quinta-feira, 31 de julho de 2014

Aplicação na Lei no Tempo


Quando uma lei entra em vigor, revogando ou modificando outra, sua aplicação é para o presente e para o futuro, não sendo compreensível que voltasse ao tempo pretérito, ordenado o comportamento para o decorrido. Assim, afirma-se que a lei tem efeito, além de geral, imediato.    O Decreto-Lei Nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, alterado pela Lei nº 12376/2010, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, trata do tema. Estabelece no seu art. 6º “A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.

Quando a lei antiga é revogada e substituída pelas novas disposições, encontram-se direitos subjetivos ou situações legais geradas por fatos ocorridos antes do império da lei modificadora, que não chegaram a produzir todos os seus efeitos. Dois princípios se acham em conflito: a lei do progresso social – atendendo ao reclamo do progresso jurídico e o Princípio da segurança e da estabilidade social – exige o respeito do legislador pelas relações jurídicas criadas.

O conflito está entre permitir que as relações jurídicas se desenvolvam sem serem molestadas pela lei nova - o que é negar o sentido de perfeição que as exigências sociais pretendem imprimir ao ordenamento jurídico – ou aceitar que a nova lei faça tabula rasa da lei anterior é ofender a estabilidade da vida civil e instituir regime de insegurança e instabilidade social.

Um conceito fundamental estruturado na essência do próprio ordenamento jurídico é o Princípio da irretroatividade das leis. Apenas no plano jusfilosófico é possível a generalização deste princípio. Somente fazendo a abstração do conteúdo positivo é que se pode proclamar este efeito.

Somente o legislador pode atribuir efeito retroativo às disposições novas. O direito brasileiro tem seguido uma só orientação desde a Constituição do Império de 1824 até a Constituição atual, exceto a Carta de 1937, todas ditando a regra de irretroatividade ao próprio legislador.

A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro tomou rumo subjetivista inicialmente, porém quando alterada pelo Decreto-Lei n. 4657/42 virou para o campo objetivista, prescrevendo o art.6º que a lei em vigor terá efeito imediato e geral e não atingirá as situações jurídicas definitivamente constituídas da relação jurídica, porém continuou sobre princípios já assentados e noções subjetivas de direito adquirido e expectativa de direito e novamente houve alteração, pela Lei n. 3238/57, ressuscitando as definições antigas do respeito ao direito adquirido. Esta redação foi mantida pela alteração legislativa de 2010.

Para a Teoria Subjetivista, de Savigny, a lei nova não pode violar direitos precedentemente adquiridos, onde não se ofendam tais direitos a lei deve ser aplicada, quer se trate de fatos ou relações jurídicas novas, quer da consequência dos anteriores.

ATeoria Objetivista, de Roubier, preconiza que os efeitos futuros dos fatos passados se regem pela lei nova, o que não significa aplicação retroativa.

Passemos aos conceitos legais de ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada.

O ato jurídico perfeito é aquele já consumado, plenamente constituído, cujos requisitos se cumpriram na pendência da lei sob cujo império se realizou.

O direito adquirido é aquele que abrange os direitos que o seu titular ou alguém por ele possa exercer, como aquele cujo começo de exercício tenha termo prefixado ou condição pré- inalterável ao arbítrio de outrem. São os direitos definitivamente incorporados ao patrimônio do seu titular. Os já realizados ou os que simplesmente dependem de um prazo para seu exercício, ou ainda os subordinados a uma condição inalterável ao arbítrio de outrem. A lei nova não pode atingi-los sem retroatividade.

A coisa julgada ocorre quando encerrada uma questão por sentença de que não caiba mais recurso, tornando-se inatingível por uma lei posterior, material ou formal.

A partir dos conceitos e considerações acima podem ser feitas projeções para a aplicação da lei no tempo, nos diversos campos do direito civil.

A lei que cria ou extingue uma instituição tem aplicação imediata, da mesma forma que a modificadora das meras faculdades legais. Um exemplo é a extinção do instituto da enfiteuse pelo Código Civil de 2002, art. 2038.

A lei sobre capacidades das pessoas alcança todos os por ela abrangidos, como quando a maioridade civil foi reduzida de 21 anos para 18 anos. Todos os que possuíam 18 anos adquiriram imediatamente a maioridade.

A lei que regula a forma e a prova dos atos jurídicos é a do tempo em que se realizam. Se uma lei impõe forma pública para ato que se podia celebrar por escrito particular não atinge os que revestem esta forma, celebrados ao tempo em que a lei o permitia, ainda quando seus efeitos se venham a produzir sob o império da lei nova.

As leis que definem o estado da pessoa aplicam-se imediatamente a todos que se achem nas novas condições previstas. Se uma lei declara dissolúvel o matrimônio, admite como suscetível de dissolução todo casamento mesmo que celebrado ao tempo em que a lei vedara o divórcio.

Os direitos reais são disciplinados pela lei vigente, seja na sua conceituação, seja no seu exercício. A lei que considera indisponíveis determinados bens ou institui condições para alienação abrange a todos os que especifica, mas respeita as alienações efetuadas antes dela.

Os direitos de obrigação regem-se pela lei no tempo em que se constituíram, no que diz respeito à formação do vínculo, seja contratual, seja extracontratual. A lei que regula a formação dos contratos não pode alcançar os que se celebrarem na forma da lei anterior. Se uma lei define a responsabilidade civil, torna obrigado aquele que comete o fato gerador, nos termos da lei que vigorava ao tempo em que ocorreu; mas, se uma lei nova cria a responsabilidade em determinadas condições anteriormente inexistentes, não pode tornar obrigado quem praticou ato não passível de tal consequência segundo a lei do tempo. Os efeitos jurídicos dos contratos regem-se pela lei do tempo em que se celebraram.

Os direitos dos herdeiros são regulados pela lei vigente ao tempo da abertura da sucessão. Se a ordem de vocação é alterada só se aplica às sucessões que se abrirem após sua vigência, mas as já abertas escapam. A capacidade para receber por testamento apura-se pela lei vigente ao tempo da abertura da sucessão, mas para fazer testamento apura-se pela lei do tempo em que foi praticado o ato.

Em linhas gerais são as projeções que podemos apresentar para aplicação da lei no tempo.

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