CONCEITO
O tema da conferência respeita a um problema candente e que ultimamente tem sido bastante falado. Mas a alienação parental e aquilo que Richard Gadner[1] qualificou como PAS (Parental alienation syndrome) ou SAP (Síndrome de alienacão parental ) não são fenómenos recentes. Podemos afirmar com toda a segurança que serão tão antigos quanto os regimes legais destinados a regular a separação dos casais, casados ou não e bem assim a custódia e o exercício do poder paternal ou parental, como hoje soe dizer-se. Na verdade, as feridas resultantes do rompimento duma relação conjugal tardam, muitas vezes, a sarar e a natureza humana, o sofrimento, a vontade de ferir o outro a quem se imputa culpa na separação ou a sede de vindicta, acabam por determinar, consciente ou inconscientemente, o progenitor que tem a custódia do filho (que normalmente é a mãe) a usar este poder, para atingir “o adversário” - normalmente o pai - punindo-o com o afastamento do filho ou incutindo neste, sentimentos negativos contra aquele.
A alienação parental é o afastamento do filho de um dos progenitores, provocado pelo outro, em regra, o titular da custódia. A palavra alienação tem origem no verbo latino “alienare” que significa afastar.
MEIOS E MOTIVAÇÕES DA ALIENAÇÃO
O processo de alienação parental é normalmente longo e é prosseguido de formas muito variadas. A imaginação humana é fértil em artimanhas, truques e outras subtilezas quando se pretende atingir um determinado fim, sem olhar a meios ou e sem se importarem com as consequências. As motivação também são ou podem ser, muito variadas, mas, por norma, andam associadas a questões mal resolvidas da separação, a desejo de vingança, inveja etc. Mas também a sentimentos de solidão ou outras causa de natureza psico-patológica, algumas com características paranóides.
Para além dos processos de instrumentalização psicológica, alcançada por meio de lavagens cerebrais ou discursos atentatórios à figura paterna, lançando mão de tudo o que possa denegrir a imagem do outro junto da criança por forma a que esta o comece a rejeitar, acontece que, enquanto o resultado não é visível, é frequente o progenitor guardião socorrer-se de manobras de efeito imediato que, por um lado, ajudam a desenvolver e potenciar os efeitos da instrumentalização e por outro servem para agredir o outro, atingindo-o no seu, normalmente já magro, direito de visitas.
Os artifícios[2] e manobras que o titular da guarda usa para obstaculizar os encontros do ex-cônjuge com o filho, vão desde a invocação de doenças inexistentes, compromissos de última hora, até coisas bem mais graves, como a imputação ao outro de falsos abusos sexuais sobre os menores ou mesmo falsas imputações de agressões físicas, tudo com intuito de afastar o filho do convívio com o progenitor não guardião. Frequentemente a causa última é mesquinha. É a animosidade, ou mesmo o ódio que se nutre pelo outro, a vontade de vingança[3], pela situação económica em que se encontra ou pela ruptura do casamento e das causas dessa ruptura, sendo que para isso, o alienante não tem quaisquer escrúpulos em usar a criança, como arma de arremesso e instrumento dessa vingança.
A alienação parental nem sempre é obtida por meios activos. Por vezes o “trabalho” é levado a cabo de modo silencioso ou não explícito. É o que sucede quando o cônjuge titular da guarda, diante da injustificada resistência do filho, em ir ao encontro do outro progenitor, se limita a não interferir, permitindo, desse modo, que a insensatez da criança prevaleça. É curioso observar que, em situações como estas, perguntado ao menor acerca dos motivos pelos quais não deseja estar com o outro progenitor, nenhuma explicação convincente é fornecida[4].
Também com frequência, o progenitor alienante faz chantagem emocional para obter o afastamento, induzindo a criança a acreditar que, se ela mantiver relacionamento com o outro progenitor, estará a traí-lo, a abandoná-lo e a fazê-lo sofrer.
