Por maioria, a 20ª Câmara Cível do TJRS reconheceu a existência de dívida representada por cheque, de R$ 25 mil, que homem casado, com mais de 70 anos, emitiu em favor de mulher, 40 anos mais jovem, com a qual mantinha relacionamento extraconjugal. Por insuficiência de provas, não foi admitida a alegação de "golpe" da amante para tirar dinheiro do idoso, mentindo-lhe que faria tratamento de doença grave.
De acordo com o Colegiado, não havendo prova da coação ou de que o emitente do cheque era pessoa incapaz, deve prevalecer a literalidade do título, não sendo possível a declaração negativa da existência do débito.
Os magistrados entenderam que a intenção do homem, ao fornecer o cheque, era de compensar a mulher pelo envolvimento íntimo, que se manteve por anos. Com o término da relação, consideraram que o idoso se arrependeu do presente dado.
Ainda cabe recurso da decisão ao 10º Grupo Cível do TJRS.
Recurso
A mulher interpôs recurso de apelação ao TJ contra a sentença que julgou procedentes os embargos de devedor do idoso, em ação de cobrança de dívida instrumentalizada com o referido cheque. Sustentou que recebeu dele cheque para comprar imóvel onde pudessem ter mais privacidade. Ele, no entanto, alegou ter emprestado R$ 25 mil para que ela fizesse tratamento de doença grave e descobriu ter sido enganado, inexistindo a enfermidade.
Conforme o relator, Desembargador José Aquino Flôres de Camargo, as versões das partes foram amparadas por testemunhas. No entanto, disse, a reprodução da realidade é impossível porque a relação entre as partes era clandestina. Os depoentes, frisou, apenas reproduziram o que escutavam dos litigantes. No entanto, disse, transparece nitidamente o visível arrependimento do embargante, notadamente após o término da relação íntima antes existente.
Inexistência do golpe
Para o magistrado, interessa saber, para a solução da causa, que o embargante não nega o fornecimento do cheque à ré. "Aliás, assim o fez - sabe-se lá porque razões -, de forma voluntária, não sendo crível a tentativa de caracterizar uma extorsão." Ficou claro, acrescentou, que mesmo sendo pessoa idosa, ele se encontra em pleno gozo de suas faculdades mentais.
Em seu entendimento, não é razoável, a partir de meras alegações de golpe, desconstituir o cheque confessadamente emitido em favor da ré. "A origem do título de crédito está mesmo em autêntica forma de obsequiar ou ressarcir a embargada pelo período de convívio íntimo." E, nisso, continuou, "nada há de ilícito."
Avaliou que o idoso, fruto do seu livre arbítrio, resolveu pagar pelo relacionamento íntimo, que não era efêmero. "Não sendo incapaz, mas consciente de seus atos, por ele responde, salvo prova de vício na manifestação de vontade, do que não cogita os autos."
Votou de acordo com o relator o Desembargador Rubem Duarte, Presidente.
Divergência
O Desembargador Glênio José Wasserstein Hekman votou de forma divergente. Afirmou ser possível a discussão do motivo da dívida entre o emitente do cheque e o beneficiário/tomador. Nesse sentido reproduziu regra contida na Lei do Cheque (Lei nº 7.357/85): "Art. 25. Quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador adquiriu conscientemente em detrimento do devedor."
Reconheceu ser fato incontroverso que a emissão do título de crédito foi motivada pela relação amorosa e extraconjugal que se estabeleceu entre as partes. Assinalou que o cheque de R$ 25 mil tem a mesma data da última consulta feita pela amante na ginecologista dela. Posteriormente, disse, o embargante foi ao consultório para saber se a embargada tinha câncer ou outro problema grave de saúde. A médica, que também foi testemunha, informou que a paciente fez exames de rotina e não tinha enfermidade séria.
"A emissão do cheque em execução estava umbilicalmente vinculada a alegada doença, não tenho dúvida", asseverou o magistrado. Salientou que, devido o engano e frustração pelo golpe da amante, o embargante passou a pressioná-la para devolver o cheque, motivando o término do relacionamento.
Para tirar a eficácia do cheque, não considerou a idade avançada do embargante e a idade da embargada. Mas, ponderou, a diferença etária de 40 anos, "pode ter contribuído para a consecução do embuste, diante do poder de sedução da juventude e conhecido entorpecimento da velhice." E finalizou, "a embargada não tem razão alguma para executar uma dívida que nunca existiu por parte do embargante"
Retirado do site do IBDFAM Fonte: TJRS
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