Por Mariza Tavares
Nesta segunda coluna esclarecendo dúvidas sobre o Estatuto do Idoso, o foco é saúde: preços abusivos, medicamentos gratuitos, direito a acompanhante, autonomia para decidir sobre o tratamento. As explicações foram dadas pela juíza Maria Aglaé Tedesco Vilardo, titular da 15ª. Vara de Família no Rio de Janeiro e doutora em bioética, ética aplicada e saúde coletiva. A ideia é esclarecer as questões mais recorrentes, disponibilizando uma ferramenta para os idosos poderem lutar pelos seus direitos. Na primeira parte, publicada na coluna anterior, falamos da responsabilidade de cuidar do idoso e o que fazer quando seus direitos são desrespeitados.
Como um idoso pode checar se o plano de saúde que contratou está fazendo uma cobrança abusiva por causa da idade?
Juíza Aglaé Tedesco: O STJ está decidindo que o problema não é a idade, mas se este reajuste é abusivo ou não. Isso transfere a discussão jurídica para o âmbito do conceito de abusividade. Num país no qual os juros cobrados por cartões de crédito, num patamar superior a 400%, não são considerados abusivos, não se pode acreditar que o conceito de abusividade atenderá à demanda do consumidor idoso. Acredito que deve haver maior envolvimento da sociedade civil para proteger esses direitos em momento tão especial quanto o do envelhecimento, quando mais são usados os recursos médicos oferecidos pelos planos. Aqui cabe ressaltar o papel do Judiciário, que deve se preparar melhor para as demandas que distribuem os parcos recursos, sejam privados ou públicos. O juiz precisa dialogar com outros saberes que cuidam da economia da saúde e da própria medicina. Há informações totalmente desconhecidas pelos juízes que poderiam atuar na modificação deste panorama nas ações de saúde propostas em juízo.
E no caso dos medicamentos que deveriam ser fornecidos gratuitamente, assim como próteses e órteses: quando esse direito não é atendido, a quem recorrer?
Quando medicamentos e procedimentos são necessários para o bem-estar e melhoria da qualidade de vida do idoso e esse direito não for atendido, deve-se ingressar em juízo requerendo o atendimento imediato e prioritário. Entretanto, cabe examinar se será um recurso efetivamente necessário para as condições de vida do paciente idoso e se agregará valor à sua vida ou não. O medicamento ou tratamento deve ter possibilidade curativa ou de conforto ao paciente, especialmente em fase de terminalidade da vida. Os cuidados paliativos de fim de vida são especialidade que deve ser prestigiada e utilizada para idosos com doenças incuráveis, evitando procedimentos que trazem efeitos mais graves quando se poderia oferecer conforto e redução da dor inexistindo possibilidade de cura.
O que fazer quando é negado o direito a acompanhante para o idoso internado?
Este é um direito previsto em lei. Provavelmente será cumprido permitindo o acompanhante, pois tende a amenizar o trabalho dos profissionais técnicos de enfermagem quando há um acompanhante se responsabilizando pelo idoso. Havendo negativa busca-se o Conselho dos Idosos. O problema será quando não houver acompanhante porque o parente responsável trabalha e não pode faltar ao trabalho. A lei afirma que a ausência do acompanhante deverá ser suprida pela instituição de saúde. Se o responsável entender que não deve ter um acompanhante deve haver a justificativa por escrito. É compreensível que numa UTI não haja esta possibilidade.
No caso de um idoso internado numa UTI, o acompanhante pode reivindicar permanecer no local se, por acaso, o paciente sofrer de algum tipo de demência?
As providências pertinentes devem ser encaminhadas pelos profissionais que atuam na UTI. A mobilidade nesses locais é restrita e as reações de um paciente demenciado internado na UTI estarão sujeitas ao controle do profissional médico, que está preparado para tomar as medidas necessárias. Qualquer abusividade deve ser relatada e noticiada.
O Artigo 17º. dá direito ao idoso de optar pelo tratamento de saúde que lhe for mais favorável. O idoso tem autonomia para decidir que não deseja se submeter a nenhum tipo de tratamento e ter sua vontade atendida?
O Estatuto do Idoso traz este direito de forma expressa quando o indivíduo tem domínio de suas faculdades mentais. Este artigo deve ser interpretado à luz da nova lei de inclusão da pessoa com deficiência, que amplia a consideração sobre a autonomia das pessoas com deficiência intelectual ou mental. Uma pessoa pode tomar decisões de fim de vida mesmo com muita idade ou prever antecipadamente o que deseja para seu fim de vida enquanto está plenamente autônomo. São as diretivas antecipadas de vontade. Deve haver respeito na tomada da decisão pelo idoso, pois este poderá perfeitamente recusar algum tratamento invasivo que não lhe proporcione possibilidade de cura e cause mais sofrimento. Mesmo uma pessoa com algum comprometimento cognitivo deve ser ouvida quanto ao que será feito com seu corpo, especialmente quando puder causar sofrimento físico ou psicológico sem agregar valor à sua saúde.
Ainda sobre o tratamento a ser dispensado a um paciente idoso, quando a decisão é dos familiares, quem tem ascendência: a vontade do cônjuge vem na frente da dos filhos?
Para tomada de decisão na vida de alguém que não possa se expressar diretamente ou não tenha deixado sua vontade prévia manifestada por escrito, cabe seguir o que dispõe a lei sobre nomeação de curador como representante legal do incapaz. Se o idoso deixou escolhido quem responderá por ele, deve ser esta pessoa a se manifestar seguindo a vontade do idoso. Caso haja um curador nomeado pelo juiz, este manifestará a vontade em seu nome. A seguir virão os familiares e por fim o médico. Com relação aos familiares, caberá primeiramente ao cônjuge/companheiro, mesmo que também seja idoso, encontrando-se no domínio de suas faculdades mentais, e desde que não estejam separados de fato. Somente na sua ausência caberá aos filhos que demonstrem maior aptidão, conforme prevê a lei civil para curatela. Os netos poderão ser chamados também, caso os filhos não possam atuar. Somente não havendo esses parentes caberá a decisão ao médico. Observe-se que esta ordem é comumente invertida, entendendo o profissional de saúde que a sua decisão neste momento de tomada de decisão é a que prevalece, o que contraria a lei. Alguns profissionais da saúde se preocupam com o fato de não seguir o protocolo previsto, mesmo quando não há procedimento curativo, e aplicam recursos que causam maiores danos aos pacientes do que benefícios. Agem desta forma porque entendem que, se não o fizerem, poderão responder por omissão de socorro. Este entendimento deve ser superado ao se compreender que nem todas as técnicas proporcionam mais saúde ou conforto, e que se a ação praticada causar dano ou sofrimento físico ou psicológico ao paciente, se caracterizará violência passível de punição.
Na terceira e última coluna sobre o Estatuto do Idoso, trataremos de abusos financeiros, deveres das instituições e outros crimes praticados contra os mais velhos.
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