SAP
Todos estes métodos e expedientes podem dar lugar (e com o decurso do tempo sem que nada seja feito, seguramente darão) a sequelas graves na estruturação da personalidade da criança, no seu equilíbrio psíquico e até na sua saúde mental. A estas sequelas, traduzidas no apego excessivo, senão mesmo exclusivo, a um dos progenitores, a rejeição total do outro ou mesmo do relacionamento com os familiares que lhe estão próximos, os estudiosos do fenómeno apelidam de Sindroma de Alienação Parental (sindroma da mãe maliciosa, como se usa em Espanha) ou mesmo de Síndrome de Medeia[5] .
A comunidade científica ainda não se entendeu quanto à inclusão desta realidade, no catálogo das doenças psíquicas, internacionalmente aceites e reconhecidas. Mas isto é assunto que deixamos aos especialistas.
O que nos interessa é a realidade e esta, independentemente de se tratar duma doença ou não, pelas consequências que pode ter no desenvolvimento da personalidade da criança, na sua saúde e no seu comportamento futuro como cidadão e eventual progenitor, merece ser apreciada, discutida e tratada interdisciplinarmente, pois não podemos ter a veleidade de pensar que estes problemas, podem ser resolvidos apenas e só, pelo direito e pelos Tribunais.
Medidas a tomar para combater a alienação parental.
Para tomar medidas, sejam elas de natureza preventiva ou repressiva é necessário, antes de mais, diagnosticar e identificar o problema.
Nesta matéria como em muitas outras, citando o meu Ilustre amigo e antigo professor no CEJ, Juiz Conselheiro Dr. Armando Leandro, «cada caso é um caso». Porém é possível identificar muitas das atitudes e comportamentos que andam normalmente associados a situações de alienação parental, que a indiciam ou que a denunciam. Entre estas situações, é comum apontar as seguintes atitudes por parte do progenitor alienante:
a) denigre a imagem da pessoa do outro progenitor;
b) organiza diversas actividades para o dia de visitas, de modo a torná-las desinteressantes ou mesmo inibí-las;
c) não comunica ao outro progenitor factos importantes relacionados com a vida dos filhos (rendimento escolar, agendamento de consultas médicas, ocorrência de doenças, etc.)
d) toma decisões importantes sobre a vida dos filhos, sem prévia consulta do outro cônjuge (por exemplo: escolha ou mudança de escola, de pediatra, etc.);
e) viaja e deixa os filhos com terceiros sem comunicar o outro progenitor;
f) apresenta o novo companheiro à criança como sendo seu novo pai ou mãe;
g) faz comentários desagradáveis ou depreciativos sobre presentes ou roupas compradas pelo outro progenitor ;
h) critica a competência profissional e/ou a situação financeira do ex-cônjuge;
i) obriga a criança a optar entre a mãe ou o pai, ameaçando-a com algo desagradável, caso a escolha recaia sobre o outro progenitor;
j) transmite e faz sentir à criança seu desagrado, quando por alguma forma ela manifesta satisfação ou contentamento por estar com o outro progenitor ou com algo com este relacionado;
k) controla excessivamente os horários de visita;
l) recorda à criança, com insistência, motivos ou factos ocorridos pelos quais deverá ficar aborrecida com o outro progenitor;
m) transforma a criança em espiã da vida do ex-cônjuge;
n) sugere à criança que o outro progenitor é pessoa perigosa;
o) emite falsas imputações de abuso sexual, uso de drogas e álcool;
p) dá em dobro ou triplo o número de presentes que a criança recebe do outro progenitor;
q) danifica, destrói, esconde ou cuida mal dos presentes que o “outro” dá ao filho;
r) não autoriza que a criança leve para a casa do “outro” os brinquedos e as roupas de que mais gosta;
s) ignora em encontros casuais, quando junto com o filho, a presença do outro progenitor, levando a criança a também desconhecê-la;
t) não permite que a criança esteja com o progenitor alienado em ocasiões outras que não aquelas prévia e expressamente estipuladas.
Há que estar atento a estas manifestações e cortar cerce, qualquer tentativa de progressão do processo de alienação parental, porquanto, se a intervenção for tardia, a situação pode tornar-se irreversível ou muito difícil de debelar, sem graves traumas para quase todos os intervenientes, incluindo o alienador.
