A ação de investigação de paternidade mostra-se como verdadeiro mecanismo de proteção e efetivação dos direitos constitucionais previstos no art. 1º, I e 229 da Carta Magna. Entretanto, verifica-se que tal instrumento ainda é subutilizado, redundando muitas vezes em ações que se perpetuam por longos anos e acabam por não assegurar os direitos dos hipervulneáveis. Assim, constata-se que algumas mudanças poderiam gerar um novo panorama de efetivação de direitos, com a revisão de premissas básicas.
Dentre
tais premissas, a concepção de que os alimentos provisórios necessitam de
pedido expresso, bem como de uma verossimilhança da alegação autoral que acaba
por beirar a cognição exauriente exigem nova compreensão.
O pedido expresso não é exigido pela Lei de Alimentos Gravídicos, que regula os
direitos da mulher gestante, tendo como busca principal a proteção do feto; tal
concepção é de extrema valia se considerarmos que, de um lado encontra-se o
direito do nascituro e da mulher gestante, ambos com severa vulnerabilidade
fática e de outro lado está o direito ao patrimônio do suposto pai. Ora, o
legislador elencou em diversos dispositivos a prioridade absoluta da criança e
do adolescente (art. 4º da Lei 8069/90 e art. 3 da Convenção sobre os Direitos
da Criança) e a efetivação de tal prioridade somente acontece quando o
judiciário age de maneira célere e eficaz para garantir o sustento destes.
O
mesmo raciocínio deve ser aplicado no caso da ação de investigação de
paternidade, especialmente considerando que o dever de prover as necessidades
da criança é de ambos os pais (art. 229 CFRB). Sobrecarregar a figura materna
por questões exclusivamente processuais significa colocar os interesses
patrimoniais do suposto pai acima da dignidade da criança, o que fere
gravemente o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, especialmente os arts. 10 e 11.
Em
segundo lugar está a necessidade de comprovação de verossimilhança extrema para
a concessão da tutela antecipada. Neste ponto, mostra-se patente a
discriminação contra a mulher, igualmente verificada no momento da produção de
provas, conforme será adiante abordado.
Ainda
que a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher seja datada de 1979 e disponha claramente sobre a necessidade de os
Estados-partes unirem esforços para garantir a proteção jurídica dos direitos
da mulher e uma base de igualdade, até os dias atuais verifica-se a concepção
inconsciente de que “a mulher mente”.
Assim, não basta a alegação autoral acerca da existência de um relacionamento, ocorrido
muitas vezes ao largo da sociedade, ainda que haja menção expressa sobre sua
duração e sua conjuntura fática. Desde sempre houve a concepção social de que a
mulher “dá o golpe da barriga” e que “se engravidou, a culpa é sua”.
Estarrecedor é perceber que nem mesmo a realidade social atual, em que grande
parte das mulheres está no mercado de trabalho e tem renda própria ou mesmo o
surgimento do exame de DNA que comprova de maneira indubitável a paternidade,
foram capazes de alterar o inconsciente social.
É
necessário que a mulher junte fotos, arrole testemunhas, acoste aos autos
comprovantes de residência no mesmo endereço do autor. Tudo isso para obter a
antecipação de tutela de alimentos em prol de um ser hipervulnerável e de
responsabilidade de ambos os genitores.
Não
só os alimentos são negados, mas também a averbação do nome do suposto pai no
registro da criança. Há grande temor por parte da sociedade, e o judiciário se
inclui em tal perspectiva, de ocorrer a averbação do nome de alguém que
eventualmente comprove não ser o pai do menor. Não obstante, tem-se que a
enorme maioria das ações de investigação acaba com o reconhecimento da
paternidade do menor pelo réu ou através de decisão judicial, o que denota a
desproporcionalidade teste temor social.
A
possibilidade de averbação no registro cumpre os requisitos dispostos no art.
273 do Código de Processo Civil. Isto porque a verossimilhança pode ser obtida
pelo relato autoral acerca do envolvimento com o suposto pai; o periculum in
mora é evidente, já que a ausência do nome do genitor no registro de nascimento
expõe a criança diariamente e a deixa desguarnecida de direitos. Finalmente, há
plena reversibilidade da tutela conferida; uma vez comprovado que o réu não é o
pai do menor, basta um simples ofício ao Registro Civil das Pessoas Naturais
para que seja alterado o registro.
A
questão da produção de provas em sede de ação de investigação de paternidade é
igualmente contaminada pela mesma concepção social. O exame de DNA é capaz de
comprovar com toda a rigorosidade científica a paternidade de qualquer
indivíduo, permitindo que não existam condenações equivocadas na sociedade
atual. Sem embargo, há uma conivência social com o homem que se esquiva do
mencionado exame; entende-se que cabe a mulher comprovar a existência do
relacionamento entre as partes através de outros meios, não sendo suficiente o
seu depoimento.
A
súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça determina a presunção iuris tantum
de paternidade quando o réu se recusa a efetuar o exame de DNA. Entretanto,
diariamente os tribunais entendem que a mencionada presunção somente se
estabelece se o “conjunto probatório” dos autos indica a existência de
paternidade. Há sempre que se ter mais do que a palavra da mulher, ainda que a
concepção tenha ocorrido no contexto de um relacionamento esporádico ou oculto.
Mostra-se patente a desproporcionalidade da credibilidade dada às partes, já
que o homem pode escusar-se por anos sem qualquer consequência, enquanto a
mulher precisa comprovar circunstâncias muitas vezes impossíveis de
comprovação, tudo para dar a uma criança o direito à sua identidade biológica e
ao seu sustento.
Verifica-se, portanto, que o inconsciente social que descredita as mulheres acaba por sacrificar, em verdade, os direitos dos filhos por elas gerados. O sujeito de direitos mais vulnerável do ordenamento jurídico acaba prejudicado pela presunção de má-fé ligada ao gênero feminino.
Por
todo o exposto, cabível a concessão da tutela antecipada
para a fixação de alimentos e da inserção do nome do suposto pai em seu
registro de nascimento, bem como pela inversão do ônus probatório no caso de
recusa ou escusa do pai em fazer o exame de DNA, sendo suficiente para tanto o
depoimento da genitora em juízo.
A base legal para a concessão se encontra:
Art.
1º, I e 229 da Constituição Federal.
Art. 4º
da Lei 8069/90 e art. 3 da Convenção sobre os Direitos da Criança
Art.
273 do CPC
Súmula
301 do STJ
Nenhum comentário:
Postar um comentário