terça-feira, 24 de novembro de 2015

O Direito ao Nome e aos Alimentos em Tutela Antecipada na Ação de Investigação de Paternidade

Autora:  Letícia D’Aiuto de Moraes F. Michelli - Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro


A ação de investigação de paternidade mostra-se como verdadeiro mecanismo de proteção e efetivação dos direitos constitucionais previstos no art. 1º, I  e 229 da Carta Magna. Entretanto, verifica-se que tal instrumento ainda é subutilizado, redundando muitas vezes em ações que se perpetuam por longos anos e acabam por não assegurar os direitos dos hipervulneáveis. Assim, constata-se que algumas mudanças poderiam gerar um novo panorama de efetivação de direitos, com a revisão de premissas básicas.

Dentre tais premissas, a concepção de que os alimentos provisórios necessitam de pedido expresso, bem como de uma verossimilhança da alegação autoral que acaba por beirar a cognição exauriente exigem nova compreensão.

O pedido expresso não é exigido pela Lei de Alimentos Gravídicos, que regula os direitos da mulher gestante, tendo como busca principal a proteção do feto; tal concepção é de extrema valia se considerarmos que, de um lado encontra-se o direito do nascituro e da mulher gestante, ambos com severa vulnerabilidade fática e de outro lado está o direito ao patrimônio do suposto pai. Ora, o legislador elencou em diversos dispositivos a prioridade absoluta da criança e do adolescente (art. 4º da Lei 8069/90 e art. 3 da Convenção sobre os Direitos da Criança) e a efetivação de tal prioridade somente acontece quando o judiciário age de maneira célere e eficaz para garantir o sustento destes.  

O mesmo raciocínio deve ser aplicado no caso da ação de investigação de paternidade, especialmente considerando que o dever de prover as necessidades da criança é de ambos os pais (art. 229 CFRB). Sobrecarregar a figura materna por questões exclusivamente processuais significa colocar os interesses patrimoniais do suposto pai acima da dignidade da criança, o que fere gravemente o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, especialmente os arts. 10 e 11.

Em segundo lugar está a necessidade de comprovação de verossimilhança extrema para a concessão da tutela antecipada. Neste ponto, mostra-se patente a discriminação contra a mulher, igualmente verificada no momento da produção de provas, conforme será adiante abordado.

Ainda que a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher seja datada de 1979 e disponha claramente sobre a necessidade de os Estados-partes unirem esforços para garantir a proteção jurídica dos direitos da mulher e uma base de igualdade, até os dias atuais verifica-se a concepção inconsciente de que “a mulher mente”.

Assim, não basta a alegação autoral acerca da existência de um relacionamento, ocorrido muitas vezes ao largo da sociedade, ainda que haja menção expressa sobre sua duração e sua conjuntura fática. Desde sempre houve a concepção social de que a mulher “dá o golpe da barriga” e que “se engravidou, a culpa é sua”. Estarrecedor é perceber que nem mesmo a realidade social atual, em que grande parte das mulheres está no mercado de trabalho e tem renda própria ou mesmo o surgimento do exame de DNA que comprova de maneira indubitável a paternidade, foram capazes de alterar o inconsciente social.

É necessário que a mulher junte fotos, arrole testemunhas, acoste aos autos comprovantes de residência no mesmo endereço do autor. Tudo isso para obter a antecipação de tutela de alimentos em prol de um ser hipervulnerável e de responsabilidade de ambos os genitores.
Não só os alimentos são negados, mas também a averbação do nome do suposto pai no registro da criança. Há grande temor por parte da sociedade, e o judiciário se inclui em tal perspectiva, de ocorrer a averbação do nome de alguém que eventualmente comprove não ser o pai do menor. Não obstante, tem-se que a enorme maioria das ações de investigação acaba com o reconhecimento da paternidade do menor pelo réu ou através de decisão judicial, o que denota a desproporcionalidade teste temor social.

A possibilidade de averbação no registro cumpre os requisitos dispostos no art. 273 do Código de Processo Civil. Isto porque a verossimilhança pode ser obtida pelo relato autoral acerca do envolvimento com o suposto pai; o periculum in mora é evidente, já que a ausência do nome do genitor no registro de nascimento expõe a criança diariamente e a deixa desguarnecida de direitos. Finalmente, há plena reversibilidade da tutela conferida; uma vez comprovado que o réu não é o pai do menor, basta um simples ofício ao Registro Civil das Pessoas Naturais para que seja alterado o registro.

A questão da produção de provas em sede de ação de investigação de paternidade é igualmente contaminada pela mesma concepção social. O exame de DNA é capaz de comprovar com toda a rigorosidade científica a paternidade de qualquer indivíduo, permitindo que não existam condenações equivocadas na sociedade atual. Sem embargo, há uma conivência social com o homem que se esquiva do mencionado exame; entende-se que cabe a mulher comprovar a existência do relacionamento entre as partes através de outros meios, não sendo suficiente o seu depoimento.

A súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça determina a presunção iuris tantum de paternidade quando o réu se recusa a efetuar o exame de DNA. Entretanto, diariamente os tribunais entendem que a mencionada presunção somente se estabelece se o “conjunto probatório” dos autos indica a existência de paternidade. Há sempre que se ter mais do que a palavra da mulher, ainda que a concepção tenha ocorrido no contexto de um relacionamento esporádico ou oculto. Mostra-se patente a desproporcionalidade da credibilidade dada às partes, já que o homem pode escusar-se por anos sem qualquer consequência, enquanto a mulher precisa comprovar circunstâncias muitas vezes impossíveis de comprovação, tudo para dar a uma criança o direito à sua identidade biológica e ao seu sustento.
 
Verifica-se, portanto, que o inconsciente social que descredita as mulheres acaba por sacrificar, em verdade, os direitos dos filhos por elas gerados. O sujeito de direitos mais vulnerável do ordenamento jurídico acaba prejudicado pela presunção de má-fé ligada ao gênero feminino.
 
Por todo o exposto, cabível a concessão da tutela antecipada para a fixação de alimentos e da inserção do nome do suposto pai em seu registro de nascimento, bem como pela inversão do ônus probatório no caso de recusa ou escusa do pai em fazer o exame de DNA, sendo suficiente para tanto o depoimento da genitora em juízo.  
 
A base legal para a concessão se encontra:
Art. 1º, I  e 229 da Constituição Federal.
Art. 4º da Lei 8069/90 e art. 3 da Convenção sobre os Direitos da Criança
Art. 273 do CPC
Súmula 301 do STJ

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