Com efeito se o processo de alienação não for interrompido, pode suceder que o grau de alienação seja tal, que acabe por inviabilizar qualquer contacto com o progenitor alienado. Por vezes, os filhos interiorizam tanto os sentimentos negativos que lhe foram incutidos pelo progenitor manipulador, que os assumem como genuinamente seus, resistindo ao mais leve contacto com o progenitor alienado e rejeitando tudo o que possa evidenciar o contrário do seus sentimentos[6]. Nestas circunstâncias, a resistência oferecida pelos filhos, ao relacionamento com um dos pais, é tamanha que, a alienação parental acaba por contar, com algum, às vezes inevitável, beneplácito do Poder Judiciário. Na verdade, pode acontecer que, diante dessa circunstância e perante o perigo (constatado por perícias da especialidade) de o remédio ser mais mortífero ou pernicioso que a doença, o tribunal tenha que optar por suspender, ainda que provisoriamente, o regime de visitas. Foi o que sucedeu recentemente num caso que correu termos no Tribunal da Relação de Lisboa[7], relatado pelo meu colega e amigo Juiz Desembargador Dr. Arnaldo Silva, onde, a propósito duma situação de alegados abusos sexuais por parte do pai, relativamente a duas filhas de com cerca 9 e 6 anos respectivamente, que não se provaram, e que o pai não via há três ou quatro anos (por recusa destas em vê-lo e da progenitora em consenti-lo), o Tribunal da Relação acabou por confirmar parcialmente a decisão da primeira instância e suspendeu provisoriamente o regime de visitas, tendo para tanto considerado o seguinte:
1. «O direito de visita é um direito-dever, um direito-função, um direito a ser exercido não no interesse exclusivo do seu titular mas, sobretudo, no interesse da criança. Não é, pois, um direito subjectivo propriamente dito, não tem carácter absoluto, e está subordinado ao interesse do menor. Pode, por isso, ser limitado ou excluído quando o seu exercício for incompatível com a saúde psíquica do menor. Não é um direito do progenitor sem a guarda dos filhos que possa ser imposto ao menor sem ter em conta a vontade deste, sobretudo se é já é adolescente e, não o sendo ainda, há que ter em conta o grau de maturidade do menor, para se averiguar se a sua vontade foi ou não livremente determinada ou se resultou de influências ou manipulações externas. E viu-se também que, in casu, a recusa das menores em não quererem ver o pai foi livremente determinada, já que não foram manipuladas pela mãe com vista a obstruir o vínculo delas com o pai. Assim a sua vontade tem de ser respeitada.
2. Donde, impõe-se a suspensão provisória do direito de visita do pai até que se atenue ou desapareça a recusa das menores. O que terá de ser obviamente averiguado pelos peritos».
MEDIDAS DE DIAGNÓSTICO E PREVENTIVAS
Como se pode ver pela leitura deste excelente acórdão, nem sempre é fácil identificar a existência duma situação de alienação parental ou de SAP, isto, apesar da abundância de meios de diagnóstico que foram postos à disposição do Tribunal, o que, infelizmente, nem sempre acontece e nem sempre é possível dispor.
Uma diligência essencial para diagnosticar a existência de uma situação de alienação ou SAP é a audição do menor, que deve ser executada com os maiores cuidados, pelo Tribunal, com a colaboração de técnicos com formação específica, por forma a poder trazer à luz do dia aquilo que, normalmente, está encoberto ou seja perscrutar qual é vontade genuína da criança e identificar que parte, da vontade manifestada, é manipulada ou instrumentalizada.
Recentemente participei num Seminário na Escola Judicial Espanhola em Barcelona, sobre subtracção internacional de menores. Segundo aí foi relatado este tipo de situações é, frequentemente, o culminar dum processo de alienação parental (o mesmo sucede com a subtracção no âmbito interno) e não raras vezes os menores são usados para dificultar o regresso ao “status quo ante” com alegação de que não querem regressar, invocando as mais diversas razões.
