva estabelecida entre os recorridos. Assim, os recorrentes não possuem legitimidade e interesse para demandar essa ação declaratória”, concluiu.
A turma, por unanimidade, acompanhou o relator.

STJ mantém anulação de matrimônio proferida pelo Vaticano

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve sentença eclesiástica que tornou nulo o matrimônio de um casal de brasileiros. A decisão unânime foi proferida nos autos de uma sentença estrangeira contestada (SEC) e é inédita nesse tipo de recurso no STJ.
O pedido de anulação do matrimônio foi feito pelo esposo e concedido pelo Tribunal Interdiocesano de Sorocaba. Foi confirmado pelo Tribunal Eclesiástico de Apelação de São Paulo e, posteriormente, pelo Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, no Vaticano.
No STJ, a esposa apresentou contestação na qual afirmou que não caberia ao Poder Judiciário brasileiro homologar decisão eclesiástica seja do Brasil ou do Vaticano, por não se tratar de ato jurisdicional. Declarou que o estado é laico, de maneira que tem relação jurídica com a Igreja Católica, e que o pedido de homologação atentava contra a soberania nacional.
Alegou também ser inconstitucional o artigo 12, parágrafo 1º, do acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé, relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil (Decreto Federal 7.107/10 e Decreto Legislativo 698/09).
Acordo entre Brasil e Vaticano
O relator da SEC, ministro Felix Fischer, explicou que os textos legais instituem que a homologação de sentenças eclesiásticas, em matéria matrimonial, será realizada de acordo com a legislação brasileira, e as sentenças serão confirmadas pelo órgão de controle superior da Santa Sé, que detém personalidade jurídica de direito internacional público.
Felix Fischer rejeitou a alegação de inconstitucionalidade e ressaltou que, conforme o acordo firmado, as decisões eclesiásticas matrimoniais confirmadas pelo órgão de controle superior da Santa Sé “são consideradas sentenças estrangeiras para efeitos de homologação”.
Fischer explicou que o órgão de controle superior da Santa Sé tem personalidade jurídica de direito internacional público e garantiu que o caráter laico do estado brasileiro não constitui empecilho à homologação de sentenças eclesiásticas.