segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Ideias do Primeiro Juiz de Infância em Portugal


Em 5 de Outubro de 1910, ocorreu em Portugal uma revolução que instituiu a República e derrubou a Monarquia Constitucional representada pelo rei D. Manuel II, da Dinastia dos Braganças, filho do rei D. Carlos I, que havia sido assassinado dois anos antes por activistas republicanos.
Como é natural, todos os regimes carecem de se legitimar e o regime republicano instituído, mercê das ligações à Maçonaria, efectuou também essa legitimação fazendo aprovar uma Constituição em 1911 e um conjunto de leis, das quais se destacam alguns diplomas ligados às questões da família, como a Lei do Divórcio, a Lei que instituiu o registo civil obrigatório e a Lei da Separação da Igreja e do Estado.
Contemporâneamente, foi também aprovada a Lei de Protecção da Infância de 27 de Maio de 1911, procurando ultrapassar o agravamento de diversos problemas sociais durante a monarquia, em particular nas questões que envolvessem a infância e a juventude.
Com esta Lei de Protecção da Infância, é criada a Tutoria Central de Infância de Lisboa e que viria a ser o primeiro Tribunal de Infância em Portugal.
O seu primeiro Juiz foi o Dr. Pedro Teixeira de Castro, um homem muito culto e activo, cujas ideias vieram a influenciar significativamente o modo como se veio a desenhar a legislação em matéria de infância e juventude ao longo do século XX, embora o seu papel seja muitas vezes desconhecido da maioria das pessoas ou até mesmo dos juristas.
Num extenso relatório que enviou ao Ministro da Justiça de então, o Dr. Afonso Costa, apenas um ano depois da criação da Tutoria Central, o Juiz Pedro Teixeira de Castro enunciou um conjunto de ideias que podemos considerar avançadas para aquela época e que ainda hoje são discutidas nas questões de infância e juventude.
É curioso salientar que a Tutoria Central de Infância funcionou nas instalações do antigo Colégio de São Patrício (ou Colégio dos Irlandeses), nas Escadinhas de São Crispim, em Lisboa, onde funciona hoje o Pólo II do Centro de Estudos Judiciários (entidade responsável pela formação dos magistrados).
Nesse relatório, o Juiz Pedro Teixeira de Castro fazia uma análise do seu trabalho ao longo do ano antecedente e defendia que era importante distinguir entre a criança que era colocada numa situação de mendicidade ou de pobreza (as situações de risco mais comuns) daquela que era encontrada ou apanhada na rua envolvida na prática de crimes.
Em qualquer dos casos, essa criança carecia de protecção, sendo que, no primeiro caso, essa protecção deveria reger-se pela criação de condições que afastassem o perigo enquanto que, no segundo caso, essa protecção deveria ter uma natureza educativa, procurando levar a criança ao caminho certo para que se tornasse um adulto que seja um cidadão exemplar e responsável.
Ao nível da composição do tribunal, o Juiz Pedro Teixeira de Castro defendia que a solução da Lei de Protecção da Infância era adequada na medida em que o colectivo era constituído por ele, por um médico e por um professor, fazendo assim a representação nesta área da Justiça dos membros da saúde e da educação, aqueles elementos considerados essenciais para os ideais republicanos.
Mas a principal ideia que perpassa no relatório apresentado pelo Juiz Pedro Teixeira de Castro consiste na necessidade e vantagem na audição das crianças, de todas as crianças, pelo juiz com vista a conhecê-las, a aprender as suas faltas e necessidades, saber o que pretendem e, como ele afirmava, “só com os olhos da criança nos olhos do juiz é que era possível perceber o que vai naquele ser em formação, futuro adulto de amanhã”.
Importa ter presente que, na altura, o Juiz da Tutoria de Infância era também o responsável pelo Refúgio da Tutoria Central de Infância, o qual albergava como depósito provisório muitas das crianças que tinham processos na Tutoria de Infância.
Apesar de tudo isto, o Juiz Pedro Teixeira de Castro é desconhecido para a grande maioria dos portugueses e, mais grave ainda, para uma maioria dos juristas que trabalham na área da família e das crianças.
Esperemos que este texto faça a devida justiça pelo seu trabalho.


António José Fialho
Juiz de Direito do Tribunal de Família e Menores do Barreiro - Portugal

Um comentário:

Ari Francisco disse...

É uma valiosa informação. Conhecer a evolução histórico-cultural da proteção estatal à criança do país que nos legou a estrututa familiar, sem dúvida, irá contribuir para compreensão de muitos dos nossos problemas e comportamentos. Ari Francisco.