Com vista a averiguar das verdadeiras motivações de tais recusas concluí-se nesse seminário, em matéria de audição de menores, o seguinte:
1º Se considera que la audiencia de los menores en los procesos de restitución es un elemento muy importante en la configuración de la decisión judicial que se adopte (art. 11.2 Reglamento 2201/2003). Debe por tanto llevarse a cabo siempre que sea posible y cuando por razones de edad la audiencia del menor permita un intercambio de información relevante tanto para la resolución que se dicte como para el bienestar del menor.
2º. La audiencia del menor debe tener un doble objetivo:
a) Conocer sus deseos, aspiraciones y voluntad en las parcelas vitales que puedan verse afectadas por la decisión judicial.
b) Igualmente debe permitir que el menor reciba información objetiva del conflicto familiar, de su vertiente judicial y de las posibles repercusiones que en su vida pueda tener la resolución judicial que se adopte, todo ello acorde con su edad y a su implicación en el conflicto familiar.
3º La audiencia del menor debe desarrollarse en la forma menos estresante para el menor y con la mejor técnica posible. A este respecto se recomienda:
a) Planificar con tiempo esa diligencia judicial, fijando el día y la hora que menos alteración genera en la vida del menor: coordinación con el centro escolar, no hacerle esperar en la sede judicial, evitar su “victimización” innecesaria etc. etc.
b) Aplicación de un protocolo de acogida a fin de “situar” al menor: explicarle por qué se le ha llamado, donde se encuentra, quiénes son las personas que están presentes, qué objeto tiene la entrevista etc. etc. Igualmente debe existir un protocolo de “despedida” que cumpla la finalidad de liberar al menor de posibles sentimientos de culpa, siendo recomendable finalizar la entrevista con temas “neutros” (aficiones, deportes…) y en forma positiva, alabando su colaboración.
c) En los Juzgados deben existir dependencias adaptadas para la práctica de estas diligencias y dotadas convenientemente de mobiliario infantil, sistemas de gravación/reproducción audio-video, espejos de una dirección[8] etc. etc.
d) Es recomendable la intervención de un profesional (psicólogo, educador infantil, trabajador social) que coparticipe con el Juez en la audiencia, bien a lo largo de todo su desarrollo, bien en las fases inicial (protocolo de acogida) y final (protocolo de despedida).
4º. La voluntad del menor expresada en la audiencia no debe ser admitida sin más por el Juez como el elemento decisorio a la hora de adoptar una orden de retorno/no retorno. Por el contrario debe ser valorada por el Juez en función del contexto en el que se produce: grado de madurez del menor y coherencia expresiva, nivel de conflictividad entre los adultos y sobre todo descartando siempre posibles manipulaciones del menor.
5º. Respecto a la documentación de la audiencia del menor y sin perjuicio de las particularidades de cada legislación nacional, se considera una buena práctica su posible grabación en soporte audiovisual, a fin de evitar posibles repeticiones en segunda instancia y para mejor conocimiento del Tribunal del país de origen a los efectos del artículo 11 4. y 6 y siguientes del R. 2201/2003.
6º. Debería elaborarse una guía práctica sobre la exploración de menores en supuestos de sustracción internacional, pues pese a las particularidades de cada caso, existen elementos comunes suficientes para poder unificar la forma de llevar a cabo esta diligencia judicial con la mayor calidad posible»[9].
Parece-me que estas conclusões/recomendações podem, mutatis mutandis, aplicar-se à audição de qualquer menor com vista a perscrutar da sua verdadeira, livre e esclarecida vontade.
Como bem se afirma no acórdão acima referido, «O menor, como qualquer ser humano, merece respeito e a sua vontade e os seus sentimentos devem ser tidos em conta na regulação do poder paternal. Tem sido esta a tendência da evolução do direito dos menores consagrada na Convenção dos Direitos da Criança de 1989 e na Convenção do Conselho da Europa, que prevêem o direito de o menor ser ouvido em todas as decisões que lhe digam respeito»[. «A consideração da vontade do menor depende da sua idade, do seu discernimento, e do grau da sua maturidade. Tratando-se de um adolescente, a lei (art.º 10º, n.º 1 da LPCJP) aponta a idade de 12 anos, como idade a partir da qual a opinião do jovem é relevante. É este também o critério seguido no Cód. Civil em matéria de adopção [art.º 1981º, n.º 1 al. a) e 1984º al. a)]. Abaixo desta idade é importante analisar o grau de maturidade do menor e a liberdade da sua opção, ou seja, em que medida é que a sua vontade foi livremente determinada ou resultou de influências ou manipulações externas. No período intermédio entre os 6 e 11 anos, há crianças que têm maturidade suficiente para formar uma opinião autónoma e outras que não têm essa maturidade. Tratando-se de crianças muito pequenas, com menos de 6 anos, e que precisam da mediação da mãe para entrar em contacto com o pai, é relevante analisar, para decidir executar ou não o regime de visitas, o comportamento passado do progenitor sem guarda, ou seja, se trata de um progenitor que sempre se interessou pelo filho, ou de um progenitor que só exige o direito de visita por vingança ou de controlo em relação ao outro. E ainda se os motivos da mãe que coloca obstáculos ao exercício do direito de visita são caprichosos ou egoístas, ou se o seu comportamento se explica pelo facto de se tratar de uma família com uma história de violência doméstica contra a mulher e/ou contra os filhos». Não se pode ignorar que, por vezes, as denúncias de abusos sexuais podem ser o fruto de uma escalada no conflito em torno da guarda do filho, e que algumas acusações são forjadas para ganhar o conflito judicial, mas também não se pode ignorar, que as acusações falsas são largamente minoritárias, e que o alegado síndrome de alienação parental (SPA), pode também ser uma manobra defesa usada do pai abusador para obter a guarda para si e ou o direito de visita. Não pode, pois, aqui, o Tribunal ter ideias pré-concebidas, aplicar estereótipos ou regras da experiência.» Há sim, que investigar com todos os meios e com toda a persistência, mas também com rapidez, pois aqui o tempo é fundamental.
Mas antes de se tomarem medidas judiciais, podem e devem tomar-se outras. E aqui, os Senhores Advogados têm ou podem ter, se assim o quiserem, um papel relevantíssimo e inestimável a favor das nossas crianças, filhas de pais separados ou desavindos e da existência de uma sociedade futura, de gente equilibrada, com personalidade bem estruturada e mentalmente sã.
Desde logo no tratamento das questões ligadas ao divórcio e à regulação das responsabilidades parentais, tentando reduzir a intensidade do conflito, reduzir a litigiosidade, promover os acordos, a mediação ou seja, evitar ao máximo o extremar de posições, porquanto, é sabido que os compromissos, que são livremente aceites ou consentidos, são mais facilmente cumpridos. Por outro lado sabe-se que a persistência do litigio judicial, leva à exacerbação dos ânimos, ao reabrir de feridas já saradas, à produção de novas e ao aumento das dificuldades de relacionamento. Além disso a realidade demonstra que decisão judicial, seja ela qual for, desagrada sempre a uma das partes, e não raras vezes a todas. Pelo que aquela ou aquelas que ficou descontente, se puder, tudo fará para a não cumprir ou pelo menos dificultar a sua execução. Ora tudo isto, todas estas dificuldade, no que diz respeito às questões relativas aos filhos, no interesse destes, é perfeitamente dispensáveis. A separação dos progenitores é já em si mesma um problema com que os filhos têm de aprender a viver e que muitas vezes não entendem. Mais ainda quando de um progenitor e do outro há protestos e juras de amor eterno e de estarem dispostos a tudo....para garantir o seu (do filho) bem e felicidade...!
MEDIDAS REPRESSIVAS
Uma vez identificado que se está perante um processo de alienação parental, é importante agir no sentido de impedir a sua progressão ou de o debelar, judicial ou, de preferência, extra-judicialmente, impedindo, dessa forma, que o síndrome se venha a instalar irremediavelmente.
É imperioso que os juízes estejam despertos para os elementos identificadores da alienação parental, mas sem preconceitos ou ideias pré-definidas, para que o seu juízo não venha a ser condicionado, senão pelos factos demonstrados no cadilho do processo e após o necessário e sempre indispensável contraditório.
Havendo notícia ou suspeita de que possa estar a ocorrer uma situação dessa natureza (alienação parental ou SAP) seria bom que os Tribunais pudessem ordenar rapidamente, a realização de perícias especializadas v.g. o exame psicológico e psiquiátrico das partes envolvidas, designadamente procedendo à indispensável audição dos menores, nos termos descritos na recomendação acima referida[10]. Na posse destes elementos, pode e deve ordenar-se as medidas necessárias para a protecção da criança, nomeadamente as que permitam a aproximação da criança com o progenitor alienado, impedindo, assim, que o progenitor alienante obtenha sucesso nos seus intentos.
As providências judiciais a serem adoptadas devem ter em conta o grau e estadio da alienação parental.
Assim, e consoante a gravidade da situação, pode ponderar-se a adopção de alguma ou algumas, das seguintes medidas:
a) ordenar a realização de terapia familiar, nos casos em que o menor já apresente sinais de repulsa ao progenitor alienado;
b) determinar o cumprimento do regime de visitas estabelecido em favor do progenitor alienado, valendo-se, se necessário, da execução forçada (com as devidas cautelas) ;
c) condenar o progenitor relapso no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória diária, enquanto perdurar a resistência às visitas ou à prática que fomenta a alienação;
d) alterar a guarda do menor, principalmente quando o progenitor alienante apresentar conduta que se possa reputar como patológica, determinando, ainda, a suspensão das visitas em favor do progenitor alienante, ou que elas sejam realizadas de forma supervisionada[11];
e) dependendo da gravidade do padrão de comportamento do progenitor alienante ou diante da resistência dele perante o cumprimento das visitas, podem providenciar-se as medidas de natureza penal que sejam aplicáveis ao caso.
Uma vez que estas questões, normalmente, ocorrem no âmbito de processo de jurisdição voluntária, será sempre possível ao Juiz adoptar outro tipo de providências, desde que legais, aptas a atingir o escopo visado.
Muito mais haveria a dizer, mas já me alonguei em demasia.
Penitencio-me por isso, e por não ter tido nem tempo, nem sabedoria suficiente, para poder ter sido mais conciso.
Em jeito de conclusão, permito-me, mais uma vez, salientar que seria desejável que a intervenção dos Tribunais na resolução destes conflitos não fosse necessária, designadamente por haver empenho de todos, principalmente dos Sr. Advogados na resolução amigável dos conflitos, mas, sendo inevitável, faço aqui um apelo, aos Senhores Advogados e candidatos a Advogados, para que façam tudo o que estiver ao seu alcance para a resolução amigável deste tipo de conflitos e não sendo viável, ao menos, não contribuam para o agudizar desses conflitos, afinal não se apagam fogos lançando gasolina no incêndio! Se não se fizer este esforço, todos sabemos quem sairá prejudicado...!
Aqueles cujos interesses todos dizemos querer acautelar - as crianças.
Tenho dito.
Lisboa, 24 de Junho de 2009.
José Manuel Bernardo Domingos
(Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Évora)
[1] Richard Gardner definiu o SAP, «como um transtorno que surge principalmente no contexto da disputa da guarda e custódia das crianças. A primeira manifestação é a campanha de difamação contra um dos pais, por parte do filho, campanha sem justificação. O fenómeno resulta da combinação de um sistemático doutrinamento (lavagem ao cérebro) por parte de um dos progenitores, e das próprias contribuições da criança, destinadas a denegrir o progenitor objecto desta campanha».
[2] Estar a criança com febre; acometida por dor de garganta; visitas inesperadas de familiares; festa na casa de amigos, etc.
[3] A insatisfação do progenitor alienante, por derivar das condições económicas advindas do fim do vínculo conjugal, ou mais frequentemente das razões que conduziram à destruição do casamento, principalmente quando esta se dá em consequência de adultério e, mais ainda, quando o ex-cônjuge prossegue a relação com o parceiro da relação extra-matrimonial que esteve na origem da ruptura do casamento. Neste último caso, o afastamento dos filhos de um dos pais resulta de um sentimento de retaliação por parte do ex-cônjuge abandonado, que entrevê na criança o instrumento perfeito da mais acabada “vindicta” privada. Pode suceder, também, que a exclusividade da posse dos filhos seja uma consequência do desejo de não os ver partilhar da convivência com aqueles que vierem a relacionar-se com o ex-cônjuge - independentemente de terem sido eles os responsáveis pelo rompimento do vínculo matrimonial. Noutros casos, não raros, a alienação apresenta-se como mero resultado da posse exclusiva que o ex-cônjuge pretende ter sobre os filhos (Dr. Priscilia Fonseca – in Pedriatria - São Paulo - 2006;28(3)162-8).
[4] Algumas vezes a justificativa resume-se no desagrado de comparecer a determinados lugares (casa dos avós, por exemplo); em outras oportunidades, a justificativa encontra amparo na não-participação do progenitor em determinadas brincadeiras, ou mesmo no inconformismo com o cumprimento dos deveres escolares imposto pelo outro progenitor.
[5] Em alusão à peça escrita por Eurípides, dramaturgo grego, no ano de 431 antes de Cristo: “Jasão corre para a casa de Medéia à procura dos seus filhos, pois teme pela segurança deles, porém chega tarde demais. Ao chegar à sua antiga casa, Jasão encontra os seus filhos mortos, pelas mãos de sua própria mãe Medéia, que já fugindo pelo ar, num carro puxado por serpentes aladas e que lhe foi dado pelo avô o deus Hélios.
Não pode haver vingança maior do que tirar ao homem a sua descendência.
[6] A este propósito pode referir-se um caso descrito pelo Prof. José M. Agilar Cuenca e citado num artigo de José Ramón Aramendi in «a Pagina da Educação» de Dezembro de 2008, onde a propósito afirma, «estas crianças (vítimas de SAP) assumem as ideias e atitudes do progenitor alienador como se fossem suas. Não se sentem, em momento algum, alienados e manipulados. O sentimento da criança provocado pelo progenitor alienador «é entendido como próprio, o filho vê-se com uma personalidade que pensa ser auto elaborada, de tal forma que fica impermeável as influências dos outros», afirma José Maria Aguilar.A realidade psicológica da criança alienada é muito complexa, como de seguida descrevemos, seguindo o trabalho de José Maria Aguilar, em relação a algumas das condutas mais características.A sua atitude não é passiva, é claramente beligerante. Tratam o seu progenitor, já não como um inimigo, mas sim «como um desconhecido odioso cuja proximidade sentem como uma agressão à sua pessoa».Alcançado este nível de alienação o trabalho do progenitor alienador pode passar a ser mínima, já não é necessária uma incitação pontual. Produzida a alienação máxima a criança passa a actuar sozinha.
O único sentimento que esta criança sente em relação ao outro progenitor é ódio, nem mais nem menos. «O filho alienado mostra um ódio sem ambivalências, sem quebras nem condescendências. Um ódio que pode ser comparado ao fanatismo terrorista».
Este ódio e repulsa projecta-se e alarga-se sem excepção a toda a família do progenitor que passou a odiar, avós, tios, primos, com os quais mantivera uma profunda relação afectiva, como é normal em todas as crianças.
Sem dúvida, como consequência desta lógica cruel, o progenitor alienador surge como um ser perfeito, «a sua imagem é pura, completa e indiscutível. Qualquer critica ou afronta que lhe seja feita é assumida, pela criança, como um ataque pessoal e imperdoável».
A defesa do progenitor alienador está acima de qualquer pensamento lógico e nada convencerá a criança de que ela não está certa. José Maria Aguilar, relata no seu livro um caso que tratou no seu consultório, e que nos mostra esta total intransigência. «Quando um filho, que continuamente se queixava de que o pai nunca mais tinha tentado contactar com ele, teve que enfrentar, na consulta, cerca de trinta cartas que a mãe havia devolvido durante o tempo em que não tinham mantido contacto, começou a argumentar que o progenitor unicamente o tinha feito para justificar como era um bom pai». Quando o pai lhe leu o conteúdo de algumas das cartas que dirigira à mãe, nas quais lhe pedia permissão para ter uma conversa telefónica com o filho no dia do seu aniversário, o menor respondeu argumentando que «a mãe fazia sempre o que considerava melhor para ele».
O filho alienado, assombrosamente, mostra uma total ausência de culpa. O ódio induzido nele que é vitima e carrasco, não nos esqueçamos de ambos os extremos, é tão poderoso que elimina toda a noção de culpa, «o que permite aos menores alcançar os níveis de difamação mais irracionais».
[7] Proc. n.º 2190/03, ac. de 19/05/09, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/..., sendo que neste caso não foi dado como provada uma situação de alienação parental ou de manipulação das menores por parte da progenitora guardiã. Contudo as certezas nestas matérias são sempre contingentes. Basta verificar que apesar das muitas perícias as duvidas não foram integralmente dissipadas....
[8] Como os que existem nas salas para as diligências de reconhecimento de pessoas em Processo Penal.
[9] O relator destas conclusões foi o Juiz do Tribunal de Família de Málaga, Dr. José Luis Utrera Gutiérrez, que foi também conferencista e dirigente de uma das mesas de trabalho, subordinada ao tema -Audiencia de los menores, violencia de género, crisis familiar y manipulación de menores.
[10] Para isso seria recomendável que todos os Tribunais de Família e Menores estivessem dotados de Técnicos especializados, designadamente psicólogos em número e qualidade suficiente para, em tempo útil, darem resposta às solicitações.
[11] No acórdão do Tribunal da Relação de Évora de que fui relator, Ac. de 27/9/2007, proc. nº 1599/07-2, ponderou-se a possibilidade de retirada da guarda aos progenitores, tendo em consideração o seguinte:
« no caso dos autos as dificuldades de relacionamento dos progenitores são, infelizmente demasiado evidentes (não há inocentes…) e o Tribunal, tendo sempre presente a finalidade e a ratio da sua intervenção - a salvaguarda dos interesses dos menores - tentou a conciliação possível de todos os interesses em presença, fixando um regime rígido “ de amor com hora certa”!! Este regime é o que parece mais adequado à situação pois por um lado tem a virtude de reduzir os riscos decorrentes dos contactos entre progenitores e por outro mantém em aberto todas as potencialidades daquilo que se pretende seja um são convívio dos menores com ambos os progenitores. Estes, em particular a recorrente, devem ter a consciência de que a persistência de relações conflituosas entre ambos, com utilização das crianças como objecto da guerrilha e como veículo de transmissão dos sentimentos negativos que nutrem em relação ao outro, são altamente perniciosas para o são desenvolvimento físico, psíquico e afectivo das crianças.
Em matéria da regulação do poder paternal e da guarda e confiança dos menores o escopo da intervenção do Tribunal é sempre e em primeiro lugar a salvaguarda do interesse destes. Assim se os pais não “arrepiarem caminho” no que tange à forma como se têm relacionado entre si e com os filhos (utilizando estes como meros instrumentos de agressão mútua) haverá que ponderar a hipótese radical de confiar os menores a terceira pessoa, há semelhança do que recentemente sucedeu na Catalunha, num caso com contornos idênticos aos destes autos, onde a mãe além de incutir nos filhos uma imagem negativa do pai tentava impedir ou dificultar o contacto deste com aqueles. O remédio foi entregar os menores aos avós paternos e impedir durante seis meses o contacto da mãe com os menores, ao mesmo tempo que, com apoio psicológico, se tentava restabelecer uma salutar relação com o pai.
retirado do blog Tribunal de Familia e Menores em Barreiro
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